Dia Nacional do Livro: mercado literário no Brasil se reinventa em meio a crise
Clássicos, imersão e novas experiências aparecem entre as tendências e inovações
Marcelo Azevedo*
O mercado literário no Brasil está em crise há anos, com as maiores redes de livrarias passando por grandes dificuldades financeiras. Em 2020, o cenário ficou ainda pior. O isolamento social obrigou as lojas a fecharem suas portas, dificultando ainda mais as vendas. Além disso, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em setembro, mostrou que o país perdeu 4,6 milhões de leitores nos últimos quatro anos.
Apesar do cenário pessimista, o mercado literário ainda tem apostas para superar a crise. Com as mudanças nos hábitos de consumo dos leitores e os problemas impostos pela pandemia, alguns modelos se tornaram insustentáveis, mas novas formas de venda já surgem e podem dar um respiro para o mercado.
O fim das lojas físicas?
O book advisor Eduardo Villela, profissional da área de assessoria para publicação de livros, explica que o fim das chamadas “megastores” é uma tendência que deve se manter. “Essas livrarias enormes em shoppings, que precisam pagar um aluguel caro, manter muitos funcionários e se propõem a ter todos os tipos de livros vão acabar. O custo de operação e a concorrência com as lojas virtuais, como a Amazon, tornam esse modelo insustentável. É uma tendência mundial”, diz ele.
Porém, essa previsão não significa o fim dos espaços de consumo literário. Villela aposta no retorno das livrarias pequenas, administradas por poucas pessoas e especializadas em áreas específicas de livros. A proximidade com o cliente, com melhor qualidade no atendimento, custos de manutenção mais baixos e maior facilidade de encontrar o que se procura podem ser diferenciais para esses locais sobreviverem à crise.
Um exemplo de empreendimento em menor escala é o Cantinho do Sebo, de Roberval Cardoso. Sua loja já tem mais de 30 anos de funcionamento e, apesar de dificuldades com as medidas de isolamento, conseguiu se manter de pé, principalmente por conta das linhas de crédito do Governo Federal. Agora, ele espera aumentar o nível de vendas a partir do ano que vem, com os meses de volta às aulas e uma possível melhora na situação da pandemia.
Além disso, a Lei Aldir Blanc, aprovada este ano, pode ser uma grande ajuda para pequenas livrarias, pois autoriza-as a receber entre R$ 3 mil e R$10 mil mensalmente por meio de fundos municipais e estaduais.
Retomada dos clássicos
Outra tendência do nicho literário é a retomada de livros mais antigos e de clássicos. Na lista dos mais vendidos da Amazon desta quinta-feira (29), o primeiro colocado do ranking era “Mulheres que correm com lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, publicado pela primeira vez em 1989. Além disso, livros como “1984”, de George Orwell, e “O morro dos ventos uivantes”, de Emily Bronte, também marcavam presença.
A discussão sobre clássicos pode ser notada no conteúdo literário de influenciadores digitais. O canal no Youtube Ler Antes de Morrer, por exemplo, apresentado por Isabella Lubrano, tem quase 500 mil inscritos e realiza leituras coletivas mensais com conversas ao vivo sobre grandes nomes do cânone literário. No mês de julho, ao anunciar a leitura de “David Copperfield” em um vídeo com mais de 30 mil visualizações, a edição recomendada pela youtuber esgotou-se na Amazon na mesma semana.
Mas o que leva as pessoas a procurarem os clássicos? A professora Luciana Oliveira, doutora em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que, para uma obra ser considerada clássica, é preciso um elemento a mais: “ela precisa ter uma humanidade universal, que possa ser sentida em qualquer época ou contexto. Quando lemos Vidas Secas, notamos a denúncia e problemas históricos daquele tempo, mas há algo que nos toca e que irá continuar nos tocando em qualquer data”, explica.
Por isso, Luciana acredita que o interesse pelos clássicos vem justamente pela busca desse elemento comum. “Talvez, em um momento de crise que estamos vivendo, as pessoas estejam sedentas por uma humanidade que as una de alguma forma”, diz. Ela cita o filósofo Ernst Fischer para definir a questão: através da arte, podemos unir nossa existência limitada a algo comum a todos.
Novos formatos
As grandes editoras também estão apostando nos clubes de assinatura. Neles, os clientes pagam um valor fixo e recebem mensalmente em suas casas pacotes com edições exclusivas de livros, acompanhadas de brindes como marcadores de página e decorações relacionadas ao mundo literário.
Apesar de representar menos de 1% das vendas de exemplares, segundo a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro de 2019, Eduardo Villela acredita que esse canal de vendas tem um grande potencial de expansão. “O clube de assinatura oferece a conveniência de receber o livro em casa com uma curadoria especializada. Muitas vezes, eles até traduzem livros que já estão esgotados no país, ou criam caixas maravilhosas para os exemplares que enviam. Isso é uma experiência para o leitor e acho que deve crescer bastante”, afirma.
Além disso, há a possibilidade de novos formatos para os livros tradicionais. Com o recente boom dos podcasts, os audiobooks podem se tornar um grande mercado no futuro, diz Villela. E não apenas com vozes de narração: a startup Nextale, por exemplo, oferece áudios dos livros com efeitos sonoros do ambiente descrito. Assim, inovando histórias clássicas como Frankestein e Dom Casmurro, eles proporcionam ao leitor uma experiência mais imersiva.
Outro formato, já mais consolidado, são os e-books, livros digitais, que são alternativas com preços mais acessíveis que os impressos. Porém, mesmo com as inovações, Villela afirma com convicção: os livros em papel não vão deixar de existir. “As novas gerações são multimídia, leem tanto o digital quanto o tradicional. Por isso, eu acredito que são mercados complementares. O cheiro de livros novos, o barulho das páginas, o toque e tudo o mais fazem a experiência do impresso ser insubstituível.”