Vladimir Safatle lança livro sobre sociedade dos afetos com conferência na UFBA
Safatle falou sobre a sociedade dos afetos e as implicações na forma como os indivíduos encaram o medo e as questões político-sociais
Por Yasmin Garrido
Em seu mais novo livro “O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo”, lançado na última segunda-feira (02/04), na reitoria da Ufba, o professor Vladimir Safatle falou sobre medos, esperança e desamparos, afetos políticos que fazem parte da sociedade atual. Segundo o autor, o congestionamento político de ideias e opiniões pode levar, ao mesmo tempo, à paralisia a à libertação dos indivíduos.
Safatle considera as sociedades como circuitos de circulação de afetos. “A política, como parte do corpo social, é uma expressão do que eu sou capaz de sentir e do que eu não sou capaz de sentir, do que eu sou capaz de perceber e do que eu não sou capaz de perceber, do que eu sou capaz de ver e do que eu não sou capaz de ver. Quem controla o que é visto, o regime de visibilidade, o regime de percepção e o regime de sensibilidade, resume a configuração do campo político”, argumenta o autor.
Na perspectiva do autor, a política é, antes de mais nada, um embate a respeito do que os afetos trazem em seu interior. O momento em que o sujeito é afetado representa uma maneira socialmente constituída da sensibilidade. Uma posição política implica na adesão a certa forma de vida, a certa historicidade das experiências.
“A democracia atua como um regime de descorporificação do social, porque toda a experiência autoritária é baseada na constituição do imaginário de um corpo social, orgânico, unificado, unitário, identitário, hierárquico”, diz Safatle. Essa é a ideia de sociedade como um corpo e, por consequência, de campo político como um corpo. Dentro dessa perspectiva, a democracia seria um regime que retira a organicidade do social, descorporificando-o.
Os Estados também representam um corpo social, sendo constituídos pelo medo, na medida que atuam como gestores da segurança total. “Ao mesmo tempo que é culpa da inação do Estado a presença do medo na sociedade, é ele, também, quem dá a segurança, a esperança do combate ao medo, se autodeterminando como o único meio possível de combate a essa situação”, defende o professor Safatle. A esperança equivale à expectativa de um bem social que poderá ocorrer, enquanto o medo é a expectativa de ocorrência de um mal social. Neste sentido, a esperança pode colocar um curto circuito no medo, o que os torna afetos complementares.
Algumas figuras que representam a esperança como afeto social central são bastante conhecidas, sendo uma delas a ideia de utopia, que é o objeto das expectativas de nossas ações. “Uma política baseada na utopia tem duas características essenciais: o esvaziamento do tempo e a defesa contra a contingência”. O professor argumenta que a política fincada na ideia de utopia, baseada, portanto, no afeto da esperança, nunca vai ter a capacidade de integrar acontecimentos e quantificar situações a partir daquilo que não se controla.
O medo também possui relação direta com o desamparo: trata-se de uma reação diante de determinado objeto ou acontecimento que eu não sou capaz de representar. Já o medo, corresponde à expectativa produzida diante de um objeto ou um perigo. Segundo Safatle, o que estimula a experiência social é o desamparo, atuando no desabamento da ação. “Não se pode agir momentaneamente, pois não se sabe como agir”, explica.
Do ponto de vista político, costuma-se substituir as demandas políticas por demandas de amparo (política do care, para os americanos). Para Freud, o desamparo seria uma situação de insegurança social. “O outro não é só aquele que me confirma, mas, sim, aquele que me desampara. Posto isto, não se pode curar o desamparo; ele é algo que se afirma”. Existe uma vinculação entre liberdade e desamparo, que faz com que a experiência não possa se constituir de figuras de amparo, permitindo, assim, a circulação do desamparo. Nesse caso, a liberdade estaria vinculada à ideia de heteronomia sem sujeição. “O poder nunca nos causou problemas; o que nos causa problemas é a ideia de dominação”, diz Safatle.
Ao falar sobre o momento político brasileiro, Vladimir Safatle defende que, por mais que tenha falhas ou seja ruim, melhor uma situação conhecida do que uma desconhecida. “O tempo político não é um tempo de regularidade, mas, sim, um momento dedicado à desconstrução de circuitos de afetos. É um tempo de quebra e de desarticulações. Neste sentido, o medo é o afeto que nos paralisa no sentido de, mesmo você não estando feliz com a situação atual, você vai aceitá-la se estiver com medo”, argumenta.
Vladimir Safatle é, atualmente, professor livre docente do departamento de filosofia da Universidade de São Paulo e escreve, às sextas-feiras, coluna para a Folha de S. Paulo. O lançamento do livro do professor Vladimir Safatle aconteceu da reitoria, na última segunda-feira, às 18h30, em evento comemorativo aos 70 anos da Ufba, com sessão de autógrafos e a cobertura ao vivo da TV Ufba.