‘Conhecimento precisa respeitar toda diversidade’, diz Carla Akotirene na UFBA
Evento foi a primeira atividade de programação do Novembro Negro que acontece na Facom
Por Lua Gama
Para falar sobre o conceito de interseccionalidade e o recente livro lançado que trata deste tema, a professora, pesquisadora e Doutoranda em Estudos de Gênero, Mulheres e Feminismo (UFBA) Carla Akotirene, palestrou na tarde da última sexta-feira (23), no auditório da Faculdade de Comunicação. O evento faz parte do calendário de atividades do Novembro Negro – Yabás: da ancestralidade à resistência na instituição.
Carla lançou recentemente o livro O que é interseccionalidade? pela coleção Feminismos Plurais da editora Letramento, primeira nordestina a fazer parte da coletânea. Ao falar sobre o tema, ela disse se sentir honrada em poder representar as mulheres negras nordestinas no espaço acadêmico que antes era ocupado por pessoas brancas, ressaltando a importância do conhecimento que é transmitido pelas mulheres negras que não estão no ambiente acadêmico.“O conhecimento precisa respeitar toda diversidade que representa o feminismo negro”, defendeu.
A escritora traz em seu livro conceitos e críticas sobre o tema que foram abordados por outras feministas, como Angela Davis, Lélia Gonzalez, Patricia Hill Collins e Kimberlé Crenshaw, considerada a “mãe da interseccionalidade” e responsável por introduzir o tema em estudos de gênero. Durante a palestra, ela explicou alguns aspectos sobre este conceito.
Mas afinal, o que é interseccionalidade?
Durante a palestra, Akotirene resumiu a teoria da interseccionalidade como uma ferramenta teórica, metodológica e prática usada para explicar que o racismo, o capitalismo e o patriarcado são elementos que juntos colocam mulheres negras em uma maior exposição de vulnerabilidade dessa estrutura em relação a outros públicos. “Um sistema interligado de opressões”, conta.
Ou seja, a mulher negra está mais exposta às opressões por estar inserida em mais de uma categoria de minoria social – ser mulher e negra – e, por conta disso, ela passa por situações de discriminações de forma diferente de outras pessoas que fazem parte somente de uma dessas categorias.
“A mulher negra por si só é racializada. Quando dizem que a mulher é socializada para viver sempre para o outro [marido e filhos], essa experiência para as negras era distinta”, exemplificou a pesquisadora ao falar que além da ação do patriarcado, as mulheres negras tinham seus filhos vendidos como escravos por conta também do racismo.
Para Carla, essas experiências de maternagem são diferentes entre ambas e atravessadas por questões raciais. “Enquanto as mulheres brancas têm medo que seus filhos cresçam e se tornem aliados do patriarcado, as mulheres negras têm medo que a viatura da polícia passe e leve seus filhos”, ponderou.
Avenida Identitária e o caso General Motors
A interseccionalidade nasceu sob uma perspectiva antirracista e por isso, aborda questões raciais. Para explicar melhor, Carla comentou o conceito de “avenida identitária”. “O racismo é estrutural e ele existe de maneira inseparada do capitalismo e do sexismo”, explica.
Com o encontro dessa matriz de opressões, a mulher negra é mais atingida por estar no meio dessa “avenida”. A interseccionalidade não se propõe a dizer que mulheres negras são mais oprimidas, mas, que ela está em um lugar onde o fluxo dessas opressões é maior, o que faz a mulher negra ser afetada mais vezes em relação a outros grupos sociais.
Para exemplificar melhor como funciona a interseccionalidade foi abordado por ela um caso citado por Kimberlé Crenshaw em um artigo publicado em 1989. No caso, a montadora de automóveis General Motors dos Estados Unidos foi acusada de não contratar mulheres negras para o quadro de funcionários. Com isso, mulheres negras entraram na justiça contra a empresa acusando de haver sexismo e racismo no processo seletivo.
Porém, houve uma dificuldade do juiz compreender qual era a reivindicação feita por elas, como explicou Carla. “O juiz tinha uma dificuldade de entender qual era reclamação dessas mulheres porque teria que cruzar duas causas: uma de racismo e outra de gênero. O juiz não conseguia entender isso”, explicou.
Segundo ela, ao acusarem a empresa de sexismo era alegado que existiam mulheres trabalhando no local – mulheres brancas. Ao acusar a empresa de racismo, a GM alegava que haviam homens negros trabalhando na empresa. “Tinham uma impressão que todos os negros são homens e que todas as mulheres são brancas”, citou. Entender o funcionamento deste conceito ajuda a compreender quais são os tipos de discriminação que as mulheres negras estão sujeitas nos tempos atuais.