Coordenadora do grupo Gig@ reflete sobre o feminismo e o lugar da mulher na atualidade
“Empoderamento, palavra de moda, não pode significar triunfo individual”, defende Graciela Natansohn, jornalista e professora da UFBA
Por Rafaela Fleur
Formada em jornalismo pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP) – localizada na Argentina, onde nasceu – com mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea na UFBA, Graciela Natansohn é professora na Faculdade de Comunicação (FACOM) e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea, onde atua nas áreas de jornalismo impresso, ciberjornalismo, feminismo e estudos culturais. Coordenadora do grupo Gig@ (Grupo de pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura), ela desenvolve pesquisa na área da interface entre a cultura, a comunicação e as tecnologias digitais, com foco principal nas relações de gênero e em como estas modelam tanto os produtos digitais, como os processos de produção. Em entrevista a Agenda Arte e Cultura, a jornalista conta os principais problemas enfrentados pelas mulheres, fala sobre o lugar do ciberjornalismo e explica de que forma o Gig@ aborda essas questões.
Agenda Arte e Cultura – Quais são os desafios atuais das mulheres na luta pela igualdade de gênero?
Graciela Natansohn – A igualdade de gênero é uma luta de todos os seres humanos, não apenas das mulheres. Um mundo com a metade da sua população subordinada, sofrendo, morrendo, ganhando menos, apanhando, não pode ser um mundo bom. Por isso o feminismo não é apenas uma luta para sermos iguais aos homens, é uma luta pelos direitos dos humanos, de todos e todas pela justiça social, que o capitalismo não garante. O feminismo deve evitar a treta do neoliberalismo, que aplaude a competição e o individualismo das mulheres. Empoderamento, palavra de moda, não pode significar triunfo individual. A luta de gênero deve acompanhar a luta pela democracia participativa e pela justiça social.
O feminismo não é apenas uma luta para sermos iguais aos homens, é uma luta pelos direitos dos humanos, de todos e todas pela justiça social
AC – O que significa ser mulher na sociedade brasileira e no mundo como um todo? Qual a definição mais próxima que temos hoje do que seria ser mulher?
GN – Não há uma única definição do que seja ser mulher mas há algo que nos une: a misoginia e as violências. Que temos em comum eu, Angela Merkel, Roberta Close, a moça que limpa o chão da Facom e Mãe Stella, por citar algumas a modo de exemplo? Apenas uma coisa: sermos potenciais objeto de violências, físicas e psicológicas, pelo mero fato de sermos mulheres. Mas há profundas diferenças de classe, raça, ideologia, religião, e essas diferenças convocam a necessidade de uma sororidade interseccional, unidas nas diferenças – que são profundas e não devem negar-se, mas que desafiam a necessidade de uma grande aliança política, como a que vemos nas enormes manifestações em Argentina (pelo “ni una menos”) ou em EEU, contra Trump.
AAC – Os interesses do Gig@ permanecem os mesmos de quando ele foi fundado? O que mudou?
GN – O grupo iniciou atividades em 2010, quando os fenômenos de internet era muito diferentes. Facebook estava começando e as redes sociais mais populares e massivas não tinham o alcance de hoje. Creio que o que mais mudou os interesses do grupo foram as enormes dimensões das redes sociais com suas consequências: violências, violação de intimidade e segurança digital, e a economia política do mundo digital, concentrada e controlada em poucas mãos.
Não há uma única definição do que seja ser mulher mas há algo que nos une: a misoginia e as violências
AAC – Como o grupo se adequou à realidade das mulheres trans?
GN – O grupo sustenta um feminismo inclusivo para todas as mulheres. Nossas atividades públicas, por exemplo, como as oficinas para o público feminino, não exigem RG e sim nome social. Todas são bem-vindas. Estamos em conversações para realizar uma parceria com um grupo de pessoas trans que querem criar vídeos para discutir a urgente necessidade de ter uma lei de identidade de gênero que não judicialize e burocratize a mudança de RG. Mas ainda estamos conversando.
AAC – O Gig@ relaciona feminismo e tecnologia. Quais momentos foram cruciais para para a visibilidade do feminismo na internet?
GN – Os feminismos se apropriaram de internet desde que ela existe. O grande marco da história foi a conferência internacional de Beijim, em 1996, integralmente organizada pelos recursos da época, que eram mensagens e emails. Mas as redes sociais corporativas como Facebook e Twitter foram o trampolim para a grande visibilidade que o movimento tem hoje.
As redes sociais corporativas como Facebook e Twitter foram o trampolim para a grande visibilidade que o movimento (feminista) tem hoje
ACC – No dia 08 de março foi comemorado o dia internacional da mulher, vocês prepararam algo para comemorar esta data?
GN – Preparamos nossas camisetas e cartazes, cujo lema principal é : FEMINISMO PARA HACKEAR O MACHISMO. Lançamos também um vídeo, que está no nosso Facebook. (https://www.facebook.com/Giga.Grupo/videos/1455230684509452/. )
ACC – Quais as maiores conquistas do grupo até hoje?
GN – Um livro publicado, outro em organização, muitas oficinas sobre a temática Internet Feminista, violências digitais, segurança e privacidade, alguns TCCs, mestrados e um doutorado, um curta-metragem sobre as marisqueiras de Acupe – que inclusive será apresentado no próximo dia 15 no CineFacom) e muita alegria de estar juntos.
ACC – E quanto aos maiores desafios?
GN – O maior desafio de nós mulheres e homens do grupo, hoje, é conseguir compatibilizar as demandas comunitárias (de cursos, oficinas, assessorias a comunidades, etc) e as demandas acadêmicas, que fazem da nossa vida esse lindo inferno do qual não queremos sair.