Fábrica de Sons
MÚSICA Aos 22 anos, Filipe Palma já produziu mais de 30 instrumentos com materiais recicláveis
Catarina Reimão
Todos o conhecem pelos corredores da Escola de Música (Emus) da Ufba. Com o jeito acanhado, Filipe Palma Abreu esconde seus vários talentos. Aluno do 6º semestre do curso de composição, ele dedica a vida à música. Desde a infância, quando foi apresentado à música clássica pelo seu avó, Rodolpho Palma Abreu, o jovem alimenta em si a paixão pelo gênero, que norteia seus passos dentro e fora da academia.
O músico, que além de compositor é flautista, cria e fabrica instrumentos. Inspirado pelas Plásticas Sonoras de Walter Smetak, que era violoncelista, compositor, inventor de instrumentos, escultor e escritor, Filipe valoriza a plasticidade. Utilizando, muitas vezes, materiais recicláveis, como garrafas de plástico e tubos de pvc, o estudante se divide entre criar efeitos sonoros diferenciados e objetos de arte.
Quem o apresentou à obra de Smetak foi sua tia, Márcia Abreu. Artista plástica, é ela quem ajuda o sobrinho com a sua preocupação estética, com o acabamento dos instrumentos. “Ela me apresentou à cabaça, me ensinou a trabalhar com os materiais, como o verniz, o pirógrafo e tudo mais”, conta.
Com nomes criativos como Convite ao Assento, Três Mosqueteiros, Boi D’água, Harmoniosas e Cosme e Damião, grande parte dos instrumentos foram nomeados durante a entrevista.
Um destes foi apelidado, em outra ocasião, por uma funcionária da Emus, Eliane Mensitieri. “O Filipe apareceu lá com um instrumento novo, lindo, eu adorei. Perguntei a ele qual o nome e ele disse que ainda não tinha, me pediu para escolher. Chamei de O Protetor, lembra.
Filipe considera que seus instrumentos são mais apropriados para a produção de efeitos sonoros, já que as notas emitidas por eles são atonais, não tem um ritmo. “O som vem de você, você que faz”, revela. Nos instrumentos de sopro, diferentes sons podem ser obtidos através dos bocais e boquilhas utilizados em sua construção.
Tímido, prefere que não falem dele: “As pessoas não me conhecem aqui, entende?”. Filipe diz isso porque os colegas o conhecem apenas enquanto um músico, mas não têm acesso a todas as suas camadas, nuances, tons. O artista também desenha e teve suas obras expostas recentemente na Escola de Belas Artes da Ufba.
Filhos de Smetak
No contexto da descoberta universitária de inúmeras possibilidades de atuação no mundo da música, surgiu a amizade com Tuzé de Abreu, que se considera filho de Smetak. O músico, que é professor de cursos de extensão na Emus, tocou com o suíço durante dez anos. “Chamo a minha geração, ligada diretamente a Smetak, de filhos de Smetak. Depois surgiu uma geração de netos e amigos”, conta.
O encontro dessas duas gerações que se inspiram em Smetak aconteceu em uma das apresentações promovidas pela Escola durante a comemoração de seu centenário. “Estávamos no Solar do Ferrão, fazendo uma improvisação coletiva e Filipe chegou com uma flauta. Ficou atrás tocando umas músicas bem tonais. Quando eu falei com ele, ele parou na hora, entendeu e começou a nos acompanhar”, lembra.
Filipe explica que esse foi o seu primeiro contato com Tuzé, quando o músico reclamou e ambos se entenderam com poucas palavras. No evento seguinte da Emus, que aconteceu na Reitoria da universidade, Filipe foi convidado para tocar com uma de suas criações.
Sobre as particularidades comuns a esses artistas está a inquietude. “O Filipe ainda está em busca. O Smetak era inquieto, mas sabia o que queria e era ligado à eubiose. Eu não sei o que era mas sei que ele certamente sabia”, conta Tuzé. Nas palavras dele, Smetak nunca fez uma coisa aleatória e é isso que ele acredita que Filipe ainda vai descobrir dentro de si.
Outro aspecto em comum é o que popularmente se conhece como “ouvido absoluto”, uma memória de som. “Eu descobri que tinha ouvido absoluto quando era criança. Estava sentando no piano do Instituto de Educação Musical (IEM, onde estudou por 10 anos), quando comecei a apertar as teclas e dizer quais notas eram. Chamei a professora e ela me pediu para fechar os olhos, tocou as notas no violão e eu acertei quais eram!”, lembra Filipe.