Novembro Negro: conheça algumas personalidades que passaram pela UFBA

Em 72 anos de história, a universidade teve alunos que lutaram e inovaram em diversos âmbitos da sociedade

Por Lua Gama

A história do Brasil e do mundo é repleta de exemplos de pessoas que contribuíram para um mundo mais igualitário. Famosos ou anônimos, milhares de negros fizeram – e fazem – a diferença na sociedade. Alguns desses estão entre os estudantes que passaram pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e se tornaram personalidades reconhecidas nacionalmente.  

Em comemoração ao Novembro Negro, trouxemos alguns ex-alunos da instituição que fizeram história por terem realizados feitos sociais, políticos e culturais na sociedade. Conheça algumas histórias inspiradoras de personalidades negras que passaram pela UFBA e deixaram sua marca dentro e fora do país.

A UFBA é musical!
Cantor, compositor, produtor cultural e político, Gilberto Gil Passos Moreira ou Gilberto Gil, prestou vestibular em 1960 para ingressar na UFBA. O curso escolhido por ele foi Administração. Na época de estudante, conheceu algumas pessoas que logo se tornaram grandes nomes da MPB: Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé.

Durante o curso, Gilberto Gil promoveu e participou de eventos de vanguarda, como alguns festivais de música. Em dezembro de 1964 formou-se administrador, mesmo ano em que todos eles realizaram o show Nós, Por Exemplo… para a inauguração do Teatro Vila Velha. O show foi idealizado com o objetivo de apresentar jovens músicos da época. Um sucesso!

Um ano antes, conheceu o estudante de Filosofia da UFBA Caetano Veloso. Gil e Veloso lideraram o movimento tropicalista em 1968, importante revolução musical durante a ditadura militar de 64. Os dois, juntos com outros cantores da época, elevaram a música popular brasileira a níveis jamais vistos.

Gil é considerado um dos maiores nomes da música brasileira. Somando os discos autorais e as parcerias, sete de seus álbuns estão na lista dos 100 melhores discos da música brasileira feita pela revista Rolling Stone Brasil em 2007. Pela sua inovação musical, ganhou prêmios internacionais como o Grammy mundial e o Grammy latino.   

Além da atuação na cena musical, Gil atuou também em questões sociais e políticas. Em 1999, foi nomeado Artista Pela Paz pela UNESCO; foi embaixador da ONU para agricultura e alimentação; único brasileiro até então a receber o prêmio Polar Music Prize, homenagem dada a músicos que se destacam em obras que incentivam a união entre os povos. Entre 2003 e 2008, assumiu o cargo de Ministro no Ministério da Cultura.

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A mãe da família do axé
Maria Stella de Azevedo Santos, conhecida como Mãe Stella de Oxóssi, uma das mais influentes personalidades do candomblé, se dedicou a outras atividades em sua vida além da religião. Mãe Stella se formou no curso de Enfermagem na UFBA e se especializou em Saúde Pública atuando na área por 30 anos, conciliando os cuidados com enfermos as práticas religiosas.

Criada em uma família de maioria católica, foi iniciada aos 14 anos no culto aos orixás. É uma das mais importantes ialorixás do candomblé, e foi escolhida por Xangô e pelos búzios em 1976 para ser líder do mais tradicional terreiro do país, o Ilê Axé Opô Afonjá.

Mãe Stella foi uma das primeira vozes do candomblé a romper com o sincretismo religioso, legitimando o candomblé enquanto religião. Para ela, os santos da igreja católica não têm nada em comum com orixá de candomblé.

 

O trabalho desenvolvido por ela ao longo dos anos possibilitou uma maior divulgação dos cultos africanos e da religião dos orixás dentro e fora do país, e contribuiu no combate à intolerância religiosa.

A ialorixá foi a primeira a escrever diversos artigos e publicar nove livros sobre sua religião, contribuindo para a preservação dos saberes do candomblé. Mãe Stella foi eleita por unanimidade para ocupar a cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia em 2013, quando recebeu o título de “imortal” pela Academia. Ela é a primeira sacerdotisa do culto afro no Brasil a realizar este feito.

“Sigo esforçando-me para que a religião trazida pelo povo africano ao Brasil seja devidamente respeitada. […] Afinal, a sabedoria não tem cor e não pertence a nenhuma raça específica”, discurso de Mãe Stella ao receber o título de “imortal” pela Academia de Letra da Bahia (ALBA) em 2013.

Pela sua luta a favor do direitos humanos, engajamento na afirmação e defesa da cultura do povo negro; do candomblé como religião e na manutenção dos ensinamentos das religiões de matriz africana, Mãe Stella recebeu diversas honrarias.

Dentre esses prêmios estão: Prêmio Jornalístico Estadão na condição de fomentadora cultural; troféu Esso para escritores negros; títulos Doutor Honoris Causa pela UFBA e UNEB, detentora da comenda Maria Quitéria (Prefeitura do Salvador), Ordem do Cavaleiro (Governo da Bahia).

Um negro em cena!
Dentre as personalidades negras que passaram pela UFBA, está um ator conhecido pelo público: o ator e diretor Antonio Luiz Sampaio. Não se recorda? Talvez pelo sobrenome artístico deva conhecer. Conhecido como Antonio Pitanga, pai de Camila e Rocco Pitanga, cursou Arte Dramática na Escola de Teatro da UFBA, onde esteve em contato com nomes importantes da cena artística como Glauber Rocha e Martim Gonçalves.

Ainda jovem e sem saber qual carreira seguir, foi aprovado em 1960 para fazer o personagem Pitanga no aclamado filme Bahia de Todos os Santos, primeiro trabalho como ator. Seu papel foi tão impactante e expressivo que o nome Pitanga foi adotado por ele após o filme.

“Escolhi uma profissão que é uma janela para o mundo. Os artistas todos eram considerados marginais. Eu já era perseguido e já compreendia o preconceito da frase ‘é negro e ainda vai ser artista?’. Escolhi ‘vou por ali’, contra esse sistema”, em entrevista concedida à Carta Capital em 2017

Em seguida, ele se tornou um importante nome da cinematografia nacional por ser protagonista em filmes do Movimento Cinema Novo, um gênero que se destacou pela ênfase na igualdade social e contra as diferenças de raça e classe no Brasil entre os anos 60 e 70. Entre os filmes, ele participou de Barravento, de Glauber Rocha e O Pagador de Promessas, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

(cenas do filme Barravento de Glauber Rocha)

Em 1978, Pitanga dirigiu o longa-metragem Na boca do mundo, considerado pelo renomado cineasta brasileiro Orlando Senna, um marco no cinema negro brasileiro, ressaltando a importância de pessoas negras dirigirem filmes nacionais.

No ano passado, foi lançado o documentário Pitanga, filme dirigido por sua filha e o diretor Beto Brant. O longa mostra a vida e obra do ator, com cenas de alguns dos trabalhos protagonizados por ele e depoimentos de vários artistas que fizeram parte da trajetória de Antonio Pitanga.

Pitanga está atualmente em processo de produção do filme Malês. A história vai abordar o período da escravidão, retratando a revolta de escravizados muçulmanos em Salvador no ano de 1935. Nomes como Camila e Rocco Pitanga, Lázaro Ramos, Taís Araújo e Seu Jorge estão confirmados no elenco.

Um dos maiores atores do país e um dos mais importantes ícones da cultura nacional, com quase 60 anos de carreira possui mais de 80 trabalhos no cinema e na televisão em seu currículo. Pitanga é um importante nome no que se refere a inserção de artistas negros no cinema nacional em uma época que o cenário da arte no Brasil era elitizada.

Um intelectual à frente do seu tempo
O nome de um dos prédios da UFBA, o IHAC é em homenagem a um importante intelectual brasileiro. O homenageado é o geógrafo, professor e advogado Milton Almeida dos Santos, formado em 1948 em Direito pela universidade, mas que não exerceu a profissão por muito tempo. Sua paixão pelas ciências o fez trocar os tribunais pelos estudos críticos sobre a geografia e pela sala de aula.

Antes mesmo de ingressar na faculdade, Milton Santos já se interessava pelo magistério: aos 13 anos lecionava matemática no colégio em que estudava e, aos 15, ensinava geografia. Logo após se formar na Faculdade de Direito, prestou concurso para ser professor de um colégio em Ilhéus.  

Na época de estudante, ele marcou presença na militância política de esquerda sendo eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Essa relação com a política permaneceu em boa parte da vida do geógrafo.

Após concluir o doutorado em Geografia na França, regressou ao Brasil e criou na UFBA o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, atraindo diversos jovens geógrafos do país e do exterior ajudando a ampliar os estudos sobre a geografia baiana e nacional. Além do seu trabalho na geografia e na política, participou também da imprensa colaborando com os jornais A Tarde e Folha de S. Paulo.  

 

(Na data em que comemorou 24 anos do recebimento do prêmio Vautrin Lud, o Google Brasil homenageou o geógrafo em sua página inicial.)  

Os estudos e pesquisas desenvolvidas por ele inovaram o campo da geografia urbana no país, possibilitando novas abordagens sobre o assunto. Ao longo de 50 anos de carreira, abordou temas que até então eram pouco explorados pela área, como cidadania, território, demografia, migrações e a geografia urbana, trazendo uma reflexão da geografia sob um viés socioeconômico. Além de todo o estudo desenvolvido, escreveu cerca de 40 livros sobre o tema e publicou artigos.

Pelo reconhecimento do trabalho desenvolvido por ele, Milton Santos recebeu vários prêmios ao longo da carreira. O mais importante deles é o prêmio Vautrin Lud, considerado o Nobel da área e prêmio de maior prestígio da geografia. Ele é o primeiro e até então o único geógrafo da América Latina a ter recebido tal premiação.

Além disso, recebeu o título de Doutor Honoris Causa em doze universidades brasileiras, sete universidades estrangeiras e o 39º Prêmio Jabuti do Brasil de melhor livro de ciências humanas com A Natureza do Espaço. Milton Santos faleceu em 2001 e até hoje é considerado o maior geógrafo do Brasil, sendo conhecido e respeitado em diversos países do mundo.

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