Vassouras Vaslone: não voam como as de Harry Potter, mas levam às alturas o sonho de um empreendedor
Em Capela do Alto Alegre, fábrica de vassouras é sinônimo de coragem
Por Ruan Amorim
Em uma terça-feira de junho, às 4h30, os galos do vizinho de Erenildo Araujo, 40, já haviam começado a cantar. Ele já estava acordado e super atento com as atividades que teria que realizar nesse dia: pegar sua moto e uni-la ao reboque, em que carrega suas vassouras quando vai fazer entrega em supermercados na cidade que vive, Capela do Alto Alegre, no nordeste da Bahia, e em cidades circunvizinhas. Nesse dia, viajar para longe era o motivo de acordar com o cacarejar dos galos.
As entregas seriam feitas nas cidades de São Domingos, Retiro, Barreiros e Nova Fátima. O percurso seria longo e a carga pesada demais para uma motocicleta. No reboque, carregava 15 dúzias de vassouras piaçavas juntas a algumas pás e vassouras de pêlos. Às 19h, ele estava de volta a sua casa, cansado, mas disposto a participar da entrevista que tinha combinado comigo. “Opa, Ruan, vou tomar um banho rapidinho e já volto para conversarmos. O dia hoje foi puxado”, desabafou.
Pegar no batente nunca foi problema para Erenildo. Desde novo já trabalhava muito e sonhava em ter seu próprio empreendimento. Até conseguir criar a Vaslone, fábrica de vassouras que tem hoje, percorreu muito chão. “Na adolescência eu tive a oportunidade de trabalhar em uma fábrica de vassouras, onde adquiri experiência para a produção. A empresa fechou, daí comecei a produzir blocos de cimento e barro. Também fui camelô, pedreiro e muitas outras coisas”, conta. Apesar de passar por tantos ofícios, o rapaz tinha certeza do que nasceu para fazer: empreender.
O que Erenildo não sabia era que o sonho de ser um empreendedor vigoraria no momento mais atípico e caótico do século XXI: a pandemia mundial da covid-19. Ele até tentou criar uma fábrica de vassouras antes, em 2003, aos 22 anos, mas não deu certo. Faltou apoio da família; recepção do mercado e matéria prima na cidade. “Quando falei para minha família que queria colocar a fábrica em Capela, fui chamado até de louco, principalmente por nossa região, o nordeste, não ter, em abundância, os materiais para produção”. Assim mesmo, Erenildo investiu no sonho e produziu vassouras, mas nenhum comerciante local quis comprar.
Diante da falta de incentivo e muitos “não”, em 2017, ele, enfim, conseguiu colocar sua fábrica em um pequeno prédio que havia comprado. Mas, nesse período, tinha outra ocupação, trabalhava fazendo cisternas em diversas cidades da Bahia. Em 2020, já na pandemia, decidiu concentrar-se apenas na produção e comercialização de vassouras. A decisão tinha um porquê.
“Nesse período atípico, por causa do isolamento social, houve uma procura maior por produtos de limpeza. Muita gente estava em casa e, por isso, o uso de utensílios para auxiliar na higiene do lar aumentou muito. A partir disso, a Vaslone passou a ter uma grande demanda de produção e eu sabia que era o momento certo de me engajar nela”.
Hoje, a Vaslone abastece supermercados de 11 cidades. O início foi difícil, quando Erenildo entrou, de fato, nesse ramo, ele precisou pegar R$500 emprestado com o seu irmão. Comprou um pouco de material: cepos, cabos, piaçavas e produziu as vassouras. Vender, ele não vendeu. Saiu distribuindo em comércios para mostrar o produto e não se arrepende disso. Agora, mais do que nunca, o empreendedor entende o valor da persistência, da qual os bons resultados têm saído.
Embora o empreendimento de Erenildo tenha conseguido superar um dos seus principais obstáculos: conquistar o mercado local e adjacências, novas dificuldades surgiram e se reinventar foi preciso. Em meio à pandemia, a “Casa das Vassouras”, empresa de Feira de Santana, que fornecia os insumos para a produção da mercadoria, não tinha mais o material. “Eu comprei uma máquina para produzir os cabos, mas não tinha madeira para isso. A empresa que me fornecia trazia do Pará, o jeito então foi procurar aqui na região mesmo. Encontrei a madeira Ninho e continuei a produzir”, explica.
Os problemas atravessam o processo de produção e chegam na logística. Com apenas uma motocicleta, Erenildo não consegue fazer as entregas nos municípios vizinhos sem passar por algum estresse. “A moto sempre quebra por causa do peso da carga, tem dias que dou duas ou três viagens em apenas uma cidade, pois não tem como levar tudo de uma vez”. Sem condições financeiras para comprar um carro, ele encara o desafio cansativo, muitas das vezes diário. “A gente vai levando, sinto que minha fábrica vai crescer muito e eu terei meu carrinho”.
Coragem é a palavra que representa a Vaslone, pode parecer um empreendimento simples para quem a visualiza do lado de fora do pequeno prédio que sedia a fábrica. Lá, quase não tem espaço para as máquinas essenciais à produção de vassouras, mas tem muito sentimento, história de resistência e nada fora da normalidade. As vassouras não voam como as de Harry Potter, mas levam às alturas o sonho de um empreendedor.
Parabéns à Vaslone, e também ao contador da história.