Espetáculo Troilus e Créssida religa o teatro baiano

A peça “Troilus e Créssida”, de Shakespeare, estreia no Teatro Vila Velha. A produção é resultado do vigésimo oitavo Curso Livre de Teatro da UFBA, coordenada por Deolinda Vilhena. 

*Por Gustavo Salgado

O XXVIII Curso Livre de Teatro da UFBA traz a Salvador em janeiro uma peça shakespeariana contemporânea que retrata o amor em tempos de uma sociedade desestruturada, e através da obra religa os dois maiores polos de formação de atores baianos: o Teatro Vila Velha e a Escola de Teatro da UFBA. Com estreia na última quinta-feira, 09, o espetáculo Tróilus e Créssida segue em cartaz até dia 26 de janeiro no Vila e marca a conclusão de uma nova leva de atores baianos.

Antes mesmo de presenciar a estreia, a reportagem da Agenda Arte e Cultura se deparou com o clima onírico que pairava na sala principal do Teatro Vila Velha e foi surpreendida. “Paris é sempre Paris, enquanto Berlim nunca é Berlim”, afirmou certa vez o ex-ministro francês da cultura, Jack Lang, sobre o perfil culturalmente pulsante e em constante transformação da capital alemã. A essência da frase se aplica ao teatro que vive no coração da soterópolis: o Vila nunca é o Vila. Isso não é novidade, e ainda assim Márcio Meirelles, encenador da peça de formatura da XXVIII turma do Curso Livre de Teatro da UFBA, reinventa a sala principal desse espaço que é seu velho companheiro.

Meirelles, que chegou a cursar Arquitetura, dialoga com diversas linguagens artísticas e as converge através do teatro. A Agenda acompanhou, na terça-feira 7, o ensaio de iluminação da peça. A fotografia de cena lembra uma pintura barroca com seu jogo de contrastes entre claro e escuro e a preocupação com a iluminação indireta.

O foco da luz recai, por vezes, diretamente nos atores, mas o destaque é a luz parcial, utilizada como recurso estético de linguagem que sugere o mistério, o implícito, a fuga do óbvio – além de ressaltar de maneira não vulgar os corpos seminus dos atores, a sensualidade não apelativa.

Mas as semelhanças com o período da Renascença (renascimento do clássico greco-romano) param por aí. Troilus e Créssida é uma peça de autoria de William Shakespeare e foi mantida fiel ao seu roteiro original, mas com o seu caráter atemporal retrata um contexto contemporâneo.

A encenação da guerra travada entre Tróia e Grécia já representou realmente o conflito entre gregos e troianos, assim como também retratou a batalha entre Espanha e Inglaterra quando Shakespeare elaborou a peça em cartaz no Vila, aponta Márcio Meirelles. Hoje essa guerra representa um conflito nacional interno, uma sociedade caótica e desestruturada.

É essa história do presente que leva o público baiano, habituado por convenção velada a peças de 50 minutos, a assistir um espetáculo de aproximadamente duas horas e meia de duração em uma época em que basicamente blockbusters hollywoodianos prendem a atenção por tanto tempo.

A escolha de Shakespeare na íntegra foi uma decisão defendida pela profª. Drª. Deolinda Vilhena, coordenadora do Curso Livre de Teatro da UFBA. “Se é para adaptar Shakespeare, antes não escolhê-lo”, argumenta Deolinda. E quando questionado quanto à opção pelo dramaturgo inglês, Meirelles respondeu que “simplesmente porque ele é o melhor”.

O Curso Livre de Teatro da UFBA, programa de extensão da instituição, teve a maioria das suas aulas-ensaios realizadas no próprio Teatro Vila Velha que realizou uma parceria profunda com a Escola de Teatro da UFBA. Esse estreitamento dos laços entre as duas instituições, em plena comemoração dos 50 anos do Vila, representa a religação entre elas. Afinal, o Vila Velha surgiu a partir da ruptura de seis alunos, tendo Sonia Robatto como pivô, da primeira turma da Escola de Teatro antes de suas formaturas.

E é a própria Sonia Robatto, Madrinha dessa edição do Curso Livre, que lembra a frase proferida por Gilberto Gil durante um show no próprio Vila: “o Vila é a pia batismal dos artistas baianos”.

Mesmo com tudo favorável à estreia dos atores formandos, Deolinda buscou sempre ensiná-los a serem autônomos enquanto artistas, a saberem gerir suas carreiras para além de atuar. A valorização e remuneração da arte foi uma das bandeiras defendidas pela campanha “de graça não tem graça” (frase que virou até fala do personagem Pandarus).

Ao fim do espetáculo, Meirelles defende que o teatro tem que depender do público, não de editais do estado e do financiamento de patrocinadores, para ter a liberdade de falar o que quiser e ter maior autonomia.