Performance contemporânea discute transfobia na praça do Campo Grande
Por João Bertonie
“Ele falou que vai sujar a praça toda! Você vai limpar, hein?”, disse um homem para outro, entre risos, na praça do Campo Grande. O clima era de expectativa entre as pessoas que estavam sentadas nos bancos de madeira e nas muretas de concreto, logo em frente às grandes estátuas de deuses e águias do centro da praça. Ninguém sabia exatamente o que ia acontecer. E aconteceu exatamente o inesperado: um homem de salto e terno começou a andar em direção à plateia e, depois de tirar a parte de cima da roupa, começou a performar. Era a intervenção urbana intitulada “E se você fosse?”, que se propôs a questionar determinados papéis sociais através da junção da performance cênica com a dança contemporânea. O evento foi parte da 16ª edição do Quarta que Dança, financiado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) e da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA).
A intervenção foi, no mínimo, curiosa. Com meninos jogando futebol e vendedores de picolé anunciando seus preços à voz alta ao fundo, o homem, em trajes andrógenos, jogou farinha de trigo para cima e passou os minutos seguintes caminhando sobre a sujeira. Ouviam-se depoimentos de travestis, relatos de dor e preconceito. Em determinado momento, o artista pegou uma pequena bacia com tomates e os ofereceu ao público. Numa confusão de cores e texturas, o artista passa a lambuzar-se com a fruta e a farinha. Um dos momentos mais interessantes (e chocantes) da performance, contudo, não veio do artista: um menino, com farda de escola, arremessou um dos tomates em direção ao performer. Porém, o que mais surpreendeu aconteceu em seguida: um dos organizadores do evento aproximou-se do menino e de seus amigos e lhes ofereceu mais tomates para serem arremessados.
O homem, o artista Cleybson Lima, que há dois anos faz esta performance, despediu-se caminhando lentamente, como se nunca mais fôssemos vê-lo. Mas passado o furor da apresentação, ele reapareceu. “Eu quero discutir o preconceito contra o travesti que é odiado, que não tem oportunidade, com a minha dança contemporânea”, explica o artista, ainda sujo, suado e exausto.
Entre os rostos da plateia, que exibiam as mais diversas reações, havia ao menos um visivelmente satisfeito. Estella Maris, 55, uma jovem senhora de cabelo vermelho, dedicou elogios animados à performance de Cleybson. “Eu achei a performance perfeita e a mensagem muito clara. A gente precisa de intervenções rápidas como essa sobre a homofobia, o preconceito, sobre estes temas tão batidos e polêmicos que as pessoas não conseguem entender”, disse a catarinense.
O Quarta que Dança começou no dia 3 deste mês e vai até o dia 29 do próximo. O projeto conta com diversas apresentações, performances e intervenções em Salvador e em outras quatro cidades do interior: Mucugê, Porto Seguro, Juazeiro e Lauro de Freitas.