A solidão no Paraíso pré-Eva é encenada no Palacete das Artes
Por João Bertonie
Pero Vaz de Caminha, Dom Pedro, Napoleão Bonaparte, Adão. Todos os quatro são homens definidores, responsáveis por criações de rótulos e definições que até hoje permanecem e são dificilmente contestados. Este último, foi posto como um homem comum, solitário e sem mais tantas responsabilidades no espetáculo “Adão”, cuja estreia ocorreu na última quinta-feira, 02, no Palacete das Artes Rodin Bahia.
Tentar reduzir o espetáculo a uma sinopse usual seria uma tarefa, no mínimo, ingrata. Sem um eixo narrativo clássico, as cenas de “Adão” transmitiam sensações diversas. Ao conversar com pessoas do público, os termos “choque”, “forte”, “fascínio” e “loucura” foram ouvidos. A plateia, formada majoritariamente por rostos jovens de universitários, reagia assustada e instigada às cenas com maior apelo estético. Um exemplo foi o momento em que o ator Heron Sena, em movimentos mecânicos, simulava seu próprio “nascimento”, enquanto o polêmico embate entre os candidatos à presidência, Levy Fidélix e Luciana Genro, no debate da Rede Record, era escutado ao fundo.
Ambientado em uma espécie de “não-lugar tecnológico”, segundo as palavras do diretor Georgenes Isaac, a peça contava com um corpo de quatro atores, todos servindo para recriar as experiências e angústias de um Adão revisitado. Numa cena aterradora, um dos atores, todo pintado de azul, gritava inconsolável e logo em seguida se jogada repetidas vezes no chão molhado que servia de palco, numa provável representação da solidão no Paraíso pré-Eva.
NOVA GÊNESE
Segunda parte da Trilogia da Nova Gênese, dirigida por Georgenes e iniciada com “Lady Lilith”, em dezembro do ano passado, “Adão” segue um estilo narrativo semelhante ao do espetáculo anterior. Na investigação dos quatro momentos da vida do primeiro homem – o nascimento, a classificação do mundo, a solidão e o nascimento de Eva -, a apresentação é mais uma experiência sensorial do que uma peça de teatro propriamente dita. O destaque da criação de Isaac reside justamente nesse aspecto: o diretor, recém formado pela Universidade Federal da Bahia, através do uso da tecnologia, busca causar emoções e reflexões numa performance sem diálogos, mas com muita informação.
Esse excesso de informação foi o que levou o estudante do bacharelado interdisciplinar em humanidades, Eduardo Bastos, 18, a dizer que iria de novo ao Palacete das Artes no dia seguinte ao da estreia. Em uma conversa posterior, ele disse que realmente o fez. O estudante, que já tinha assistido “Lady Lilith”, afirmou ter notado o crescimento do diretor e dos atores neste novo espetáculo. “A peça, em cada signo, apresenta muita coisa. Você tem que prestar atenção para captar tudo”, acrescenta Eduardo.
A estudante de interpretação teatral, Ana Scheidegger, 19, também estava emocionada ao fim da apresentação. “Você não sabe direito o que os atores estão sentindo, mas você sente a mesma coisa”, tentava explicar, enquanto gesticulava agitadamente. Ana também tinha visto o primeiro espetáculo da trilogia no ano anterior e afirma ter notado neste uma “energia mais interna”, enquanto em “Lady Lilith” havia certo caos.
Talvez essa diferença entre as duas produções tenha se dado porque Lilith e Adão são forças quase que antagônicas na gênese cristã. A primeira mulher representando o instinto humano e o próprio Adão servindo como o cérebro, é o que diz Georgenes Isaac e acrescenta: “É impossível colocá-los no mesmo cesto, Adão é uma outra energia e um outro caminho.” O diretor começou a pesquisa para “Adão” em fevereiro deste ano, quando começou a identificar figuras na história do mundo que foram colocadas no lugar de homem perfeito. A ideia era, então, “desresponsabilizar” o primeiro dos homens, colocando-o no lugar de homem comum. “A gente tira toda a responsabilidade de Adão e o trás pra cá, pra arena, pra brincar com ele”, conclui Isaac.
“Adão” estreou na última quinta-feira e tem apresentações nos dias 9, 10, 16 e 17 deste mês, às 20 horas, no Palacete de Artes.
Foto: João Bertonie