Uma homenagem aos artistas que foram vítimas do coronavírus

Por Luana Lisboa*

A quantidade de mortes diárias no Brasil por Covid-19 pode nos tornar anestesiados diante da dor da perda alheia. Mais de 48 mil pessoas até o dia de publicação desta matéria. É para não nos esquecermos da empatia para com as famílias que iniciativas como a criação do Memorial Inumeráveis passaram a ser tão importantes. Para que as vítimas da pandemia não sejam só entendidos como números. Por isso, a Agenda te lembra da obra de 11 artistas brasileiros que morreram nos últimos 4 meses, diagnosticados com o coronavírus.

O cartunista Daniel Azulay
Criador da Turma do Lambe-Lambe, músicas e personagens que marcaram a infância de crianças nas décadas de 80 e 90, o cartunista Daniel Azulay morreu após, na luta contra uma leucemia, contrair coronavírus. Conhecido pelos ternos e suspensórios coloridos, o desenhista autodidata ficou famoso por apresentar programas infantis na TV e nos quadrinhos. Ele deixa de legado a rede de escolas Oficina de Desenho Daniel Azulay e a fundação Crescer com Arte, com as quais ajudou diversas crianças a desenvolverem dotes artísticos.

Em 2018, recebeu um troféu na categoria Mestre no HQMIX, principal premiação de quadrinhos no Brasil, ou como o próprio Azulay chamou em vídeo na ocasião, “O Oscar dos Quadrinhos brasileiro”. Em seus últimos anos, dedicou-se ao seu canal do Youtube, onde atingiu a marca de 10 mil inscritos. No seu primeiro vídeo, Daniel chama o canal de “túnel do tempo”. “Onde os papais vão poder matar a saudade e mostrar a infância que eles viveram com a Turma do Lambe-Lambe e hoje as crianças também vão poder me assistir com toda a família”, anunciou em setembro de 2016.

Confira o vídeo no Youtube: 

O compositor Aldir Blanc

O autor de mais de 500 canções, dentre elas “O Bêbado e a Equilibrista”, “O Mestre Sala dos Mares” e “Dois pra Lá, Dois pra Cá” também foi vítima do coronavírus. Formado em medicina, largou a profissão para se dedicar à música, cenário no qual atuou cinco décadas, como compositor. Aldir se tornou, junto com João Bosco, um marco para o MPB depois que nomes como Clara Nunes, Chico Buarque e Simone deram voz às suas letras. Mas foi a voz de Elis Regina que imortalizou suas obras. 

“Perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão para viver: quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E eu estou aqui para fazer o espírito de Aldir viver. Eu e todos os brasileiros e brasileiras tocados por seu gênio”, publicou no Instagram seu maior parceiro musical, João Bosco. Confira vídeo dos dois interpretando o clássico da MPB:

 

A atriz e radialista Daisy Lúcidi

Lúcidi teve uma carreira diferenciada. Seu primeiro papel como atriz foi aos 6 anos, no teatro. Daí ela já disse pra que veio. Com a inauguração da Rádio Globo, em 1944, já participou de radionovelas e, em 1971, conquistou seu próprio programa de rádio, o Alô Daisy. O programa ficou 45 anos no ar e denunciava os problemas da cidade do Rio de Janeiro. Isso acabou levando Daisy ao ramo da política. Ela fala sobre isso em entrevista à TV Brasil, em 2015: “Esse programa me deu a oportunidade até de ir para a Câmara de Vereadores e depois para a Assembleia Legislativa. Ajudar pessoas que estão necessitando é muito bom”. Veja para a entrevista: 

Daisy, então, foi eleita como vereadora e deputada estadual do Rio e só 30 anos depois voltou à Globo para atuar em novelas como “Tapas & Beijos”, “Passione” e “Paraíso Tropical”, na qual tinha a simpatia do público interpretando a personagem Iracema. Morreu aos 90 anos, deixando um marco na história da comunicação brasileira. 

A drag queen pioneira, Miss Biá
Com 60 anos de carreira, a artista estava na ativa até pouco antes de sua morte, aos 81 anos, e ficou conhecida por homenagear Hebe Camargo em suas produções, de quem foi maquiadora por 30 anos. Persona de Eduardo Albarella, Miss Biá ganhou espaço realizando shows em boates da região da Boca do Lixo, no Centro de São Paulo, até mesmo durante a ditadura militar. 

Em entrevista ao G1, em 2017, ela contou o segredo de como se manteve durante todos esses anos: “Se fosse só bonita, há 30 anos já tinha parado. Duas coisas: se você tem talento e se tem glamour, meu bem, não tem quem derruba. Modéstia à parte, eu digo até com orgulho: eu sou uma velha glamourosa”.

Nesse vídeo, Hebe Camargo faz homenagem a Biá em seu programa: 

O fundador dos Titãs, Ciro Pessoa

“Foi dele a ideia de reunir os amigos compositores no começo dos anos 80 para fazermos uma banda de rock” escreveu Branco Mello, baixista e amigo de Ciro, em seu Instagram. Embora Ciro tenha deixado a banda muito cedo, compôs sucessos como “Sonífera Ilha” e “Homem Primata” antes de formar uma das mais famosas bandas do rock-punk brasileiro, Cabine C.

Nas últimas duas décadas, trabalhou em projetos solo como o álbum “No meio da chuva eu grito ‘Help”. O também guitarrista travava uma luta contra o câncer antes de morrer por coronavírus, no dia 5 de maio. A seguir um vídeo de Ciro cantando Sonífera Ilha: 

A maestrina Naomi Munakata
Desde cedo, a música esteve presente na vida de Naomi Munakata. Nascida em Hiroshima, mudou-se para o Brasil aos dois anos de idade. Aos quatro, iniciou seus estudos de piano e com sete anos, começou a cantar no coral regido por seu pai. “Ele obrigava todos os filhos a estudar piano e, após o jantar, tínhamos a opção de lavar a louça ou ir tocar. Eu preferia tocar”, ela já contou em entrevista à Folha de SP.

Durante duas décadas, Naomi Munakata regeu o coro da orquestra sinfônica do estado de SP e foi diretora e professora da Escola Municipal de Música de São Paulo. “Seremos eternamente gratos pela contribuição inestimável dada por Naomi à música coral brasileira e, especialmente, à nossa instituição”, disse nota da Osesp. Até o fim da vida, trabalhou como regente titular do Coral Paulistano Mário de Andrade, além de manter um trabalho na Rádio Cultura FM. A maestrina chegou a recebeu o prêmio de Melhor Regente Coral pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. Segue vídeo de um de seus ensaios, disponível no canal do Youtube da Osesp:

O maestro Martinho Lutero Galat de Oliveira
O mineiro, que teve cinco décadas de produção musical ininterruptas, destaca-se por ter criado um coro culturalmente diverso. Aos 16 anos, criou o Coro Luther King. Reuniu pessoas de diferentes classes sociais e religiões para evidenciar a cultura brasileira e a de povos que contribuíram para a formação do país, tudo isso através da música coral. Seu repertório e sonoridade levou o Coro a apresentar-se em vários países, como Itália, França, Alemanha, Cuba, Angola e Tunísia. Criou também o Coro Cantosospeso em Milão, na Itália, aos 34 anos. Esse é um dos seus ensaios: 

Em comunicado, sua família pediu para que as pessoas deixassem homenagens para um “futuro próximo dada a gravidade da crise pela qual passamos e aos riscos de contaminação” por coronavírus.

O funkeiro MC Dumel
Nascido no Rio e radicado na Bahia, Diego Albert Silveira Santos fazia funk com batidas brega. Com um perfil no Instagram de mais de 100 mil seguidores e uma carreira em ascensão, ele realizava uma turnê musical no Rio quando foi contaminado pelo coronavírus, aos 28 anos. Fazia parcerias com cantores como Igor Kannario e Tierry.

MC Dumel performando em Roda de Funk: 

O ficcionista Sérgio Sant’Anna
Em 50 anos de carreira, Sant’Anna foi autor de dezenas de obras, mas ficou famoso pelos seus contos, que renderam 13 de seus 20 livros. Apesar disso, em entrevista à Piauí, disse que não gostava da palavra “contista”. “Prefiro ser chamado de ficcionista, não quero ficar aprisionado a nada”. 

Ganhou três vezes o prêmio Jabuti e livros como “A senhorita Simpson”, “O Crime Delicado” e “O Monstro” já viraram filmes. Escreveu coletâneas de novelas, peças, poesias e romances. Em trecho de entrevista para o SescTV, em 2016, ele mostra seu local de trabalho:

A cantora gospel Fabiana Anastácio
Fabiana era filha de um pastor e uma maestrina. Cantava desde os 4 anos quando, em 2008, uma de suas apresentações na Igreja Assembleia de Deus em Santo André, São Paulo, viralizou na internet. 

Quatro anos depois, ela gravou seu primeiro CD e até 2017, lançou mais três (Adorador I, II e III). Fabiana faleceu aos 45 anos, no dia 4 de junho.

 

O pai da arte cinética, Abraham Palatnik

Inspiração até para o artista espanhol Joan Miró, Abraham usava suas obras para relacionar artes, ciências e tecnologia. Na arte cinética, unia cores, luzes e elementos mecânicos. Por isso, garantiu sua presença em museus internacionais, como o MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York e o Museum of Fine Arts, em Houston, EUA.

Setenta anos de carreira, caramba, é muito tempo. Mas não penso muito sobre isso. Vou fazendo o que gosto, e vejo com alegria que muita gente também gosta do que faço”, disse ao GLOBO quando ganhou o Prêmio Faz Diferença na categoria Artes Plásticas, em 2018.