Longa Jornada Noite Adentro: o teatro vivo dentro da UFBA
Em empreendimento inédito, a Companhia de Teatro da UFBA encenou a obra de O’Neill, que foca um dia de uma família ‘disfuncional’, quando vêm à tona dores, frustrações e ressentimentos
*Por Rayssa Guedes
“…Alguma coisa de que sinto uma falta terrível! Lembro-me de que quando a tinha nunca me sentia só nem assustada. Não a posso ter perdido para sempre! Se pensasse isso, eu morreria! Porque então não haveria mais esperança!”. A obra Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O´Neill, foi escrita em 1941 e deixada guardada. O autor não montou a peça enquanto as pessoas que deram origem aos personagens estavam vivos: ele e sua própria família.
A peça representa de maneira trágica a história da família de O´Neill – na trama, a família Tyrone -, como se exorcizasse demônios do próprio autor nos diálogos de algumas vivências familiares. Longa Jornada Noite Adentro mostra um dia na vida da família. Quatro pessoas: pai, mãe, dois filhos, a empregada. A peça leva ao palco uma família desajustada: a mãe – representada pela atriz Joana Schnitman – é viciada em morfina, o pai –papel de Antônio Fábio – se afunda no álcool depois de perceber que não é mais um ator respeitável, pois, por dinheiro, aceitou anos a fio encenar uma montagem de apelo popular. Tornou-se um homem de posses, porém manteve-se na avareza. O filho mais velho – interpretado por Wanderley Meira – é emocionalmente instável e tem ciúme do irmão mais novo, e este – personagem de Vinicius Martins – tenta escapar dos problemas familiares como poeta e escritor, mas é vitima da tuberculose: personagem que representa o próprio O’Neill. Trazendo um contraponto de leveza e graça ao drama, a atriz Patrícia Oliveira faz a criada da família.
Um dos grandes nomes do teatro norte norte-americano e uma das maiores expressões dessa arte no século 20, o dramaturgo Eugene O’Neill (1888-1953) ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1936 e também foi vencedor do Prêmio Pulitzer. O´Neill fez parte de uma segunda geração de dramaturgos modernos e pôde aproveitar as técnicas da sua vanguarda e usá-las em peças menos radicais. Com seu temperamento romântico, o dramaturgo fez uma grande mistura que causa, no mínimo, confusão – tanto em que lê quanto em que assiste a sua peça.
O’Neill na UFBA A Companhia de Teatro da UFBA, em empreendimento inédito encenou Longa Jornada Noite Adentro, que foca um dia desta família ‘disfuncional’, em que vêm à tona as dores, as frustrações e os ressentimentos dos personagens. A peça foi dirigida por um dos maiores nomes do teatro baiano, o diretor, ator e professor aposentado da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia Harildo Déda, 51 anos de palco (com mais de 70 peças no currículo).
Neste ano, a Companhia foi contemplada pelo Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI 2012-2016), com apoio financeiro para realizar seus espetáculos. Longa Jornada Noite Adentro já é a sua segunda montagem este ano. O cenário e a iluminação são de Eduardo Tudella, com figurinos e a caracterização de personagens propostos por Claudete Eloy, ambos professores da Escola de Teatro da UFBA.
Em atividade há 32 anos, a Companhia de Teatro da UFBA realiza produções de espetáculos de dramaturgia contemporânea universal em paralelo com os clássicos, através de releituras. O tempo, a tradição e o contemporâneo são as premissas que se fundem e tornam o Teatro da UFBA singular, tanto para a comunidade acadêmica quanto para a Bahia.
De 22 de novembro até 15 de dezembro, todos os finais de semana, às 19h30, no Teatro Martim Gonçalves – UFBA, Harildo Déda e companhia trouxeram para o palco e para seus espectadores a história tensa, claustrofóbica e de vícios de cada personagem que se repetem à exaustão, com se quisessem nos cansar. Fizeram com que, na verdade, o espectador não conseguisse passar ileso por nenhuma daquelas pessoas, seja por se sentir perturbado, descrente, ou mesmo confuso. Todos os quatro personagens principais, de um jeito ou de outro, são maus com os outros. Porém é impossível que não se sinta uma certa tristeza também por saber que aquele sofrimento todo é involuntário, despretensioso. No fundo, O’Neill e a Companhia de Teatro da UFBA trouxeram para o palco uma peça romântica – e com grande carga de tristeza. O que talvez ajude a explicar o seu sucesso, de tocar nas emoções de todos.
Teatro Martim Gonçalves A história do teatro baiano pode ser delimitada pelo antes e depois da criação da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (1956). O trabalho de Martim Gonçalves com o grupo a Barca (1956-1963) renovou a cena teatral com uma política de intercâmbio que transformou a escola numa referência para o ensaio de teatro na América Latina e, atualmente, mantém intercâmbio com instituições em âmbito internacional.
Cerca de 20 espetáculos são montados anualmente por professores, alunos e artistas convidados. Nos últimos anos a Escola de Teatro tem recebido nota máxima (seis) na avaliação realizada pela CAPES, em sua Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado); assim como nota máxima (cinco) e seus cursos de Graduação, revelando-se como um centro de referência da arte teatral no Brasil.