Cadeira sem pudor, deficiências sem tabus

“Cadeira falando sem pudor”  marca última edição de 2013 do programa Ufba em Paralaxe

*Por Gustavo Salgado

É comum que se diga que a universidade não se abre para a sociedade, mas de acordo com Dulce Aquino, Pró-Reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae), a situação é justamente o oposto. A performance Cadeira falando sem pudor, apresentada na terça-feira (17), mostrou um eco na sociedade.

Contrariando um comportamento comum que acontece em eventos do meio acadêmico – frequentado principalmente por estudantes e professores universitários, além dos círculos já conhecidos de intelectuais e artistas fregueses –, Cadeira falando sem pudor deu continuidade ao objetivo do projeto Ufba em Paralaxe de aproximar o contato entre universidade e sociedade (em uma noite chuvosa de terça-feira, é importante ressaltar).

Possibilitar que a pequena Isabele cresça em um meio de tolerância e respeito a todos foi o que motivou o casal Carla Fernanda e Felipe Ávila, pais da menina, a assistirem em família a apresentação. Eles viram o anúncio do evento em um outdoor e decidiram ir devido à importância do conhecimento sobre sociabilidade e igualdade para sua filha. Uma prova do diálogo e diminuição das barreiras entre os espaços internos e externos da Federal da Bahia.

 

Foto: Rayssa Guedes
Foto: Rayssa Guedes

“Não adiantam só as leis. São importantíssimas, mas temos de mudar os hábitos e os costumes, o tratamento com o outro no cotidiano”, avalia Dulce, que ainda aponta que em relação à inclusão social “a gente tem de trabalhar, trabalhar e trabalhar”. E deseja um “2014 super tolerante [em relação às diferenças]”.

A performance trouxe um pouco das dificuldades diárias dos cadeirantes (realidade que também se estende a outras deficiências motoras). A dramatização em tempo real interage com um vídeo-documentário. A temática do cotidiano dos portadores de deficiências provoca o desconforto, principalmente nas pessoas “normais”, e esse é um dos objetivos da artista performer Estela Lapponi, idealizadora de Cadeira falando sem pudor. Estela utilizou a própria deficiência como realidade e ponto de vista para criar – ela não é cadeirante, mas convive com sequelas físicas de um AVC (acidente vascular cerebral).

Foto: Rayssa Guedes
Foto: Rayssa Guedes

O processo de criação da obra começou com a experiência que Estela teve em Operato, de Verônica Cordeiro, com o espetáculo Cadeira (em que ficou imóvel durante quatro horas). O que a motivou a partir daí foram as reações das pessoas. Pediu então a Verônica permissão, que foi concedida, para criar uma performance a partir de Cadeira, para dar voz ativa aos problemas cotidianos e dificuldades enfrentados pelos deficientes nas ruas.

Arte em cena A apresentação começa com a protagonista, Lapponi, sentando na cadeira e a sua ajudante pedindo auxílio a alguém da plateia para levá-la ao palco. E, antecipando as doses de realidade que seriam apresentadas na mistura de ficção com documentário, o vídeo avisa que “qualquer relação com a realidade não é mera coincidência”.

Algumas dúvidas são trazidas à tona: a exemplo, “será que as pessoas com deficiência não saem às ruas porque as ruas não têm acessibilidade, ou as ruas não têm acessibilidade porque as pessoas com deficiência não saem às ruas?”.  Mas a própria película responde ao apontar que a pessoa com deficiência não é considerada socialmente, sendo essa a impressão que fica. Há uma acessibilidade maquiada, há uma linha invisível que separa o normal do anormal, do especial. “Leis e mais leis podem ser criadas, mas a consciência humana está em déficit”, traz o vídeo que também aponta o perigo do assistencialismo. A diversidade e a diferença ainda não são vistos de maneira positiva devido a paradigmas arraigados (que devem ser quebrados para não possibilitar uma ainda maior segregação social).

Após a obra apresentada, o público presenciou um debate entre os artistas, militantes dos direitos dos deficientes, a equipe da Proae e todos os presentes.

Foto: Rayssa Guedes
Foto: Rayssa Guedes

“Eu escolhi ser um cego escrotão, cansei de ser um cego bonzinho. Não gosto de ser um coitadinho, prefiro ser um sacanão. É difícil, porque eu sou um cara derretido, mas eu me esforço”, afirmou em tom descontraído Evangel Vale, combatendo a típica pena que media a interação dos “normais” com os “não normais”.

“A inclusão exclui, a inclusão isola” anunciou Estela Lapponi ao ler a segunda parte do Manifesto Anti Inclusão, texto que critica os tradicionais e equivocados mecanismos de inserção social igualitária. E finaliza defendendo a arte-liberdade, e propondo se repensar o significado que carregam as palavras arte inclusiva. “Não é estático, é troca. Arte valoriza o que não é igual, o que não é homogêneo. A arte é facilitadora de inclusão”.

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