A Clarice Lispector das redes sociais: porque a autora é tão citada nas redes
Agenda explica porque a autora é uma das mais citadas na Internet
Luana Lisboa
Há exatos cem anos, no dia 10 de dezembro de 1920, nasceu, na Ucrânia, Chaya Pinkhasovna Lispector. Consagrada com o nome de Clarice, veio para o Brasil aos 2 anos e lançou seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem, aos 23. Desde então, a autora de mais de 400 crônicas, contos e livros só ganha cada vez mais espaço dentre leitores de distintas gerações. Prova disso é a Clarice “Post mortem” que se criou nas redes sociais, décadas após sua morte, em 1977.
Todo mundo já viu pelo menos uma frase aleatória na Internet ser creditada à autora. Além, é claro, dos textos retirados de contexto que acabam sendo lidos como mensagens de autoajuda. A Agenda, então, resolveu conversar com um especialista para entender porque logo a Lispector se tornou popular nas redes. Compilamos também algumas frases que são mesmo da autora para você não cair em pegadinhas.
Frases que NÃO saíram da boca de Clarisse Lispector. Aos 100 anos do nascimento da escritora eu faço essa brincadeira com frases que a pobi jamais disse. Mas a internet cisma em dizer que sim. 😅😅 pic.twitter.com/OFT8DbrAsx
— Max Petterson (@MaxPettersonM) December 10, 2020
Fases da recepção das obras e popularização da autora
Clarice se torna “popular” dentro da Literatura brasileira com “A paixão segundo G.H. e, sobretudo, com “A hora da estrela”. É o que conta o doutor em Literatura e Cultura pela UFBA, Gilson Antunes. “Benedito Nunes destaca três fases de recepção por que passou a obra de Clarice Lispector. A primeira começa com a publicação do seu primeiro livro e vai até o aparecimento do livro de contos, Laços de Família”.
Esse livro, publicado em 1960, foi o divisor de águas entre a primeira e a segunda fase, conquistou o público universitário e despertou interesse pelos outros romances da autora já publicados. Foi o momento de maior receptividade das obras da autora.
Já a última fase, Gilson considera, se dá a partir da morte da ficcionista e conta com as peculiaridades de “A Hora da Estrela” e de “Um sopro de vida: pulsações”.
“Quanto a essa Clarice ‘Post mortem’ que se criou nas redes sociais e, em alguma medida, na televisão, é resultado de uma imagem canônica construída pela crítica a respeito da autora. As pessoas fazem uso de autores consagrados para legitimar seus discursos, seja Clarice Lispector, seja Machado de Assis. Acredito que o ponto de partida para a popularização de Clarice nas redes sociais foi essa ânsia pelo clássico, pelo discurso de autoridade. Em seguida, a partir desses usos feitos nesses espaços virtuais, a autora aumenta sua popularização”.
Gilson explica que a disseminação de textos atribuídos a ela também ajudam a popularizar a imagem da escritora, mesmo que seja uma imagem baseada em fragmentos que não são seus. “De tudo isso, por sua vez, o nome da escritora se torna ainda mais conhecido, mais popular”.
Contribuições para a literatura
Dona de um estilo subjetivo de escrita e recheado de metalinguagens, Clarice inaugurou o que os críticos literários chamam de prosa intimista, centrada no mundo interior das personagens e no tempo psicológico. Para Benedito Nunes, crítico da autora, Lispector foi responsável por introduzir também o romance moderno no Brasil.
“Nessas obras, há o abalo da cronologia e da continuidade, a ruptura das categorias espaço e tempo e o desfazimento da personagem nítida e de contornos firmes e claros. Não há mais a representação de retratos íntegros de indivíduos, mas imagens borradas de sujeitos fragmentados, traços errantes de uma individualidade problemática”, contou o professor Gilson.
AS CITAÇÕES DE CLARICE
“Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?” – “A Hora da Estrela”
“Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida.” – “Um Sopro de Vida”
“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.”- “Água Viva”
“A loucura é vizinha da mais cruel sensatez.” – “Aprendendo a Viver”
“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.” -“Perto do Coração Selvagem”