Documentário Excursão por uma Cidade Cega é lançado no Teatro Martim Gonçalves

Yananda Lima

A estreia do documentário Excursão por uma Cidade Cega aconteceu na semana passada, no Teatro Martim Gonçalves. Resultado de registros visuais do espetáculo performático Cidade Cega, ocorrido no Campo Grande no mês de julho, o documentário proporcionou uma reflexão sobre os vários tipos de cegueira existentes na cidade, seguido de uma discussão sobre intervenção urbana.

O longa metragem mostra aos espectadores, além de trechos do percurso percorrido pelo espetáculo nas ruas de Salvador, a dinâmica dos ensaios e entrevistas com os participantes. O projeto conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Cidade Cega mistura diferentes linguagens teatrais e aborda a intervenção urbana na cidade. Inspirado no livro Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, e nas peças Os Cegos, de Michel de Ghelderode e Maurice Maeterlinck, o espetáculo apresentou oito sessões em julho desse ano na Praça do Campo Grande. Ganhador do Prêmio Funarte Artes de Rua 2014, a performance também contou com o apoio da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

O Documentário

Produto final de uma pesquisa acadêmica baseada no teatro de rua, o projeto audiovisual surgiu com a proposta de definir um perfil para o ator que trabalha em lugares não convencionais e culminou no registro do processo de criação de Cidade Cega. E ainda não acabou. Segundo o diretor do documentário, Davi Arteac, graduando no curso de direção teatral, o projeto passou por cinco edições, mas ainda não foi finalizado, a fim de que se afaste de uma metodologia acadêmica e seja aprimorado.

No entanto, para Carlos Alberto, professor da Escola de Teatro da Ufba, encenador e autor do espetáculo performático Cidade Cega, o documentário já cumpre com a missão de expressar o que é o projeto. “O material gerado resume muito sobre o que é o Cidade Cega. Como não podemos apresentar o espetáculo toda hora, ele responde de uma forma maravilhosa a esse tipo de pedido.”, afirma.

O compilado aprofunda a reflexão sobre as diferentes cegueiras, ao mesmo tempo em que busca sintonia entre imagem e fala com o objetivo de atingir a todos os espectadores, cegos ou não. Como Carlos aponta, o áudio foi trabalhado para o projeto ser compreendido por quem tem deficiência visual e a imagem para ilustração da fala, para quem consegue enxergar.

Diferente de outros documentários, a grande maioria das cenas de Excursão por uma Cidade Cega não possui roteiro. Davi conta que tentou interferir o mínimo possível durante as filmagens, sem montar uma cena ou dirigir as pessoas, para captar o que acontecia de forma natural. “Não foi complicado porque já estava acostumado a acompanhar as oficinas como observador, tentando não fazer muito barulho para que a minha presença não fosse percebida.”, afirma.

Na discussão posterior à apresentação do projeto, o documentário foi bastante elogiado pelos espectadores e participantes da peça. “Ele conseguiu cumprir o objetivo de inquietar, angustiar e provocar sensações que todo mundo deveria viver, não só quem participou da apresentação”, ressaltou uma espectadora.

Além da Ufba, o produto audiovisual já foi apresentado na Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Salvador (Unifacs) e terá nova exibição, ainda esse ano, na Escola Politécnica e na Escola de Teatro da Ufba, na Faculdade Rui Barbosa e também em Natal, Rio Grande do Norte.

A discussão

Após a exibição do longa, os espectadores tiveram a oportunidade de discutir sobre intervenção urbana com Carlos Alberto, Danielle Moraes, professora de Artes da Universidade Federal de Viçosa e Ines Like, professora da Escola de Belas Artes da Ufba.

Refletindo sobre a proposta a partir dos registros visuais e da encenação, foram levantadas questões desde a utilização dos outros sentidos para um aproveitamento pleno da experiência até a agressividade das pessoas no trânsito durante a intervenção.

“Assistindo a reação dos motoristas, tive vontade de falar ‘olha, vocês não sabiam que estão participando de um espetáculo?’, porque aquelas buzinas e o desespero deles era parte do evento”, ressaltou Danielle Moraes.

O espetáculo possui uma linha de linguagem diferente do que pode ser chamado de clássico, no qual você vai para assistir a uma encenação. No Cidade Cega o espectador deve ir preparado para despertar seus outros sentidos – principalmente a audição – e participar.

Dessa forma, a intervenção foi pensada não só através do aspecto urbano, mas também no modo de relação interpessoal, a partir do momento que a nova experiência oferece condições de transformação dos sentidos de vida, como pontuado pela professora Ines Linke. “A experiência ligada à prática não tem que ser bonita ou agradável, mas uma experiência que atribui sentidos a nossa vida. Especialmente quando essa experiência é feita de forma coletiva”, declarou.

Os atores do grupo Noz Cegos também participaram da discussão destacando pontos importantes para eles durante o trabalho e respondendo a perguntas dos espectadores. Gilson Coelho, ator do grupo e participante do espetáculo, declarou seu apoio à proposta de intervenção com o objetivo de chamar atenção da população para o que eles vivem cotidianamente. “A gente é excluído todo o tempo na cidade. Matamos um leão todo dia para sobreviver à sociedade, para fazer parte dessa cidade que é cega como você, onde ninguém vê ninguém”, concluiu Cristina Gonçalves participante da performance.

Um comentário em “Documentário Excursão por uma Cidade Cega é lançado no Teatro Martim Gonçalves

  • 30 de outubro de 2015 a 15:06
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    Lindo, fiquei boquiaberta com tamanha generosidade por parte do encenador Carlos Alberto….tomara que este trabalho venha para Minas! Amém! E que as cidades deixem de ser cegas, surdas, mudas e paraplégicas!

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