Pianista Jorge Saraiva fala sobre a turnê que comemora seus 25 anos de carreira
O concerto é gratuito e acontece no dia 24 de abril, no Museu de Arte da Bahia
Por Gleisi Silva
Jorge Saraiva, nascido em Macaé, cidade do Rio de Janeiro, é um talentoso pianista cuja trajetória profissional é marcada pela dedicação e paixão à música instrumental. Bacharel em Piano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), teve o privilégio de construir sua carreira sob a orientação de nomes como Miriam Grosman, Jenny Borges Bálsamo e Vilma Fatorelli. Sua habilidade e dedicação pelo piano o levaram a importantes palcos pelo Brasil e em países como Alemanha, Letônia, Polônia, França, Espanha e República Tcheca.
Participou de masterclasses ao lado de renomados pianistas, como Arnaldo Cohen, Luiz de Moura Castro, Nikolai Lugansky (Rússia) e Menahen Pressler (Alemanha). Foi professor nos Cursos de Extensão da UFRJ e coordenador de música da Casa de Petrópolis Instituto de Cultura. Atualmente leciona no Conservatório Brasileiro de Música e em outras instituições do Rio de Janeiro e Petrópolis, além disso coordena a série ‘Concertos Quinzenais’ (Petrópolis), e integra o elenco de ‘Um Sarau Imperial’, atividade regular do Museu Imperial de Petrópolis.
Com sua habilidade, Jorge Saraiva continua enriquecendo o cenário musical, e para comemorar seus 25 anos de carreira, o pianista percorre o Brasil e a Europa, com um repertório que marca sua trajetória. Em Salvador, o evento vai acontecer no dia 24 de abril, às 18h, no Museu de Arte da Bahia. E para contar mais sobre sua história e o que o público pode esperar do evento, a Agenda Arte e Cultura entrevistou o artista, confira.
Agenda Arte e Cultura: Como começou sua carreira musical?
Jorge Saraiva: Comecei a estudar música aos 13 anos, completo 38 em 2024. Quando tinha 12 para 13 anos, comecei a frequentar uma roda de choro no Rio de Janeiro que era comandada pelo Paulinho da Aba, percussionista de primeira linha que eu tinha visto tocar em um show da Beth Carvalho. Com o tempo fiquei amigo dos músicos e nos intervalos da roda, sempre pedia o cavaquinho emprestado e o dedilhava com muita curiosidade. Logo depois passei a fazer aulas, mas passado algum tempo, comecei a sentir falta de mais recursos no instrumento – O cavaquinho é incrível, mas possui algumas limitações óbvias pelo tamanho e número de cordas. Passei então a estudar violão, que eu já tinha e era um instrumento bem próximo ao que eu estava estudando. Decidi então que queria ser músico e entrei na Escola de Música Villa-Lobos, onde aos poucos fui conhecendo e me apaixonando pelo piano, ouvindo os colegas e professores pelos corredores da escola. E então eu, que estava decidido a estudar violão clássico, fiquei na maior dúvida de qual instrumento faria. Então um dia, indo à casa de uma prima que era excelente pianista (Jenny Borges Bálsamo, que seria a minha primeira professora de piano), conversei com ela sobre minha dúvida. Ela foi ao piano e tocou a ‘Valsinha’ de Chico Buarque e Vinícius de Moraes. Naquele momento eu tomei a minha decisão, mesmo sem ter piano na época. Estudava em um piano de brinquedo, de pilha, que minha irmã tinha… É o que mais amo fazer; é de fato uma necessidade!
A. A. C: Como você descreveria a sua jornada musical ao longo desses 25 anos de carreira?
J. S: Como uma teimosia [risos], parei de tocar algumas vezes nesses anos, fiquei alguns períodos apenas dando aulas. Mas o amor à música sempre me fez retornar. É realmente um sacerdócio, não é tocar apenas quando se tem vontade, é estudar cada passagem, cada nota com obstinação. Vivi e vivo momentos incríveis através da música, conheci muita gente, muitos lugares e hoje não me imagino fazendo outra coisa e sou muito grato por ter tido a oportunidade de escolher e seguir este caminho.
A. A. C: Quais foram os momentos mais marcantes ou significativos em sua trajetória como pianista?
J. S: Posso dizer de um modo mais amplo, como músico: em 2017, participei do Grand Prix of Nations, uma competição internacional em Riga (Letônia) com o grupo vocal do qual fazia parte. Havia coros de todas as partes do mundo, eram cerca de dez mil cantores. E nós fomos os únicos selecionados na América Latina. Antes das provas, havia a abertura oficial do evento com um desfile das delegações dos países participantes pelo centro de Riga, como se fosse Olimpíada. As pessoas se aglomeravam pelas ruas para ver as delegações e a nossa, do Brasil, foi uma das mais festejadas, os cidadãos nos acenavam e sorriam e, de repente, uma senhora que estava assistindo ao desfile veio em minha direção e me ofereceu alguns lírios. Sem nunca ter me visto, sem me conhecer. A cidade simplesmente parou para ver o desfile, foi muito emocionante. Tenho ótimas lembranças também de concertos que fiz na Alemanha e Polônia com repertório para piano exclusivo de compositores brasileiros. Tive também a alegria de ter feito algumas estreias, como uma que fiz na Rádio MEC do Rio de Janeiro: fiz a estreia brasileira de uma obra contemporânea, ao vivo, para todo o Brasil; foi uma experiência incrível…
A. A. C: Como você planeja este show especial em Salvador para comemorar seu aniversário de carreira?
J. S: Vou apresentar ao público soteropolitano algumas obras que fizeram e fazem parte da minha trajetória… Sempre que eu elaboro um repertório novo, procuro equilibrar obras que gosto, obras que o público gosta e espera ouvir e obras que eu necessito tocar. Desta vez o concerto em Salvador será uma seleção de obras que eu gostei muito de estudar e tocar, que me trazem boas lembranças e que evocam minha trajetória ao longo desses 25 anos de música.
A. A. C: Pode nos contar um pouco sobre o repertório que será apresentado neste concerto comemorativo?
J. S: Claro! O programa começa com a Pavane pour Une Infante Défunte, escrita por Maurice Ravel em 1899 e que foi orquestrada pelo próprio compositor onze anos depois (a versão mais conhecida) e que tem um tema muito lindo que foi apresentado a Ravel por seu professor à época, Gabriel Fauré. Em seguida, as Cenas Infantis do alemão Robert Schumann, compostas em 1838 e que fazem referências a cenas da infância, através de títulos que nos levam a diferentes imagens. Como é praticamente impossível falar em piano sem mencionar Chopin, vou tocar dois noturnos e duas valsas do mestre polonês que se dedicou quase que exclusivamente ao piano em sua trajetória composicional. E não poderia deixar de fazer referência à música brasileira: de Heitor Villa-Lobos, A Lenda do Caboclo e o Chôros n° 5; este integra uma série monumental de doze Choros nas mais diversas formações instrumentais e, segundo o próprio Villa-Lobos, são obras que resumem o Brasil. E encerrando a noite com um dos primeiros compositores que toquei: Ernesto Nazareth, ícone da música brasileira, fazendo um retorno ao meu início nas rodas de choro no Rio de Janeiro.
A. A. C: Quais são as suas expectativas e emoções ao se apresentar em Salvador, uma cidade tão rica em cultura e história?
J. S: Tocar em Salvador é uma honra e alegria enorme! A Bahia é o início do Brasil e Salvador recebe a todos, abriga a todos, sem distinção; todas as culturas, sons e sabores. Tenho uma relação muito forte com a Bahia através da música, da culinária, do mar e da literatura de Jorge Amado, meu escritor favorito… É muito emocionante tocar em meio a essa energia e fico muito feliz por começar as comemorações dos 25 anos nessa cidade tão linda!
A. A. C: Como você enxerga a evolução da sua arte ao longo desses anos e como isso se reflete na sua música hoje?
J. S: A busca principal deve ser a qualidade do som, pensar o piano como um instrumento de projeção e fazê-lo cantar. É enxergar a obra além das notas escritas na partitura, compreender o texto. Ao longo dos anos, fui desenvolvendo esse cuidado com o som, tendo uma ideia clara de como tal obra deve soar antes de pôr as mãos no piano. O estudo é um caminho para chegar àquela imagem pré-concebida. E saber como estudar uma obra é de total importância: hoje em dia preparo uma obra com muito mais eficiência. E minha relação com o som mudou muito nos últimos anos e, embora a gente tenha sempre que recriar uma composição a partir de uma visão técnica baseada em conhecimentos estilísticos, históricos e estéticos, é inegável que exista um filtro pessoal – a música acaba sendo um reflexo de quem você é, do que viveu, por onde passou. O som se apura com a maturidade…
A. A. C: Você teve alguma influência específica ou mentor ao longo da sua carreira que o ajudou a moldar seu estilo e técnica no piano?
J. S: Tive três professoras ao longo da vida que foram e são muito importantes na minha formação: Jenny Borges Bálsamo e Vilma Fatorelli, que foram minha primeiras professoras (infelizmente não estão mais aqui) e Miriam Grosman, na minha graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E as influências “externas”: Vladimir Horowitz, Nelson Freire e Martha Argerich.
A. A. C: Além do show em Salvador, há outros projetos ou colaborações especiais que você está planejando para celebrar este marco na sua carreira?
- S: Sim, será um ano agitado! Vou comemorar também em algumas cidades de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, um concerto em Brasília e uma excursão pela Europa.
A. A. C: Como você vê o papel da música ao vivo e dos eventos culturais na construção e preservação da identidade cultural de um país com tanta diversidade cultural?
J. S: Primeiro, é fundamental que haja espaço para tudo: o Brasil é continental e são vários “Brasis” (se me permite o neologismo) dentro do nosso território, cada um com suas expressões culturais específicas. Promover música, literatura, teatro, é uma questão de sobrevivência como nação e afirmação de nossas identidades e temos que reforçar com essas iniciativas que cultura não é de modo algum algo supérfluo, porque sempre que há uma crise, este geralmente é o setor que mais sofre. Fazendo música e me dedicando tanto ao repertório europeu quanto ao brasileiro, desejo que cada vez mais esses “Brasis” sejam latentes e sejam vivenciados por nós. Por exemplo: ao final do concerto na Alemanha que citei acima (com repertório exclusivamente brasileiro), uma senhora veio me cumprimentar dizendo que não sabia que o Brasil produzia música assim… Inacreditavelmente, já ouvi coisa semelhante no Brasil…! Então é fundamental que a gente descubra o Brasil…
A. A. C: Que mensagem você gostaria deixar aos que estão ansiosos para assistir ao seu concerto em Salvador?
J. S: Quero deixar aqui o meu convite ao público de Salvador para uma noite de troca, uma oportunidade de ouvir música que vai desde o choro do Rio de Janeiro até uma dança folclórica da Polônia. Vamos viajar no tempo percorrendo 25 anos e curtir um repertório que foi preparado com muito carinho. Posso garantir que será um concerto cheio de axé!