“Nenhuma mulher deveria adiar seus sonhos e projetos em função da maternidade”, defende pesquisadora

Salete reflete sobre a situação de mães e pais estudantes na UFBA e sobre a aplicação da lei que garante o direito de  realizar atividades de casa

Por Kelven Figueiredo

 

Salete Maria da Silva é graduada em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), tem mestrado em Direito pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos pela UFBA. Atualmente ela é professora do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA), subchefe do Departamento do mesmo curso  e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM). Além disso, atua como advogada na área de defesa dos direitos das mulheres e da população LGBT. Em entrevista à Agenda Arte e Cultura, ela  explica os dilemas da mãe universitária ao ser amparada por uma lei implementada há 42 anos atrás. A pesquisadora afirma que a sociedade mudou e essa lei não atende às diversas realidades presentes na sociedade atual. Além disso, a lei existente para assegurar a mãe universitária é genérica e pouco conhecida, o que implica no não cumprimento da mesma. Salete acredita que deveria haver investimento na divulgação da mesma e criação de políticas específicas para instituições de ensino superior a fim de diminuir o índice de mulheres que abandonam ou trancam os estudos em virtude das dificuldades que enfrentam durante a gestação e no período de amamentação dos filhos.

Agenda Arte e Cultura: Tratando-se de leis trabalhistas a gestante tem direito a 6 meses de licença maternidade. Por que a estudante tem direito a apenas 3 meses? Você acha que esse tempo é suficiente?

Salete Maria da Silva: Inicialmente convém estabelecer uma distinção básica: a relação da aluna gestante com a Universidade não é uma relação de emprego, portanto, merece tratamento específico. Embora, em ambos os casos, estejamos falando do direito da mulher gestante ao pleno exercício da cidadania, do qual o direito ao trabalho e à educação fazem parte, antes, durante e após a gestação. Concordo que três meses de regime de exercício domiciliar pode parecer muito pouco, sobretudo quando recai sobre a mulher exclusivamente a responsabilidade pelo cuidado de sua cria, razão porque se faz necessário adotar outras medidas que apoiem as estudantes, sejam gestantes ou lactantes.

AAC: Buscando leis que assegurem a mãe universitária só pude encontrar leis gerais para todas as estudantes. Você não acha que seria importante ter algo  direcionado a universidade, considerando questões como obrigações maiores, horários não tão bem definidos e carga horária mais extensa?

SMS: Tens razão. A legislação geral existe há 42 anos, mas cabe aos órgãos competentes como o MEC, às secretarias de ensino e às próprias IES estabelecerem, via resoluções próprias, as condições para tornar factível a sua implementação. Mas isto não se dá sem pressão. Algumas IES já dispõem de regras internas bem delineadas que favorecem o exercício deste direito pelas estudantes. No entanto, a UFBA, como uma das mais antigas universidade públicas do país, ainda não adotou, que eu saiba, medidas claras, objetivas e efetivas neste sentido. Eu penso que nenhuma estudante merece ficar refém do bom coração de uma docente ou da sensibilidade de outra, já que é direito dela, precisa ser exercido com plenitude e liberdade, não como uma concessão.

Nenhuma estudante merece ficar refém do bom coração de uma docente ou da sensibilidade de outra

AAC: Quais iniciativas tomadas por alguma outra instituição de ensino superior você conhece?

SMS: A Universidade Federal do Paraná (UFPR), em atendimento às demandas das estudantes, criou um espaço chamado “Sala da Criança”, onde é possível fazer troca de fraldas, amamentar com tranquilidade e deixar a criança com responsáveis enquanto a mãe desenvolve alguma atividade acadêmica. Trata-se de um espaço de acolhimento, já que muitas estudantes amamentavam de modo desconfortável nos corredores, nas escadarias da faculdade e até mesmo nos banheiros, sem contar sequer com um assento confortável para si e para a criança.

AAC: Qual a sua opinião quanto a iniciativas como esta?

SMS: Medidas como esta  se fazem necessárias porque apesar das universidades serem constituídas, majoritariamente, por mulheres, muitas delas abandonam ou trancam os estudos em virtude das dificuldades que enfrentam durante a gestação e no período de amamentação dos filhos. E, numa sociedade que se fala em igualdade, nenhuma mulher deveria adiar seus sonhos e projetos em função da maternidade principalmente quando esta possui uma função social e é protegida constitucionalmente. O debate precisa ser feito e cabe a nós, mulheres, principalmente estudantes, apresentar propostas que sejam condizentes com suas necessidades, demandas e expectativas.

O debate precisa ser feito e cabe a nós, mulheres, principalmente estudantes, apresentar propostas que sejam condizentes com suas necessidades, demandas e expectativas

AAC:  A LEI No 6.202, DE 17 DE ABRIL DE 1975, que garante os 3 meses de resguardo e o direito de realizar atividades de casa tem funcionado e sido respeitada pelos professores da UFBA?

SMS: Esta lei, apesar de já ter mais de quatro décadas, segue sendo ignorada e desrespeitada pela quase totalidades das Instituições de ensino no Brasil, sejam elas públicas ou privadas. No que se refere à UFBA, posso dizer que muitos docentes sequer sabem da existência desta norma. E muitas discentes também. A falta de divulgação da referida lei na comunidade acadêmica, bem como a falta de normatização interna que a torne plenamente executável, acarreta muitos prejuízos, podendo levar até mesmo à violação de direitos, como de fato leva.

AAC: Você tem conhecimento das principais queixas que as alunas têm feito contra a UFBA?

SMS: Muitas estudantes questionam as estruturas desta e de outras universidades por serem adultocêntricas e alimentarem uma cultura de exclusão e interdição do ingresso das crianças nestes espaços. Além disso, queixam-se da ausência de trocadores de fralda nos banheiros femininos e masculinos da UFBA, da insensibilidade de professores e professoras que fecham os olhos para o fato de que existem estudantes que são mães e pais e que às vezes são obrigados a levar os filhos para a sala de aula. Também tenho conhecimento de reclamações contra a inexistência de ampla informação sobre os direitos da gestante no contexto das calouradas, dos eventos e mesmo nos manuais da IES.

A falta de divulgação da lei na comunidade acadêmica acarreta muitos prejuízos, podendo levar até mesmo à violação de direitos, como de fato leva.

AAC: Como fica a situação das alunas da pós-graduação se engravidam no processo?

SMS: Desde 2010, por força de antiga reivindicação da Associação Nacional de Pós-Graduandas/os e do reforço da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a CAPES e o CNPq reconheceram que as estudantes de pós-graduação têm direito a uma “licença maternidade” sem prejuízo do pagamento da bolsa durante o período de quatro meses, desde que o parto ocorra na vigência do período de estudos.  Esta é uma conquista que pode servir de inspiração para o âmbito da graduação, pois minimiza o ônus que a maternidade impõe à mulher, dada a forma como nossa sociedade encara o seu papel e o seu lugar no contexto social.

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