Mindfulness na alimentação: como lidar com as emoções enquanto come
Conheça abordagem que propõe menos dieta e culpa, mais meditação e autocuidado
Geovana Oliveira
Nessa quarentena, a busca por alívio na comida pode ser comum. Segundo a psicóloga Bianca Meneses, em meio a diversas privações, a comida é um dos únicos prazeres disponíveis. “É natural que a gente use com maior frequência do que o habitual a comida como conforto”, diz. Para ela, é necessário diminuir as expectativas sobre o comportamento alimentar durante o isolamento.
Meneses é precursora do movimento de Mindful Eating na Bahia, abordagem sobre alimentação que tem na meditação de atenção plena – mindfulness – um dos seus pilares. Essa prática, que pode ser traduzida como alimentação consciente, propõe sair do piloto automático na hora de comer.
“A pessoa geralmente faz as coisas sem ter consciência do que está fazendo, então a atenção plena cria esse espaço de contemplação, onde eu posso observar o que estou fazendo e o que se passa dentro de mim, inclusive que tipo de emoção”, explica a nutricionista Lorena Magalhães.
A prática não tem nenhuma restrição alimentar. O foco é diminuir o ritmo durante as refeições para observar como a alimentação está sendo feita. Segundo Meneses, as pessoas não comem só por razões fisiológicas, mas também religiosas, culturais, sociais e emocionais.
“Eu posso compreender o que se passa dentro de mim: ‘O que eu estou sentindo é raiva/medo/ansiedade/euforia/tristeza e em razão disso veio o impulso para comer’”, diz Magalhães sobre a experiência com a atenção plena na alimentação. “A partir do momento que eu compreendo, posso escolher agir guiada pela emoção ou não”.
No final do ano passado, a nutricionista lançou o livro “A fome do ser”, onde revela as questões subjetivas que a faziam sentir fome durante episódios de compulsão alimentar.
Não mexer no celular enquanto come, mastigar lentamente e observar o alimento durante a refeição são formas simples de praticar a consciência no dia-a-dia.
“Às vezes a gente está comendo, engolindo, e não está vendo, não está sentindo o sabor”, diz a psicóloga Meneses. “Se você coloca os talheres ao lado do prato entre uma garfada e outra, enquanto mastiga, é uma pausa que dá tempo para fazer uma escolha melhor”.
Alimentação como autocuidado
“O mindful eating é uma abordagem que chamamos de não dieta, cujo foco é a saúde, não o peso, e que cuida da gente de uma forma integral [corpo e mente]”, afirma Meneses. A prática mudou a relação disfuncional que a psicóloga tinha com o corpo e com a comida.
A nutricionista Débora Câmara explica que a alimentação pode tanto indicar o estado emocional das pessoas, como interferir nele. Em dias mais tristes, por exemplo, é possível perceber uma escolha por alimentos mais saborosos, que tenham uma carga energética maior, mas também uma maior quantidade de açúcar e sal. Isso mostra a busca por alguma forma de prazer em falta. “Reflete o cuidado que talvez você esteja substituindo”, afirma.
Mas pode ocorrer o inverso. Segundo ela, usar a comida como conforto é também uma forma de cuidado na alimentação, apesar de muitas vezes não ser contemplada pelos nutricionistas. “Se eu me sinto triste, eu vou escolher alimentos que me tragam uma certa felicidade, como uma lembrança afetiva de minha vó ou de minha mãe”, conta.
Para Luana Tavares, engenheira agrônoma e terapeuta holística, cada alimento tem um impacto nas emoções. O chocolate e outros carboidratos são fonte de energia e alegria, assim como as ervas e folhas podem ser usadas como calmantes na forma de chá e na alimentação. “O alface, por exemplo, é um excelente calmante. A banana é um alimento que nos traz uma alegria semelhante à alegria do chocolate. E por aí vai”.
Culinária natural
Comer mais frutas, vegetais e legumes é a indicação de diversos especialistas para um cuidado melhor com a saúde, mas a relação do autocuidado com a alimentação natural pode ir além dos benefícios nutricionais.
“Quando estou cuidando do lugar onde habito, das pessoas que estão comigo, do ambiente, do solo, da água e do planeta, também estou cuidando de mim.”, conta Débora. Para ela, ao optar por comprar mais alimentos em feiras agroecológicas do que nas prateleiras dos supermercados, leva para casa um alimento que foi plantado e cultivado da forma mais gentil com o planeta e, principalmente, a troca de experiência com os produtores. “Você leva a vida, leva história, e cozinha com outro olhar. Você percebe a comida de outra forma”, diz.
O cuidado também pode começar desde a plantação. A engenheira agrônoma Luana Tavares oferece cursos de Horta em Casa. Segundo ela, mexer com a terra e presenciar os ciclos da plantação permitem que a pessoa exercite a paciência, o equilíbrio e o cuidado no dia-a-dia.
Na abordagem do mindful eating, uma alimentação baseada em alimentos naturais não é regra. “Se é importante para mim, naquele dia, comer um Big Mac, por exemplo, eu vou comer. Sem culpa, com prazer, saboreando aquilo”, diz a psicóloga Meneses.