Grupo de usuários da Wikipédia lança projeto para ampliar informações sobre a Bahia

No mês de comemoração dos 20 anos da Wikipédia lusófona, o Wiki Loves Bahia quer chamar a atenção de quem está no interior do Estado

Maysa Polcri

Para os nativos digitais, soa quase como distopia a forma com que se buscava informações antes da disseminação da internet. É verdade que agora tudo está a um clique de distância, mas, até pouco tempo atrás, pesquisadores eram reféns das grandes, valiosas e, por vezes, empoeiradas enciclopédias. Neste mês de maio, a Wikipédia em língua portuguesa completa 20 anos sob o lema “a enciclopédia livre que todo mundo pode editar” e lança seu novo projeto Wiki Loves Bahia, em meio a debates sobre a liberdade de edição do site.

A Bahia possui por volta de 90 patrimônios espalhados pelos seus mais de 400 municípios, de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e foi pensando neles que o Wiki Movimento Brasil, grupo formado por wikipedistas, lançou o Wiki Loves Bahia (WLB). O projeto, que já está com as inscrições abertas, pretende ampliar e diversificar o conteúdo histórico-cultural do Estado.

Para isso, o WLB vai promover durante três meses as “editatonas”, famosas maratonas de edição, nas quais os wikipedistas esperam conseguir voluntários para criar e melhorar verbetes sobre a independência, biodiversidade e cultura popular da Bahia. O editor da Wikipédia Alberto Vasconcelos é natural da pequena Itamari, cidade que possui um pouco mais de 8 mil habitantes e conta que as informações que a enciclopédia digital possui sobre cidades do interior são muito restritas.

“Um bom exemplo é Canudos, que é uma cidade importante do Estado, mas que quase não possui acervo de fotos”, diz Alberto. De fato, quando pesquisamos Canudos na Wikimedia Commons, repositório de mídias da Wikipédia, são poucas as imagens da cidade, palco de um importante confronto histórico, que não se destacam em meio às fotos de canudos coloridos. Para preencher esse deserto com conteúdo, o Wiki Loves Bahia pretende engajar pessoas que estão no interior a publicarem fotos de suas cidades na plataforma Commons. O projeto será oficialmente lançado em uma reunião online no dia 21 de maio.

Seguindo os protocolos de saúde, o Wiki Movimento Brasil realizou sua Assembleia Geral em dezembro de 2020 (Foto: Acervo pessoal)
Seguindo os protocolos de saúde, o Wiki Movimento Brasil realizou sua Assembleia Geral em dezembro de 2020 (Foto: Acervo pessoal)

Dá para confiar?
Mas afinal, como funciona a maior enciclopédia do mundo? Com mais de 2 milhões de usuários, a Wikipédia lusófona é um braço da Fundação Wikimedia, que possui sede nos Estados Unidos, e abrange todos os países que têm como língua oficial o português, tais como Brasil, Portugal, Angola e Cabo Verde.

A Wikipédia é o sexto site mais acessado do mundo e está no ar graças a uma comunidade de voluntários responsáveis por verificar as edições que são feitas nos artigos diariamente. A aba do site “mudanças recentes” está disponível para todos e é por ela que os wikipedistas iniciam seu trabalho. 

Os editores têm a função de checar as alterações feitas nos verbetes e, para isso, verificam se as novas informações possuem fontes confiáveis e se não são vandalismos, como muitas vezes acontece. As edições, apesar de poderem ser realizadas por qualquer pessoa, são constantemente vigiadas pelos editores da web. 

“A Wikipédia é o site mais confiável do mundo, porque qualquer informação para chegar lá precisa ser checada por outras pessoas”. Quem afirma é Vicente Aguiar, que se formou doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia, em 2016, defendendo uma tese sobre o trabalho dos wikipedistas. Para ele, o site faz um trabalho muito importante de compartilhar o conhecimento de forma gratuita: “É o maior recurso educacional aberto do mundo”, completa.

Ao acumularem verificações, os editores vão se tornando wikipedistas mais confiáveis e podem chegar ao ponto de não precisarem ter suas alterações checadas por outros. Os voluntários são divididos em algumas tarefas como autorrevisores, reversores, eliminadores e administradores. Qualquer pessoa pode fazer parte da comunidade, basta só ser munido de informações de qualidade. 

Foi sob a perspectiva de uma teoria econômica, que Vicente Aguiar procurou explicar em sua tese o porquê dos voluntários se engajarem com a Wikipédia. “A economia da dádiva vai de encontro com a ideia de que o ser humano não trabalha de graça, na verdade, essa é uma noção muito recente do capitalismo”, explica. Para Vicente, o que move os wikipedistas é principalmente a necessidade de vínculo, que nesse caso forma uma comunidade com um propósito em comum: divulgar o conhecimento.

A confiabilidade do site também é defendida pelo professor de ecologia da Universidade Estadual de Santa Cruz Valério Melo, que incentiva seus alunos a editarem verbetes sobre os animais que estudam na sala de aula. Um exemplo é o rola-bosta-africano, o artigo com informações sobre o inseto é bem completo e possui mais de 20 referências, sendo algumas delas de alunos do professor. “A Wikipédia é confiável, mas, como tudo na vida, exige responsabilidade, é sempre preciso checar se as referências são confiáveis”, afirma.

Membros do Wiki Movimento Brasil se encontram com wikipedistas do Reino Unido em 2013
Membros do Wiki Movimento Brasil se encontram com wikipedistas do Reino Unido em 2013

Nova burocracia
Foi pensando tanto na confiabilidade da Wikipédia, como em diminuir o vandalismo, que no final do ano passado foi realizada uma mudança na liberdade de edição do site. Com a aprovação de 169 dos 249 colaboradores, quem deseja contribuir com um artigo na Wikipédia lusófona é agora direcionado para uma página em que é pedido o cadastramento do usuário, com login e senha. 

O que muda na prática é que as edições podem ser rastreadas através desse login e não só pelo endereço de IP, número de identificação do aparelho utilizado. A Wikipédia em português, por enquanto, é a única que colocou em prática a burocracia.

Para Alberto Vasconcelos, que abriu a votação sobre o tema no ano passado, a medida tem a vantagem de melhorar a comunicação e o rastreamento, uma vez que os wikipedistas podem visualizar o histórico de edições dos usuários. “Se o editor vê que uma determinada pessoa publicou informações sem fonte, pode verificar se as outras contribuições desse usuário também estão assim e enviar uma mensagem” – o que só acontece se o usuário for logado. 

Foi assim inclusive que Alberto, que hoje tem status de administrador, entrou de vez no universo da Wikipédia: editou um artigo sobre rodovias da Bahia sem usar fonte e recebeu mensagem de um editor. Já para o professor Valério, que é voluntário desde 2014, o grande mérito da nova restrição é criar uma dificuldade para os constantes vandalismos – que acontecem de diversas formas, desde declarações de amor até fotos de órgãos genitais. 

Valério Melo conta que entre os wikipedistas existe um grupo conhecido como “escravos de vândalos”, são eles que gastam horas revertendo vandalismos nos artigos. “Essas pessoas agora podem contribuir de maneira mais interessante do que só ficar combatendo infratores”, afirma. A impressão do professor é que em pouco mais de 5 meses de restrição, o vandalismo diminuiu. 

Mas a comunidade internacional de wikipedistas não vê com bons olhos a burocracia criada pela Wikipédia lusófona. De acordo com Valério, eles acreditam que a restrição vai de encontro com um dos 5 pilares do site: o da licença livre. É fato que o impedimento de edição para “qualquer um”, como diz a Wikipédia em seu lema, é recente e por isso ainda deve ser observada pelos outros países. “Está todo mundo esperando para ver no que vai dar”, afirma o administrador Alberto Vasconcelos.

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