UFBA tem primeiro curso universitário de Dança do Brasil
por Marília Moura
Criado em setembro de 1956, o curso de Dança da UFBA se manteve durante praticamente três décadas como o único existente no país em nível universitário. A Escola de Dança surgiu junto a outras escolas de arte (Música, Teatro e Belas Artes), através de uma iniciativa do então reitor Edgar Santos, que percebeu a existência de uma efervescência cultural em Salvador e resolveu investir na formação artística local.
A professora Dulce Aquino, pró-reitora de extensão e ex-diretora da Escola de Dança da UFBA, observa que a escola tem como uma de suas principais características o fato de ser embasada no pensamento moderno. A inspiração veio do expressionismo alemão, considerado na época o que havia de mais moderno na dança. Aquino lembra que professores europeus vieram à Bahia para estruturar o curso na universidade, a convite do reitor Edgar Santos. A primeira diretora da Escola foi a polonesa Yanka Rudzka, permanecendo por dois anos, quando foi sucedida pelo coreógrafo e dançarino alemão Rolf Gelewski. Em 1965, Dulce Aquino assume a direção.
A atual diretora da Escola de Dança da UFBA, a professora Leda Muhana, destaca a contribuição da Escola para a formação de um movimento nacional de dança. Na sua concepção, é natural que a instituição tivesse a responsabilidade de iniciar um movimento de dança em âmbito nacional. Muhana conta que na década de 1960 surgiu o Grupo de Dança Contemporânea (GDC), criado por Rolf Gelewski. “O grupo sempre teve um espírito formador, mas também sempre deu aos alunos e docentes a possibilidade de atuar num grupo com características profissionais”, explica. O GDC viajou para outros estados do Brasil e até mesmo para outros países, ainda na década de 1960.
No ano de 1977, Dulce Aquino, como chefe do Departamento de Artes Cênicas, propõe a criação doConcurso Nacional de Dança Contemporânea. O concurso nasceu em um período de resistência na universidade. Após 1975, o governo começa a falar em abertura política e em 1976 é criada a Fundação Nacional das Artes (FUNARTE), como uma forma de dar vazão ao movimento cultural nas universidades. “Eles estavam sentindo que a universidade era um caldeirão, ela sempre foi um importante centro de resistência à ditadura”, ressalta Aquino.
A competição tinha o propósito de estimular proposições emergentes em dança e permaneceu com o formato de concurso durante três anos. Após esse período, foi avaliado que o fato de o evento ser um concurso gerava uma competitividade que separava a classe. Assim, transformou-se naOficina Nacional de Dança Contemporânea, na década de 1980. “Foi a partir daí que pude ver uma relação solidária na comunidade nacional de dança. A Oficina conseguiu agregar os profissionais de dança, criou um sentido de coletividade nacional na área”, relata Muhana. Todas as edições da Oficina aconteceram na Bahia, finalizando em 1992.
Censura e conscientização política – Durante o regime militar, os artistas da Escola sentiram de perto a censura. Eram obrigados a apresentar os espetáculos na véspera da estreia para os fiscais da censura, susceptíveis a serem proibidos de estrear a produção ou de apresentá-la com cortes.
Ao longo dos anos, ocorreu um processo de conscientização política da classe. Segundo Leda Muhana, isso aconteceu principalmente durante o governo Lula, momento em que a dança teve mais representatividade nos meios oficiais. A atual diretora da Escola de Dança relata que um incidente acabou por auxiliar o desenvolvimento da consciência de classe e uma atuação mais política do movimento nacional de dança. Quando o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) criou um projeto de lei para que toda atividade de dança fosse regulada pela CONFEF, causou uma agitação na classe. O movimento nacional de dança finalmente se reuniu e conseguiu evitar a aprovação do projeto de lei.
Dulce Aquino reconhece que esse acontecimento permitiu aglutinar o Brasil inteiro em favor da dança, sendo criado o Fórum Nacional de Dança. Aquino participou em Brasília da não regulamentação da dança pela CONFEF, quando a classe conseguiu instituir o dia “D” da Dança, no ano 2000. “Por que o movimento foi capaz de fazer isso? Porque existem, no Brasil, pessoas pensando em dança com uma formação acadêmica que possibilita melhor articulação das ideias. A riqueza da dança nós tivemos sempre, mas essa articulação é algo recente, no país como um todo”, argumenta Aquino.
Um passo à frente – A Escola de Dança criou, em 2005, o primeiro Programa de Pós-Graduação em Dança do país. Inicialmente, surgiu a pós-graduação em Artes Cênicas (envolvendo Teatro e Dança) e, posteriormente, a pós-graduação específica em Dança, a única do país até hoje. “Temos uma projeção artística e uma atuação política em nível nacional. Temos sido pioneiros, tanto na criação da graduação como da pós-graduação. Aqui foi criada também a primeira Associação Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA), através de uma ação da UFBA em parceria com outras universidades, a criação aconteceu em um evento promovido aqui, em Salvador”, observa Muhana. Para Dulce Aquino, o maior avanço da Escola de Dança foi na área da pós-graduação. “Se há dez anos tínhamos dois Doutores em nosso quadro docente, hoje temos aproximadamente 24”, destaca Aquino. A professora também aponta a autonomia da linguagem da dança como uma conquista relevante, pois a Escola conseguiu superar o equívoco epistemológico da criação das Artes Cênicas. “Dança, teatro e circo têm suas especificidades, se configuram de formas diferentes, o espaço cênico é único, mas o discurso é muito diferente”, salienta.
Uma dança diferenciada – “Buscamos formar alunos criativos, propositivos, críticos, conhecedores”, explica a atual diretora quando se refere ao ensino da Escola. A abordagem curricular da graduação em Dança da UFBA diverge bastante não somente de currículos de outros centros de formação universitária, bem como das abordagens de ensino nas academias particulares de dança. “Quando os alunos vêm de academias e entram na Escola de Dança, após o vestibular, via de regra, é um choque. Aqui não é um conservatório, aqui nós formamos cidadãos, profissionais de dança com mais autonomia, com visões prospectivas, com maior inserção no mercado e na sociedade, que propõem novas formas de atuar profissionalmente. É preciso desenvolver profissionais com capacidade crítica e propositiva”, explica Muhana. No entanto, a professora não critica as academias e reconhece a necessidade de se aproximar e manter um diálogo com essas instituições.
Lembranças – A diretora Leda Muhana acredita que duas produções da Escola de Dança tiveram um significado maior por sua dimensão e potencial de mobilização: os espetáculos ao Pé do Caboclo eMobilização, dirigidos por Lia Robatto, coreógrafa e professora aposentada da Escola. O primeiro espetáculo tinha um elenco de 120 pessoas, grupos de 30 dançarinos saíam (ao sinal de fogos de artifício), simultaneamente, de áreas diferentes de Salvador. O elenco dançava na rua e todos se encontravam ao Pé do Caboclo (Monumento ao 2 de Julho, localizado no Largo do Campo Grande) e o espetáculo era ali. “Mobilização acontecia no Teatro Castro Alves (TCA), o público entrava pela entrada dos artistas e, de forma itinerante, observavam cenas em diferentes espaços do Teatro, como camarins e escadas. Ao final, a cortina se abria e o público se dava conta de que estava no palco e nós, os dançarinos, estávamos na plateia”, relembra.
Dulce Aquino recorda o início do GDC e cita o espetáculo Zumbi, dirigido por Rolf Gelewski. “Em 1966, fizemos uma turnê na qual o público chegou a quebrar a porta do teatro para ver o espetáculo, tivemos que nos apresentar duas vezes, porque o público queria ver o GDC! Não era uma montagem espetacular, era uma ideia de arte diferente, era a essência da relação do ator com o espectador e havia uma estrutura coreográfica diferenciada”, relembra. A professora ainda destaca trabalhos mais recentes como os da coreógrafa Ivani Santana, da própria Leda Muhana e do grupo Odundê, sob a direção de Conceição Castro.
Em atividade – A Escola de Dança desenvolve estudos de Graduação (Bacharelado e Licenciatura) e Pós-Graduação (Mestrado e Especialização em Estudos Contemporâneos de Dança). No âmbito da extensão, existem duas Atividades Curriculares em Comunidade (ACCs) e cursos de extensão em diferentes modalidades de dança (flamenca, dança do ventre, dança de salão, improvisação, entre outras) destinados ao público em geral, além do curso pré-universitário, preparatório para o vestibular. No bloco de atividades artísticas, destacam-se as produções do Grupo de Dança Contemporânea (GDC), do Odundê e os Painéis Performáticos. Na Escola, atuam dez grupos de pesquisa, com projetos individuais de pesquisa de docentes e fóruns de grupos de estudo.
Em 2013, a Escola pretende realizar o Festival Universitário de Dança, com o intuito de reunir grupos de outros cursos universitários de Dança para fazer um encontro artístico nacional. Outra ação em andamento é a criação do Encontro Ibero-americano de Dança, cuja proposta é reunir cinco universidades para realizar congressos itinerantes anuais, a fim de estreitar relações com universidades da América Latina, Portugal e Espanha.