Princesa de Oxum na Nigéria participa de debate na UFBA: ‘espaço é para compartilhar conhecimentos’
O evento trouxe para dentro da universidade diálogos sobre orixá Oxum, com convidadas reconhecidas dentro e fora do país
Por: Alana Bittencourt
O auditório Raul Seixas da faculdade de Filosofia da UFBA foi palco do encontro entre duas renomadas sacerdotisas de Oxum: Mãe Valquíria d’Oxum da Casa de Oxumarê e a princesa Adedoyin Olosun, sacerdotisa de Osun em Osogbo, na Nigéria. O evento “Diálogos Brasil-Nigéria” com o tema “Quem é Oxum?”, para falar sobre a religião e a cultura africana na diáspora, foi promovido na última sexta (4), pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA (PPGA) e pelo Goethe-Institut Salvador-BA.
Mediado pelo professor de Antropologia Moisés Lino e Silva, o encontro teve início com um ritual de abertura realizado por Adedoyin, e, em seguida, Mãe Valquíria homenageou Oxalá, orixá da paz e dos livramentos, cantando uma canção. Para introduzir o diálogo, Moisés pediu para que as duas se apresentassem e contassem um pouco das suas histórias relacionadas à religião. Ao decorrer do evento, perguntas sobre os gostos, elementos, qualidades e outras características de Oxum no Brasil e na Nigéria, foram feitas pelo mediador e pelo público.
Para a princesa, falar sobre este tema dentro da universidade de outro país é valorizar os saberes religiosos. “Compartilhar o conhecimento aqui é a mesma coisa que compartilhar o conhecimento na Nigéria ou em qualquer outro lugar no mundo. Esse espaço é feito para compartilhar os conhecimentos que os ancestrais deixaram para nós. É um prazer participar desses encontros, eles ajudam a reunir e espalhar esses conhecimentos”, disse.
Mãe Valquíria d’Oxum, uma das mais antigas e prestigiadas figuras do candomblé baiano, hoje com 76 anos, foi iniciada no candomblé aos 17. Ela tem o posto de Olopondá, cuida da casa e tudo relacionado a Xangô. Ao ser perguntada sobre sua relação com Oxum, a sacerdotisa brasileira foi enfática
“Pra mim é tudo, até quando eu respiro, eu me lembro de Oxum. É um orixá que eu tenho muito amor por ela ter me escolhido para ser filha dela”.
Família de Oxum
A princesa Adedoyin contou que a relação sagrada com Oxum começou com o seu pai. A história foi traduzida pelo professor Moisés Lino e Silva:
“Quando criança, ele se perdeu na cidade de Osogbo e por ser membro da família real, causou uma grande comoção na população. Ele como criança, sabia que estava em um lugar muito escuro e que tinha sido levado por duas pessoas, mas não sabia muito bem o que estava acontecendo. Até que ele sentiu um “tocar”, um tapinha nas costas que recebeu de uma pessoa que queria mostrar pra ele um jeito de escapar daquela situação. Ele começou a caminhar e foi parar na periferia de Osogbo, capital de Osun. Enquanto isso no palácio, jogos estavam sendo feitos para encontrá-lo. O jogo disse para não se preocuparem porque o menino seria encontrado por Oxum, porém, deveria ser sacrificado. Então, ele foi encontrado e o levaram para o palácio, mas perceberam que a criança estava sem voz. Começaram então a fazer o ritual, contando as folhas para usar no sacrifício e quando contaram 200 folhas, o menino começou a falar de novo, só que com uma voz totalmente feminina. Ficaram todos felizes porque ele voltou a falar, mas deram continuidade ao ritual. Até que chegou uma mensagem informando que o sacrifício não seria necessariamente a morte da criança, mas seria a dedicação de uma vida inteira, de todos os membros da família e seus descendentes, que deveriam se dedicar a Orixá Oxum. E por isso Adedoyin, os pais e os filhos dela, apesar de na Nigéria ter um momento para a leitura do santo, na família dela, todos são de Oxum”.
A princesa Adedoyin é certificada em Literatura Oral Yoruba pelo Departamento de Línguas e Literaturas Africanas na Universidade Obafemi Awolowo Ile-Ife, bacharel em Artes (Yoruba) pela Universidade de Ilorin e mestre em Estudos Africanos pela Universidade de Ibadan. Ademais, também é responsável pelo bosque de Oxum na África e possui sete títulos religiosos. O último deles foi o de Iya Abo ti Ilê (A mãe protetora da casa), pela Ilê Oba Lokê, comunidade religiosa de matriz africana liderada pelo Babalorixá Vilson Caetano, em Lauro de Freitas.
Encontro na UFBA
Os diálogos que duraram cerca de duas horas, caminharam pela cultura e religião nos dois países, entre canções, orações e rituais. A sacerdotisa africana levou vários objetos do seu país para explicar seus significados dentro do Candomblé e convidou os participantes para o Festival de Osun, que é uma tradição estabelecida desde que o o rei fundador da cidade recuperou sua filha desaparecida no rio Osun, e passou então, a homenagear todos os anos a dona do rio fazendo-lhe oferendas, como agradecimento.
Para Dane Moses, aluna de licenciatura em dança na UFBA, outros encontros como esse são necessários. “A universidade é um lugar para conectar saberes e esse evento toca exatamente neste ponto trazendo pessoas daqui e de fora para conectar os saberes. Precisamos de mais encontros como esse aqui dentro, duas horas ainda é muito pouco para falar de um assunto tão amplo como o candomblé.”, argumenta.
Moisés Lino e Silva, organizador e mediador do encontro, também falou sobre a importância desta troca de saberes entre a universidade e o público externo. “Um evento como esse que atrai também o público que está fora da academia mostra a função da universidade, que não é só ter o conhecimento fechado na sala de aula ou nos grupos de pesquisa, mas um conhecimento que vai além, tem um papel de extensão”, observa.
A princesa Iya Adedoyin Talabi Faniyi veio para o Brasil em parceria com o projeto de residência artística do Goethe-Institut, Instituição do Governo Alemão, onde artistas, pesquisadores e sacerdotes ficam hospedados por dois meses. Durante esse tempo, o instituto acompanha estes hóspedes aqui na cidade e os colocam em contato com os agentes locais de acordo com seus interesses, seja no candomblé, na dança, no teatro ou no cinema. O objetivo do projeto é gerar um diálogo para permitir a troca de conhecimento.