Projeto da UFBA transforma resíduos do restaurante universitário em adubo

A Compostagem Francisco reaproveita dezenas de quilos de alimentos semanalmente

Por Ícaro Lima

Quem acompanhou o desastre do aparecimento de toneladas de óleo no litoral do Nordeste brasileiro, no início de agosto deste ano, provavelmente também ficou sabendo de um projeto realizado na UFBA que transformou alguns litros do material encontrados nas praias em carvão. O que muitos talvez não saibam é que esse projeto vai além disso. 

A Compostagem Francisco, atividade de extensão vinculada ao Instituto de Química da UFBA, nasceu em junho de 2015, após o desejo da professora (do mesmo instituto) Zenis Rocha em cumprir um dos “pedidos” do Papa Francisco, que naquela época havia acabado de divulgar uma encíclica convocando a população mundial a cuidar mais do Meio-ambiente.

O projeto, coordenado por Zenis e também pelo professor José Petronílio Cedraz, produz, semanalmente, 40kg de adubo feitos a partir de resíduos de alimentos vindos do Restaurante Universitário (R.U.) da UFBA, em Ondina. A inspiração do modelo de funcionamento inicial surgiu para a professora Zenis através de um outro projeto de compostagem que acontecia em um shopping de São Paulo, no qual produzia adubo a partir dos resíduos dos restaurantes da praça de alimentação.

No início, a Compostagem Francisco comprava alguns produtos de uma empresa de fora da Bahia para realizar os processos químicos. Porém, após alguns problemas com fornecedor, Zenis ouviu do professor Petronílio: “Mas você não é química? Desenvolva uma tecnologia”. A partir daí, a professora começou pesquisar para construir uma solução própria.

O processo
O processo de degradação de resíduos atualmente feito pelo projeto é, nas palavras do professor Petronílio, basicamente o mesmo que acontece no organismo humano. A primeira etapa consiste em uma triagem do material que vem do R.U.: a maior parte é separada e as frutas são cortadas e trituradas.

Depois, o material é colocado em uma betoneira e misturado ao pó de serra para diminuir a umidade. Em seguida, são adicionados biodegradadores e ativadores e, por fim, um biofinalizador. Todas essas substâncias atuam na decomposição do material, que após 1 hora, já começa a sofrer transformações.  

O processo completo dura, em média, 15 dias, e resulta em um adubo que, como conta o professor Petronílio, não é prejudicial à agricultura e nem deixa resíduos que sejam nocivos às árvores, verduras ou hortaliças.

O adubo pronto é destinado de forma gratuita aos serviços de jardinagem da própria UFBA, que já utilizou mais de 30 toneladas até o momento. Além da universidade, creches, colégios públicos do Subúrbio de Salvador e projetos ligados ao sistema prisional local utilizam o adubo para ações educativas de jardinagem.

Conscientização sobre o desperdício
Além de servir como um elemento necessário no cultivo de plantas, o adubo feito pela Compostagem Francisco é produzido para provocar uma reflexão sobre o desperdício de alimentos. Para o professor Petronílio, ainda falta muita conscientização da população a respeito desse tema. “Às vezes, a gente pega aqui uma laranja inteira, uma banana, uma maçã inteira. Você não quer, você não pega”, conta. 

Para ele, deveriam existir estratégias que dialogassem com os alunos a respeito do quão importante é evitar o desperdício desses alimentos. “É um absurdo. Um país que tem tanta miséria, tanta fome, libera de resíduo em torno de 200 kg por dia [cada pessoa]?”, diz. 

Projeto com o óleo das praias nordestinas
Além do trabalho de produção de adubo, o projeto também contribuiu, recentemente, com outra iniciativa sustentável e descobriu um método de usar os quilos de óleo que apareceram no litoral de Salvador e torná-los uma espécie de carvão em pó. 

“A gente pensou: ‘se esses moderadores são capazes de degradar a matéria orgânica do alimento, que é matéria complexa, muito mais variado que o petróleo, por que não aqui?’. E aí se utilizou isso com algumas adaptações”, conta o professor. A ação principal nesse processo é adicionar um solvente orgânico no óleo para diminuir a viscosidade e facilitar a mistura.

Sobre outras novas iniciativas, o professor conta que vontades e ideias existem, mas algumas coisas dificultam essas implementações, como a falta de apoio e tempo, além de infraestrutura. “A gente faz com 50kg de resíduos do R.U. por dia. O R.U. produz em torno de 200kg [de resíduos] por refeição [diariamente]”, afirma.

Inspiração
Além dos professores, a equipe da Compostagem Francisco é composta por 10 alunos de Química da UFBA que atuam de forma voluntária e ajudam nos processos pelo menos uma vez por semana, das 13h às 17h. O projeto também conta com voluntários de outras áreas em situações especiais, de acordo com a demanda. Ao final do processo de voluntariado, o estudante ainda recebe um certificado de horas complementares.

E se o desejo da Compostagem Francisco é causas reflexões, uma integrante da equipe é um exemplo forte que isso é possível. A estudante Verônica Mattos começou no projeto logo quando ele surgiu porque tinha o desejo de ter novas experiências além das salas de aula, laboratórios e poder se conectar com novos colegas, e contribuir para a preservação da natureza. 

Verônica, que atualmente estuda Engenharia Ambiental na UFBA, tem uma formação em Química justamente com um TCC que aborda a Compostagem Francisco e a utilização dos produtos aceleradores e suas atuações nas matérias orgânicas. 

Futuro
Olhando mais para a frente, a coordenação da Compostagem Francisco planeja crescer. Os intuitos são, principalmente, aumentar a  quantidade de resíduos orgânicos transformados, absorvendo material de outros restaurantes da região da Ondina, e também virar algo que contemple alunos de outras áreas de uma forma mais ampla.  

“O meu sonho é antes, de sair da UFBA, ver uma unidade de compostagem aqui. Porque é um projeto que a gente pode absorver estudantes de diferentes cursos. Por aqui já passaram alunos do curso de Letras, Nutrição. Vários são os alunos que passam por aqui e falam ‘poxa, eu não conhecia esse projeto’”, comenta Zenis. 

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