Gilmaro Nogueira analisa a sexualidade masculina no livro “Caças e Pegações Online”
“Todos podem se dizer macho, penetrando ou sendo penetrado”, defende Gilmaro Nogueira, em entrevista para a Agenda durante evento na UFBA
Por Luiza Leão
Em entrevista à Agenda Arte e Cultura da UFBA, o psicólogo e pesquisador Gilmaro Nogueira falou sobre o livro “Caças e Pegações Online: Subversões e Reiterações de Gêneros e Sexualidades”, lançado na última sexta-feira (06/05). A obra resultou de pesquisa realizada no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, na qual foram analisadas as práticas sexuais entre homens e como essas narrativas se expressam no universo online. O trabalho identificou rupturas das categorias homossexual e heterossexual, através dos comportamentos, relações amorosas e práticas sexuais anais.
O lançamento do livro abriu a programação do Maio da Diversidade, conjunto de eventos promovidos pelo Grupo de Pesquisa de Cultura e Sexualidade (CUS). Nogueira é mestre em Cultura e Sociedade (IHAC/ UFBA), professor da Faculdade Ruy Barbosa e pesquisador no Grupo de Pesquisa: Cultura e Sexualidade (CUS/ UFBA).
Na faculdade em que leciona, Nogueira disponibiliza tratamento psicológico para gays, lésbicas e transexuais. Para os travestis, além do processo terapêutico, é oferecido o laudo necessário para a mudança para o nome social. O agendamento é realizado através da página do Facebook, “Psicologia Queer”, onde a pessoa pode solicitar, por mensagem, o agendamento.
+ Saiba mais: Maio da Diversidade tem início com lançamento do livro “Caças e pegações online”
+ Saiba Mais: Grupo Cultura e Sociedade promove Maio da Diversidade
Como os estudos tratados pelo seu livro “Caças e Pegações Online explicam a visão de homo, hétero e bissexualidade?
Essas categorias não são tão bem definidas, elas se misturam e se contaminam. Eu gosto de pensar que cada homem é singular. Há uma diversidade de heterossexualidade, ela não é uma coisa única. E isso se repete na homossexualidade. O que tem em comum é que podem sentir prazer com outro homem, mas isso é muito diverso. Não há como agrupar essas pessoas. Eu ressalto essa singularidade.
De acordo com seus estudos, como se caracteriza o hétero passivo?
São homens que se dizem héteros, têm relação com mulher, mas quando procuram homens, gostam de ser penetrados. Esse prazer anal, quando satisfeito por uma mulher, é socialmente mais aceito do que quando realizados por um homem.
Por quê não dizer que esses homens são gays?
O que eu estou analisando são os homens héteros que sentem prazer anal. Outro aspecto: nós não podemos achar que a heterossexualidade é uma coisa natural, porque ela é uma invenção do século XIX. Eu não estou pensando na divisão da penetração anal, classificando alguém como homo e hétero, acho que está para além disso. A classificação está em como a pessoa se identifica.
O que você acha que mudou nos conceitos de macho e bicha, existentes na década de 80, até chegar no conceito que você classifica como hétero passivo?
O que mudou foi que antes o homem que era penetrado era denominado bicha, porque tinha sua masculinidade sacrificada, enquanto o que penetrava tinha sua virilidade reforçada e não deixava de ser hétero. A bicha exercia o papel de mulher na relação sexual. Hoje, todos podem se dizer macho, penetrando ou sendo penetrado.
Como ocorre essa classificação? É uma questão de auto-identificação?
Há um comportamento social que é observado. Códigos como o lugar que se frequenta, a voz de macho, ‘voz que não mia’ ou um corpo que anda e se porta de determinada maneira. Não é só dizer que é macho, é preciso convencer as pessoas. Se eu não demonstro minha homossexualidade, por exemplo, eu convenço que sou macho.
Qual o olhar dos gays ,de um modo geral, para esses homossexuais que reforçam sua masculinidade? Há uma discriminação?
Sempre há uma crítica. Em Salvador, muita gente se conhece, então se sabe quem são os homens que têm práticas com outros homens. A exigência social do universo gay é que essas pessoas se assumam. Mas são esses homens que estão também no topo do desejo, por assumirem um ideal de masculinidade.
O que é a masculinidade para você?
Existem várias gradações de masculinidade, eu penso em um degradê.
Você acha que essa cobrança deveria existir?
Não, eu não sou a favor dessa cobrança para que as pessoas assumam identidades. Eu acho que é muito melhor desconstruir esses ideais, através de movimentos em que há homens performando o feminino, por exemplo, do que essa pressão para que se assuma.
Suas fontes de pesquisa são encontradas em redes sociais como Disponível, Yahoo Respostas, Chat Uol. Como você traça o perfil das pessoas que estuda e qual o nível de confiabilidade dessas fontes?
Eu tenho dificuldade para traçar um perfil, são pessoas muito singulares. A única coisa que elas têm em comum é o fato de buscarem sexo com um outro homem, mas as práticas de cada um é diferente, o gênero também. A confiabilidade do que é dito não é algo que me interessa muito. O que me interessa é saber como é que ela pensa e se ela estiver mentindo, me interessa em saber como essa pessoa justifica essa mentira.
Por quê você não utilizou redes sociais mais atuais como scruff e grinder?
Quando iniciei minhas pesquisas, em 2012, essas redes não existiam. Nem mesmo o Tinder. Os aplicativos têm a vantagem de não deixar rastros, o celular é pessoal. A pessoa pode deixar o celular caçando a noite inteira, no trabalho. A caça acontece 24h. Essa é uma mudança que eu pretendo analisar futuramente, assim como o uso das drogas que são identificadas mais facilmente pelos aplicativos.
Qual a sua opinião a respeito da tendência highsexual, em que homens se drogam antes de terem relações sexuais com outros homens?
As drogas sempre tiveram o papel de libertar, de remover o auto controle. Mas ninguém faz algo por causa da droga. O desejo tem que estar no sujeito, a droga não coloca desejos, expõe-los.
Muito interessante! Gostei do estudo, da pesquisa. A sexualidade humana é um campo vasto e deve ter seu estudo aprofundado, pois é um mundo que reflete sonhos e desejos do inconsciente pessoal e coletivo.