Pesquisa além dos muros da universidade: estudo científico é ponte entre ciência e culturas populares
Por Madu Motta
As pesquisas acadêmicas têm origem a partir do interesse de estudar e se aprofundar em alguma temática, levando em conta as várias metodologias que existem e podem ser aplicadas. Quando falamos em pesquisa é muito comum dirigimos nossa imaginação aos estudos no âmbito das ciências exatas e naturais, que envolvem fórmulas e estudos em laboratórios de química, ou até mesmo estudos com fórmulas matemáticas complexas.
Mas, muito se engana quem acha que o estudo científico se desenvolve somente nestas áreas. No âmbito acadêmico, os estudos relacionados a área de humanas, com pesquisas sobre a sociedade, tecnologia e cultura é tão presente e essencial quanto às áreas de exatas, já que vivemos em sociedade e estamos sempre em contato direto com contextos sociais e culturais que necessitam do mesmo rigor e dedicação no momento de serem estudados.
É cada dia mais comum nas universidades pesquisas científicas que estudam um certo agrupamento humano, cultura ou tradição, feitas por pessoas que vieram desses lugares, nos quais concentram seus estudos. Buscando pesquisar de forma mais ética e sem reproduzir a ótica do “objeto de estudo”, da perspectiva eurocêntrica, mas com o objetivo de uma observação participante. Além de trazer novas possibilidades para o campo da pesquisa, esses pesquisadores inseridos em comunidades dão novas nuances a grupos e pessoas que historicamente são observadas por sujeitos externos ao seu contexto social.
Transformando experiências de vida em pesquisa acadêmica
Pessoas como Carla Nogueira, doutora em Cultura e Sociedade, pela UFBA e Clara Lua, mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, utilizaram vivências que já faziam parte do cotidiano das duas e viram que as práticas sociais e culturais que existiam ali eram um foco de pesquisa relevante, não só para a comunidade acadêmica, mas também para o local que deu origem aos estudos de ambas.
Clara Lua produziu a sua dissertação de mestrado abordando o Coletivo Cinearte, no bairro do Alto das Pombas e a educação popular, focando em uma pedagogia antirracista, antimachista, antisexista e decolonial, com a contribuição do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (GRUMAP) e adolescentes envolvidos nas oficinas CineArte, além da participação do Grupo de Pesquisa Griô, também da faculdade de educação da UFBA. Já Carla Nogueira produziu a tese de doutorado trabalhando sua matriarca Nengua Guanguancesse e o terreiro Bate Folha, local em que foi iniciada religiosamente, situado no bairro da Mata Escura e dando prioridade a oralidade e sua relação com o sagrado e religiosidade negro-africana. Um fato em comum de destaque entre as duas foi a oportunidade que elas tiveram de realizar a banca de defesa no local em que elas produziram seus estudos, sendo um feito muito significativo, já que normalmente as bancas são feitas na própria universidade, como relata Carla:
A pesquisa foi feita dentro do terreiro, então não tinha outra possibilidade, se não essa, de ser defendida lá, e isso demarca um novo lugar da pesquisa, inclusive no Brasil, é necessário que gente saia dos muros da Universidade e transmita o conhecimento para fora do ambiente acadêmico.
Para Clara, que não veio do bairro do Alto das Pombas, mas criou essa relação com o local a partir de um grupo de pesquisa em que ela participava e tem parceria com a GRUMAP, fazendo a educadora popular se tornar ativamente presente no projeto e entender que aquele contexto teria a possibilidade de se tornar uma pesquisa cientifica:
“Eu já tinha toda uma afinidade política e afetiva, então achei bom para a gente, enquanto coletivo, ter essa nossa ação sistematizada, porque a gente faz na prática uma ação de educação popular e a minha ideia foi sistematizar enquanto teoria.”
Organizar uma defesa em ambientes não acadêmicos
Esse processo de levar a banca avaliadora para fora do ambiente acadêmico, apesar de não ser muito conhecido, é algo que qualquer pessoa que esteja realizando uma pesquisa de pós-graduação pode realizar. Vários fatores têm que ser levados em consideração na hora de tomar essa decisão, como disponibilidade do local, documentação necessária, acesso a equipamentos, acessibilidade, como relata Carla: “meu orientador já tinha pensado na possibilidade de fazer a defesa no Bate Folha, então o passo seguinte foi comunicar ao programa de pós-graduação, solicitar os equipamentos necessários para a apresentação e a documentação a ser encaminhada. Então não tive dificuldade nesse processo”.
Iniciativas como a de Clara Lua e Carla Nogueira não apenas ampliam as visões da pesquisa acadêmica, mas também desafiam as barreiras impostas pelas desigualdades. Ao integrar suas experiências pessoais e comunitárias em suas pesquisas, essas acadêmicas contribuem para uma ciência mais inclusiva e representativa. Elas demonstram que o conhecimento produzido na universidade deve estar conectado com as realidades vividas fora dela, promovendo uma ciência que não apenas estuda, mas também valoriza as comunidades.