Vai ter preta produzindo documentário, sim!
O documentário sobre a Noite da Beleza do Ilê foi apresentado como trabalho final de curso da formanda em Jornalismo
Por: Glenda Dantas
Val Benvindo vive em São Caetano, mas sua origem pertence ao Ilê Aiyê e ao Terreiro do Curuzu. Sobrinha do Vovô do Ilê e neta de Mãe Hilda Jitolu, ela cresceu em berço de autoafirmação preta: lendo livros e ouvindo músicas do bloco carnavalesco, reverenciando orixás e vivenciando bastidores dos blocos do Ilê. Val é produtora da Banda Ilê e recém-formada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação. Para o seu trabalho final de curso, ela decidiu produzir algo que pudesse ultrapassar a ‘redoma’ universitária. Adequando suas expectativas ao audiovisual, produziu o documentário intitulado “Outra Face”. O objetivo era transmitir seu olhar sobre a Noite da Beleza Negra do Ilê e, consequentemente, levar esse olhar para escolas, promover discussões e, acima de tudo, empoderar outras meninas mostrando que elas são bonitas e que podem ser quem elas quiserem.
Em entrevista a Agenda Arte e Cultura, Val fala de sua relação com o Ilê, da produção do documentário e da influência da Noite da Beleza na vida das mulheres que têm a honra de participar desse evento cultural.
Agenda Arte e Cultura – Qual sua relação com o Ilê?
Eu sou sobrinha de Vovô do Ilê, meu pai é um dos diretores do Iêe irmão de Vovô. Também sou neta de mãe Hilda Jitolu, que foi a mentora espiritual do Ilê até 2009 quando faleceu. Então minha relação com o Ilê vem daí. Atualmente sou produtora da Banda, mas minha relação com o bloco vem de desde nova, de estar nos eventos, nos bastidores, nas pré-produções, mesmo não trabalhando.Mas estando com meu pai, com minha família.
Val Benvindo – O que te motivou a desenvolver seu TCC sobre a Noite da Beleza Negra do Ilê Ayê?
Eu entendi que a Noite da Beleza Negra me formou como mulher até mais do que o próprio Ilê. No concurso, eu ouvia o que meus pais diziam sobre beleza negra, via o que os cadernos de educação do Ilê contavam, ouvia o que as músicas do Ilê cantavam: que as mulheres negras eram bonitas, que nós éramos rainhas. A Noite da Beleza Negra era a personificação daquilo tudo, pois eu via aquelas mulheres pretas se achando lindas, almejando o título de Deusa do Ébano do Ilê.
Minha motivação em fazer o documentário com esse tema foi lançar o meu olhar da Noite da Beleza Negra – que me empoderou tanto e foi tão importante para mim – para outras meninas. Empoderar essas meninas e mostrar que elas são bonitas, que o cabelo é bonito e que podemos ser quem a gente quiser. Outra razão pela qual eu quis produzir o documentário foi por perceber que existe a mudança nas mulheres que participam do concurso, tanto estética quanto educacional.
AAC – Qual a influência do Ilê e principalmente da Noite da Beleza Negra na construção da autoestima das mulheres partícipes desse evento cultural?
Val Benvindo – Elas começam a se interessar mais pelo estudo, porque é algo que vai além da questão estética, mesmo sendo um concurso de beleza. A gente passa para elas a mensagem de que elas podem ser quem elas quiserem e isso resulta em que muitas meninas entrem na faculdade. Algumas das que participaram, já estão formadas.
O concurso está inserido num contexto de auto afirmação, de mostrar para as mulheres pretas que elas são bonitas. Principalmente por conta do contexto no qual o concurso foi criado, quando não existiam concursos de beleza nos quais a mulher negra fosse contemplada, nem entidade que falasse sobre as nossas questões e que valorizasse a nossa história.Acabamos lidando com algo que a priori é estético, mas que tem uma raiz muito maior: conhecer a si mesmo e se valorizar.
AAC – Qual a importância do documentário para a cultura negra baiana?
Val Benvindo – Eu não sei a importância do documentário ainda, mas eu espero que seja instrumento de trabalhos em escolas, de empoderamento de meninas, mas não somente delas. Esse documentário também fala sobre os meninos pretos.
AAC – Quanto tempo durou a produção?
Val Benvindo – Eu gravei todos os depoimentos em dois dias, depois decupei todas as entrevistas. Dividi esse trabalho com Iasmim Sobral que foi minha dupla no TCC. Acredito que isso tenha durado uns 15 dias.
A parte de montagem deve ter durado um mês.Foram praticamente dois meses de trabalhos mais intensos entre captação e montagem.
AAC – Como se deu as escolhas das fontes do documentário?
Val Benvindo – Eu escolhi as fontes pela minha aproximação. Conversei com os quatro dirigentes do Ilê, que estão mais à frente do concurso: Bete Lima, diretora e estilista do bloco, Arani Santana, diretora do Ilê e apresentadora da Noite da Beleza Negra, Vivaldo Benvindo, diretor do Ilê e Vovô que é o presidente. Depois disso eu conversei com Sérgio Roberto que era o diretor do Ilê na época que o concurso foi idealizado. Ele que teve toda a ideia e montou a primeira edição da Noite da Beleza Negra.Também gravei com algumas das mulheres que ocuparam o posto de rainha do Ilê.As minhas escolhas partiram de entender algumas histórias interessantes, mas infelizmente tantas outras ficaram de fora. A Noite da Beleza Negra tem mais de 30 anos, são diversas histórias, umas tão bonitas quanto outras. Foi necessário peneirar as fontes. Eu queria ter entrevistado quase todas as rainhas, mas não deu, infelizmente. Quem sabe fazer uma segunda parte aí, né?
AAC – Qual o motivo da escolha do nome “Outra face”?
Val Benvindo – Na verdade, quem me deu esse nome foi o diretor artístico Elísio Lopes. Eu estava tão desesperada por não ter conseguido escolher um nome que me deixasse feliz. Numa reunião do Criativo N, eu falei um nome que não gostei e ele perguntou: “O que você quer mostrar com o seu documentário? ”. Respondi que queria mostrar um outro olhar, que as pessoas vissem a Noite da Beleza Negra como eu vejo, já que tinha sido tão importante pra mim, pra minha história e por eu ser o que sou hoje. Ele pegou um papelzinho, ficou escrevendo e pensando, me entregou e disse: “Eu acho que é isso”. Existem outras faces que não só essa, mas essa é a que quero mostrar para às pessoas.
AAC – Quais as principais dificuldades enfrentadas nesse período?
Val Benvindo – Confesso que fui muito abençoada nesse processo de produção. Consegui uma equipe maravilhosa que me ajudou pra caramba em tudo. O meu orientador, Guilherme Maia, é uma pessoa maravilhosa, um professor que entendeu a importância do trabalho para gente. Mas, talvez, a minha maior dificuldade tenha sido separar a Val do Ilê, da Val produtora do documentário.
Obviamente que o documentário só é o que é por conta dessa minha aproximação com o Ilê, mas tive que ser firme.Do momento das escolhas dos entrevistadosà hora de cortar as cenas, tinham coisas que eu tinha que tirar, mas queria deixar.Por conta da minha aproximação, considerava que era importante enquanto Val do Ilê, não enquanto diretora. A dificuldade estava em me manter um pouco longe nesses momentos.