Desafios e avanços na academia: Uma conversa com a professora Ohana Boy sobre a representatividade negra nas universidades
Por: Gleisi Silva
Ohana Boy Oliveira é uma voz fundamental na academia brasileira, especialmente no campo da comunicação, com um foco especial nas questões raciais e na descolonização do saber. Como professora adjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ohana defende a ampliação do acesso de pessoas negras à universidade, além de se destacar como uma das poucas professoras negras da instituição.
Sua formação acadêmica foi um percurso desafiador: graduada em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde estudou entre 2007 e 2011, Ohana iniciou sua carreira no mercado de trabalho, mas decidiu, em 2013, retornar ao ambiente acadêmico, ingressando no Mestrado de Cultura e Territorialidades, também na UFF. Durante o mestrado, fez estágio docente e descobriu sua vocação para o ensino. Esse processo levou a decisão pelo doutorado em Comunicação, concluído em 2020, com uma pesquisa que analisa as dimensões da colonialidade do saber.
Em sua trajetória, Ohana se inspirou nas palavras de Conceição Evaristo: “O importante não é ser o primeiro ou primeiro, o importante é abrir caminhos.” Ela acredita que sua presença na academia vai além de uma conquista pessoal — é um convite para que mais pessoas negras ocupem esse espaço. Suas pesquisas, que abordam a intersecção entre raça, gênero e classe, mostram sua dedicação em transformar o ensino superior em um ambiente mais inclusivo e representativo.
Nesta entrevista, Ohana reflete sobre os desafios que enfrentaram e os avanços que consideram essenciais para a permanência e ascensão de professores e alunos negros na universidade.
Agenda, Arte e Cultura: Como é ser uma professora negra em uma instituição pública de ensino superior como a UFBA? Quais desafios e conquistas essa posição trouxe para você?
Ohana Boy: É bem interessante pensar nisso. O país onde a gente vive é muito difícil falar sobre relações étnico-raciais, porque não é um fator dado. Cada pessoa negra tem sua própria construção de identidade para entender, não somente a partir do fenótipo, mas também o entendimento cultural e das referências. Enfim, um país que é tão racista como o Brasil se identificar como uma pessoa negra já é um grande desafio. Para mim, é uma alegria muito grande ser professora em uma universidade, fico sempre receosa desse título de ser a primeira professora negra desta unidade, no entanto sinto também uma responsabilidade muito grande por justamente não termos muitas professoras negras aqui. Quando cheguei, fui muito bem recebida, fiquei muito feliz. Primeiro porque eu estava realizando um grande sonho profissional, que não é só meu, mas de várias pessoas: ser servidora pública. Acho que isso é muito importante também. Sou professora, sou docente, mas também sou servidora pública, fiz concurso público para estar aqui. Em um país com tanta desigualdade, com pessoas que não têm emprego ou direitos trabalhistas, isso é uma grande vitória. E também, seguir uma carreira acadêmica é algo significativo. Se pensarmos na população do nosso país, que é majoritariamente negra, mas se formos olhar quem consegue seguir uma carreira acadêmica, fazer graduação, mestrado e doutorado é uma quantidade muito pequena.
A.A.C: Em que aspectos você acredita que sua representatividade influencia os alunos, especialmente os negros? Inclusive no que tange aos estudantes que querem você como orientadora do TCC?
O.B: Eu fico lisonjeada de ser uma pessoa muito procurada para debater alguns temas. Pensar a representatividade é fundamental num país como o nosso, que enfrenta tantas desigualdades. Acho que essa procura tem a ver, não só pela representatividade do fenótipo, ser uma professora negra, mas também com o fato de ser uma professora negra que discute gênero, raça e classe, e que também busca esse caminho da descolonização do pensamento. Isso talvez seja um dos fatores mais significativos dessa procura, porque nas disciplinas que ministro, nos debates que fazem na sala de aula, a gente fala que representatividade é importante, mas não é o único fator relevante para considerar uma prática de ensino. Precisamos de mais professores e professoras negras que pensem essas temáticas que são fundadoras da nossa sociedade. Enquanto houver racismo, sexismo, desigualdade social, teremos que debater esses temas. Isso tem a ver com a procura que tenho recebido, tanto que a maioria das orientações que eu aceito tem alguma preocupação com gênero, raça e classe nas pesquisas e nas monografias, nos produtos que são desenvolvidos.
A.A.C: Quais mudanças você considera essenciais na estrutura universitária para apoiar professores e, sobre tudo os alunos negros?
O.B: Olha, são várias. Acho que as ações afirmativas seriam a primeira resposta, que é muito importante ter uma política pública que amplie a quantidade de pessoas negras acessando a universidade, e não apenas os estudantes, mas também os professores, professoras e técnicos. Já temos legislação no país sobre isso, e a luta continua sendo grande para que essa legislação seja aplicada da maneira correta, porque vemos muita violação de direito no que diz respeito às cotas. Recentemente, houve discussões sobre isso e precisamos pensar além. Não é fácil estar na universidade, mas também é difícil permanecer, então, políticas de permanência são fundamentais. Para isso, é necessário investimento em educação, ter verba para ampliar os serviços que são fundamentais para que as pessoas estudem, como o restaurante universitário, as políticas de transporte, entre outros. Não é só o fato de chegar na universidade, estudar e ir embora. Precisamos pensar como as pessoas chegam na universidade? Aqui, temos vários serviços, como o BUZUFBA, o restaurante universitário, serviços que são importantes que precisam ser ampliados para chegar a outras regiões da cidade, para que atendam mais pessoas.
A.A.C: Um conselho aos jovens que têm interesse em seguir uma carreira acadêmica, especialmente na área de comunicação?
O.B: Acho que é fundamental fomentar esse pensamento da universidade porque é muito triste ver que muitas pessoas estão na universidade e não percebem que esse espaço é nosso por direito. Então, é muito importante que cada vez mais pessoas sigam essa carreira acadêmica, para que se vejam como professores e professoras, como pesquisadores e pesquisadoras. E que esse lugar da intelectualidade não seja para fazer uma distinção entre as pessoas na sociedade. Então é muito importante a gente rever a história desse país que é fundada na violência, na escravidão, para que possa de alguma forma reescrever essa história. Eu acho que a universidade é um dos caminhos para reescrever essa história. Um espaço nosso por direito e precisa ser ocupado cada vez mais por pessoas negras, que fazem parte da população majoritária. Mesmo em 2024, ainda continuamos nessa luta, que é muito necessária e importante, mas também cansativa, né? Então, quanto mais pessoas se juntarem a essa causa, mais importante será, até para diversificar a forma como as disciplinas são ministradas, os autores e autoras que lemos. Por isso que falei sobre a representatividade não é apenas uma palavra. A relação que estabelecemos com a representação é muito importante e também nas nossas referências. Então que a gente possa ter mais diversidade também na forma de sala de aula que a gente tem, na forma de, das referências e autoras, ler mais autoras mulheres, mais autores indígenas, por exemplo. Parece que determinadas causas que defendemos são vistas como identitárias, como se a categoria do homem universal, criado historicamente — o homem branco, cisgênero, heterossexual — não fosse uma identidade, uma das predominantes na sociedade em que vivemos. Então continuamos lutando pelo mínimo: Dignidade, direitos. E eu acho que a universidade passa muito por esse lugar.