“No palco eu posso ensinar sem precisar dar notas”, afirma a professora e atriz de teatro Iami Rebouças
Em comemoração aos 35 anos de carreira, a atriz voltou aos palcos com as peças com as peças “Ulteridades” e “Umbiguidades”
Por: Kelven Figueiredo e Lucas Arraz
Iami Rebouças é doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA com a pesquisa que virou a peça “Ulteridades”. Seu mestrado também virou espetáculo.A ganhadora de dois prêmios Braskem de melhor atriz por “Umbiguidades” pensa que a transformação de academia em palco é algo natural: “o lugar do artista é no palco”. Em 1997, tornou-se professora efetiva da Escola de Teatro da UFBA ministrando aulas de Dicção. Para Iami, a voz é uma das principais ferramentas no trabalho como atriz e professora, “inclusive é muito mais desgastante o trabalho vocal do professor do que o do ator”. Em sua trajetória, constam mais de 40 peças de teatro, montadas por diretores baianos renomados, entre elas A Caverna, de Walter Smetak (1985); O Sr. Puntila e seu Criado Matti, de B. Brecht(1987); Os Sete Pecados Captados, de Aninha Franco (1988); Los Catedrásticos, de vários autores (1989); entre tantas outras. O extenso currículo reflete o amor pelos palcos e por dar aulas: “No palco eu posso ensinar sem precisar dar notas”, revela a atriz. Em entrevista à Agenda, Iami desabafa sobre as dificuldades do atual cenário das artes cênicas e o descaso que os grandes veículos noticiosos têm com as produções independentes.
Agenda Arte e Cultura: Em 2001, você ganhou dois prêmios Braskem por Umbiguidades. O que esses prêmios representa na sua carreira?
Iami Rebouças: Além do dinheiro, reconhecimento. Para o ator é muito importante e pesa no currículo. Nós queremos provar que fizemos coisas significativas e tivemos o reconhecimento do público, então tudo isso no currículo tem um peso. Eu já fui indicada 4 vezes, ganhei 2. Esse é um momento de foco em você, um momento que você tem uma oportunidade de ter um espaço no jornal. O ator não faz o trabalho só para ele, nós fazemos o trabalho para ser exibido, precisamos desse meio, pois sabemos a batalha que é para colocar uma peça em cartaz e fazê-la aparecer no jornal.
Agenda Arte e Cultura: Além do Umbiguidades, você também está em cartaz com o Ulteridades. De onde veio a inspiração para os espetáculos?
Iami Rebouças: Tanto Umbiguidades quanto Ulteridades são frutos de pesquisas acadêmicas. Eu queria mostrar que uma pesquisa acadêmica em Artes Cênicas precisa ter o complemento do palco. Porque senão fica uma pesquisa totalmente teórica, apenas mais um escrito e essa não é nossa linguagem. Eu resolvi encarar esse desafio de fazer uma parte prática para a minha tese. É complicado porque além da parte prática foi preciso também escrever o texto.
Agenda Arte e Cultura: Como você acha que a comunidade UFBA recebeu o espetáculo?
Iami Rebouças: O espetáculo teve uma resposta do público bem vigorosa, é uma pena que o teatro fica vazio. É uma pena nós não termos meios de trazer as pessoas, porque quem vem, realmente vibra. É realmente uma pena que os alunos da Universidade não venham ver. Eu acredito que o valor de R$5,00 é bastante acessível.
Agenda Arte e Cultura: A que você atribui essa “falta” de público?
Iami Rebouças: Os jornais estão dando muito pouco espaço para a arte. Porque muitas vezes nem serviço tem, você procura o jornal para se informar sobre o que está em cartaz e não tem nada. Quando tem é limitado. Geralmente quando a peça tem divulgação, aí tem muita, sai no jornal, no rádio, na televisão e em tudo que é veículo informativo. E a prata da casa fica à desejar.
Agenda Arte e Cultura: Além de atriz, você também atua como professora de Dicção. Qual a importância da dessa ferramenta para o aluno de Artes Cênicas e para o público em geral?
Iami Rebouças: Eu acho que a importância da voz é para todo o ser humano porque essa é a sua principal ferramenta de comunicação. Embora estejamos vivendo numa época em que os dedos têm sido a principal ferramenta de comunicação em função da era digital, não há comparação quando você tem realmente o domínio do seu discurso, da sua palavra e você pode expressar seu sentimento, seu logos, seu ethos e seu pathos, o que está na retórica do discurso. É super importante para a saúde também. Por exemplo, todas as licenciaturas poderiam se interessar por um trabalho de voz, porque o professor é um profissional da voz, inclusive é muito mais desgastante o trabalho vocal do professor do que o do ator. O ator arrisca mais, mas o ator trabalha dentro de uma chave já trabalhada, ele tem uma técnica, não está improvisando e de certa forma possui um controle, enquanto o professor não. O professor tem interferência de aluno o tempo todo, o tempo todo precisa improvisar então o desgaste é muito maior.
Agenda Arte e Cultura: De dentro das salas de aula para os palcos, como você encontrou o teatro baiano nessa retomada de carreira?
Iami Rebouças: Sem editais. E isso é muito preocupante pois os editais são necessários. Eles (o governo) tem que aumentar o número de editais e não diminuir. Estamos sem condições, uma vez que bilheteria não paga o investimento do teatro. Infelizmente teatro é ainda muito artesanal e exige recursos.
Agenda Arte e Cultura: A sua personagem Babel em Ulteridades tenta se equilibrar entre a academia e os palcos. E a Iami? O que ela prefere?
Iami Rebouças: Eu não gosto da parte burocrática da Universidade. Eu não gosto desse contra peso de dar notas, de avaliar. O que eu gosto é de compartilhar o meu conhecimento. No palco eu posso ensinar sem precisar dar notas. Eu tenho uma maneira didática de me apresentar.
Agenda Arte e Cultura: Você transformou seu mestrado em peça e depois seu doutorado também em peça. Qual importância desse atitude?
Iami Rebouças: A importância é fortalecer o lugar do artista. E o lugar do artista é no palco. Dessa forma, garantimos a prática também como produção de conhecimento.
Agenda Arte e Cultura: Como professora e atriz, como você enxerga o mercado de trabalho baiano que seus estudantes vão atuar?
Iami Rebouças: Péssimo. Eu sou uma testemunha disso. Como atriz festejada e premiada, na minha apresentação de sábado, tinham alguns gatos pingados na platéia. Isso não é mercado de trabalho. O mercado poderia ter fontes e apoios se a gente quisesse ter uma cultura rica que não fica importando coisas. Mesmo eu sendo muito rodada, se entrar uma atriz na globo anteontem e fizer um papel cria-se o paradoxo: todo mundo vai correr para ver o trabalho dela. Enquanto uma louca rodada que já fez isso e aquilo fica no ostracismo se não sair na TV Bahia.