Política de salvaguarda dos patrimônios imateriais em debate no XI Enecult
Beatriz Bulhões
O simpósio intitulado Dilemas atuais da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no Brasil foi um dos destaques do XI Enecult (Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura) e celebrou os 15 anos do Decreto 3551, que tornou possível o registro de bens imateriais como patrimônios públicos.
No primeiro dia do simpósio, estiveram presentes Jurema Machado, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), Hermano Fabricio Guanaes, membro da diretoria de projetos, obras e restaurações do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), Eugênio Lins, professor de arquitetura e urbanismo na Ufba, Patrícia Reis, coordenadora do setor de cultura da Unesco e Mônica Silvestrin, coordenadora geral de identificação e registro do Iphan.
No segundo dia, os responsáveis pelos debates foram Cecilia Londres, conselheira do conselho consultivo do patrimônio cultural e sócia correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Ihgb), Leticia Viana, doutora em antropologia pela Ufrj, Galdino Souza Oliveira, coordenador geral da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia (Asseba) e Rita Ventura, coordenadora nacional da Associação das Baianas de Acarajé e Mingau (Abam).
A salvaguarda e seus embates
A coordenação da mesa em ambos os dias foi feita por Marcia Sant’anna, professora de arquitetura da Ufba. Durante o segundo dia, o posicionamento de Cecilia Londres incitou discussões sobre o tema em pauta: “A convenção é para salvaguardar, não é pra titular, é para agir”.
Galdino Oliveira e Rita Ventura opinaram sobre a falta de assistência por parte de setores como a prefeitura de Salvador e o governo do estado. Rita exemplificou o assunto com suas dificuldades em conseguir a liberação para o comércio de acarajé por baianas de tradição durante a Copa do Mundo de futebol.
Hoje, ela contou que enfrenta o mesmo problema por conta de um juiz federal que pretende proibir o cozimento de alimentos na praia, dificultando a venda de acarajé nessas áreas: “Eu fui à Brasília, em todas as instâncias, para pedir ajuda, e não recebi ajuda de ninguém”.
Em sua exposição, Hermano Guanaes comentou casos de patrimônios culturais já registrados que enfrentaram dificuldades com órgãos públicos. A exemplo do modo tradicional de fazer queijo de minas, que conflitou com a Anvisa. Outro exemplo é a produção artesanal de cajuína, que é feita com a utilização de diversos tipos de caju, em contraste com a orientação do Sebrae, de que seja usada apenas uma variedade de caju clonado.
“Como política transversal e integrada, a defesa do patrimônio cultural imaterial só será concreta se houver articulação desses diversos ministérios: da agricultura, da pesca, da cultura, do turismo, da educação, de relações exteriores, da justiça, e também das autarquias, a exemplo da Funai e do Ibama”, defendeu ele.
Mônica Silvestrin também comentou a dificuldade de salvaguardar os patrimônios classificados pelo Iphan: “Não é só responsabilidade do Iphan, mas nos afeta diretamente”. Para ela, algumas parcerias devem ser estabelecidas, para garantir a proteção e manutenção da cultura brasileira.
A presidente nacional do Iphan fez uma retrospectiva do órgão em relação aos patrimônios imateriais. “Se, no momento inicial, o patrimônio material esteve à frente, isso deu uma guinada com Aloísio Magalhães (ex-presidente do Iphan), e com a Constituição Federal de 1988”, explicou ela. Jurema ainda contou que dos 314 bens imateriais classificados pela Unesco, 37 deles ficam no Brasil.
Após os dois dias de debate acalorado, todos os presentes confirmaram que ainda há muito o que ser feito para salvaguardar os patrimônios imateriais. O Iphan e o Ipac são eficientes na função de classificação, mas deixam a desejar no quesito proteção. Enquanto novas legislações não surgem, falta o apoio de órgãos maiores. Enquanto houver impasse, quem perde é a cultura.