Conheça Aly Muritiba: cineasta baiano indicado ao Oscar 2022
Do trabalho na prisão ao audiovisual, Aly Muritiba tem conquistado o cinema nacional e premiações internacionais.
Por: Inara Almeida
Foi aos 17 anos, no final dos anos 90, que Alysson tomou um rumo comum aos jovens de sua geração que vieram do interior da Bahia: mudou-se para São Paulo. Nascido em Mairi, ele foi atrás das oportunidades que a sua cidade natal não oferecia e, aos 21, ingressou no curso de História da USP. O até então graduando em história não imaginava e nem sequer almejava a ideia de trabalhar com audiovisual (e confessou, em tom divertido, que nem sabia que filmes eram dirigidos, àquela altura!).
Mas no dia 03 de outubro de 2021, data em que falou com a Agenda, Alysson já era Aly Muritiba, cineasta com produções nos principais streamings e TV, premiado nacional e internacionalmente e, uma semana depois, representante brasileiro no Oscar 2022 com o longa Deserto Particular. Os caminhos que levaram Aly Muritiba até a produção audiovisual foram improváveis, mas certeiros. O cineasta está entre os principais nomes do cinema nacional e segue representando o Brasil em diversas premiações no exterior.
Caminho para o sucesso
Apesar de ter ido “ganhar a vida” em São Paulo, foi em Curitiba, onde vive até hoje, que sua história com o cinema iniciou, mas não imediatamente. Aly Muritiba foi para a capital do Paraná em 2006 acompanhando sua ex-esposa e, para ajudar a pagar as contas, tornou-se agente penitenciário. Em 2007, resolveu fazer uma segunda graduação e investiu no curso de cinema de forma despretensiosa.
“Fui estudar cinema muito mais como curioso, como alguém que tava a fim de aprender algo novo do que como alguém que quisesse fazer cinema- eu nunca quis fazer cinema. Não sabia que isso iria acontecer comigo, que eu iria dirigir filmes”, contou.
Depois de alguns anos conciliando a rotina de professor de história pela manhã, estudante de cinema a tarde e agente penitenciário a noite, em 2013 as coisas começaram a mudar. A produtora Grafo Audiovisual, criada por Aly Muritiba e dois sócios em 2007, começou a gerar resultados mais estáveis e Alysson se deu conta de que as pessoas estavam consumindo e gostando dos filmes que ele produzia.
O sucesso absoluto do seu curta A Fábrica, que percorreu todos os continentes e traz o universo prisional como temática, também foi de grande impulso para a projeção de Aly Muritiba. Até então, as pessoas não sabiam da ligação do cineasta com o sistema de segurança pública por opção do mesmo, que temia o preconceito e prezava pela própria segurança. Apesar de manter a discrição em relação a sua outra profissão, Alysson percebeu que seria interessante trazer para o cinema uma realidade que conhecia tão bem.
“Me dei conta de que, trabalhando na cadeia, eu tinha um acesso privilegiado a um lugar e a um tipo social e, pelo meu “background” em história, eu conseguia enxergar como o sistema funcionava. Achei que seria interessante juntar esse acesso que eu tinha com o conhecimento de história e mais o que estava adquirindo na faculdade de cinema.”, afirma o cineasta.
Prestes a abandonar o trabalho na cadeia, Aly Muritiba fez mais duas produções sobre o sistema prisional, o curta “O Pátio” e o documentário “Agente”, e ambos rodaram muitos festivais importantes e foram premiados dentro e fora do Brasil. Foi nesse momento, depois de constatar o sucesso de suas obras, que Alysson passou a enxergar o cinema como uma possibilidade. Ao final das contas, suas trajetórias anteriores, por mais incompatíveis que parecessem, o levariam a um destino de grande sucesso.
Deserto Particular e o cinema na atual conjuntura
Agora, Aly Muritiba está colhendo todo o bônus do seu mais novo filme, Deserto Particular, que estreou na Itália, já conquistou uma premiação no Festival de Veneza e tem previsão para chegar ao Brasil em novembro. O longa conta a história de Daniel, um ex policial que leva uma vida infeliz e decide partir para o sertão baiano em busca de uma mulher com quem se relaciona virtualmente. O filme é protagonizado por Antônio Saboia, que compõe o elenco de Bacurau, e representará o Brasil no Oscar 2022.
Quando questionado sobre o que o levou a produzir uma história de amor, Aly Muritiba contou que já há um tempo vem se debruçando sobre masculinidade em seus trabalhos e, dessa vez, resolveu trazer uma perspectiva mais acolhedora. “Meu 1º longa metragem de ficção, Para Minha Amada Morta e o longa seguinte, Ferrugem, são filmes que, de maneiras distintas, tentam entender um pouco o comportamento masculino heteronormativo no Brasil contemporâneo.São protagonizados por homens, que tem questões com o como eles demonstram afetos e se relacionam com as mulheres e Deserto Particular é uma extensão disso – como um 3º filme dessa trilogia.”, diz o diretor do longa.
Aly Muritiba ressalta que a escolha do sertão baiano para compor o cenário do filme não foi aleatória, e sim uma preferência dele, que já desejava se reencontrar com o estado natal nessa esfera criativa e cinematográfica. Ao revelar que seu ciclo em Curitiba já está chegando ao fim, o baiano não deixou de pontuar a falta que sente de dias quentes e ensolarados – o que o faz cogitar, quem sabe, um possível retorno à Bahia.
Mesmo ainda aproveitando os bons frutos de Deserto Particular, Aly Muritiba já está trabalhando em outro projeto, uma série para a Amazon Prime, filmada no nordeste brasileiro. O cineasta, que deixou a Grafo Audiovisual em 2020, está focado em projetos de streamings e TV para outras produtoras, portanto, julgou não fazer mais sentido continuar na Grafo e optou por entregar a sua parte para um dos sócios.
O cineasta não pôde concluir a conversa sem reiterar o quão difícil tem sido fazer cinema nos tempos atuais. O baiano, que se posiciona contra o atual governo abertamente, avalia que a pandemia não é o principal problema em relação à situação da cultura no Brasil.
“Nós, fazedores de cultura, estamos tentando sobreviver até 2023, porque esse governo vai sair e as coisas voltarão a ser melhores. Mas muita gente teve que parar de trabalhar por causa do sucateamento (..) tá difícil, mas vai passar!”, diz.
Aly Muritiba, muito ativo politicamente, afirma que não se furta, enquanto cidadão, de participar de movimentos políticos, mas negou interesse em produzir algo nesse sentido quando questionado. “ O que foi feito por José Padilha na Netflix, O Mecanismo, é uma prova mais que cabal que é preciso ter muito cuidado e responsabilidade para falar sobre determinados temas e assuntos quando a gente tá no meio desses temas e assuntos, para não ter que passar vergonha pública depois.”, finaliza.
Fotografia em destaque: Aly Muritiba pelas lentes de Isabella Lanave pra Vogue.