Resumão: confira o que rolou na primeira semana do Congresso Virtual da UFBA

Sistema prisional, violência doméstica e pandemia foram assuntos discutidos nesta semana

Por Geovana Oliveira, Laiz Menezes e Luana Lisboa*

A semana rendeu para quem acompanhou a programação intensa do Congresso Virtual da UFBA. Em alguns momentos foi até difícil decidir em qual sala ficar e qual discussão acompanhar. A Agenda Arte e Cultura cobriu algumas dessas discussões e fez esse resumão do que rolou.

Abertura
O ato de abertura do Congresso Virtual da UFBA foi marcante. Teve a participação do reitor João Carlos Salles, com um discurso importante sobre a universidade e o seu contexto em tempo de pandemia do coronavírus. Claro que não podiam faltar intervenções artísticas nesse grande evento. A intervenção Alabês saúdam a UFBA teve participação do coord. prof. Iuri Passos, Mario Ulloa e Lazzo Matumbi. Confira como foi:

 

Mia Couto: ‘A natureza não se organiza para punir o homem’
Mediada pelo antigo vice-reitor da UFBA, Paulo Miguez, e com a abertura feita pelo atual reitor, João Salles, a palestra do escritor moçambicano Mia Couto tratou da dimensão cultural no combate ao coronavírus e os impactos não democráticos ao redor do mundo. A transmissão aconteceu no dia 20 de maio, no Youtube.

O palestrante abriu o evento homenageando o escritor brasileiro Sérgio Sant’Anna, vítima do coronavírus. Falou sobre o cenário pandêmico em Moçambique, país até hoje sem óbitos e com a maioria dos casos assintomáticos, segundo Mia, graças à rapidez nas medidas tomadas pelo governo para contenção dos casos. Também respondeu perguntas sobre o mercado do livro pós-pandemia, com o possível aumento de vendas de e-books nos nossos países, e até sobre o papel da arte durante o isolamento.

O escritor também opinou sobre alguns discursos que têm se tornado populares nessa época. “Às vezes me perguntam se a pandemia é uma espécie de castigo que a natureza está a infringir por causa de comportamentos humanos. A natureza não se organiza para punir o homem, não temos essa importância. É evidente que há culpados que tem nomes, mas esse culpados não são os cidadãos”. Por fim, respondeu perguntas que abordavam desde o racismo científico até a forma que o autor vê a atual situação política brasileira, que descreveu como sendo “uma outra pandemia, uma outra doença”. Aproveite para conferir o vídeo:

Sistema prisional e pandemia
O segundo dia de Congresso Virtual da UFBA contou com questionamentos sobre o sistema prisional brasileiro e, principalmente, sobre como ele deve operar para garantir a saúde dos encarcerados durante a pandemia. Mediados pela professora de direito penal da UFBA, Alessandra Prado, cada convidado da mesa teve cerca de 15 minutos de fala.

O diretor do Ilanud (Instituto Latino Americano para Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente das Nações Unidas), Douglas Chavarrías, abriu a discussão. Chavarrías falou sobre formas de diminuir o contágio da doença dentro do sistema carcerário, explicando que a superpopulação nas cadeias é um dos maiores fatores de risco para a população carcerária, já vulnerável. “A situação de pandemia pode abrir uma discussão sobre se é realmente necessária toda essa quantidade de pessoas privadas de liberdade. Isso mostra que é possível repensar os sistemas penais”.

Já o pesquisador e doutourando da Universidade Nova de Lisboa, Marco Henriques, trouxe um pouco dessa realidade em Portugal. O país tomou medidas para o desafogamento do sistema prisional, como a concessão de perdão aos presos cujas penas faltavam menos de 2 anos para serem cumpridas.

A presidente da Comissão da Mulher Advogada e professora da UFBA, Daniela Portugal, denunciou o sistema carcerário atual do Brasil como sendo uma continuidade do passado de escravidão do país. “Não podemos dizer, então, que vivemos no período pós abolicionista, pois não é uma página superada. O isolamento para pessoas pretas e pobres já existe e os corpos privados de liberdade, ao longo dos séculos, possuem a mesma cor. Nós não viramos essa página”.

A continuidade foi dada pela professora da UFBA, Elenice Ribeiro. Ela fez um panorama acerca das provocações que têm sido feitas ao Poder Judiciário para que se manifeste acerca do sistema carcerário. Concluiu que não tivemos muitas respostas desse Poder, justamente porque ele é parte do Estado, que também pratica a necropolítica. Por fim, o doutorando da UFBA, Cleifson Dias, aprofundou-se na questão da necropolítica, a partir de análises de filósofos e concluiu: “O sistema carcerário é o local onde a necropolítica vai ocorrer sem nenhum tipo de limite”. Confira a discussão:

 

Debate violência contra mulher na pandemia
Como proteger as mulheres e garantir a sua segurança no contexto de pandemia e isolamento social? Essa inquietação deu origem ao debate “A violência contra mulheres em tempos da pandemia de coronavírus”, ocorrida na manhã do dia 21 de maio, no YouTube. A discussão foi mediada pela Maíra Kubík, professora adjunta do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Ufba. A mesa reuniu ativistas que trabalham com essa questão. 

A transmissão ao vivo teve entre 400 e 500 acessos simultâneos, com espectadores bastante interativos. foi aberto pela a educadora e ex-secretária nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, que questionou: será que a violência aumentou ou se tornou mais visível? Ela também afirmou que o isolamento escancara a casa como um ambiente inseguro para essas vítimas. “Como que as pessoas dessa minoria vão ligar para denunciar a agressão em em um lar com sala e quarto? como que foge em um contexto de isolamento?”, questionou.

A presidente da TamoJuntas, Laina Crisóstomo, explicou que esse é o momento das pessoas ajudarem, de denunciarem quando presenciarem ou escutarem alguma situação de agressão, afirmando que “isso é feminismo, isso é sororidade”. Ela chamou atenção para a impossibilidade dessas vítimas denunciarem a violência sofrida, já que elas vivem com seus  agressores.  “Podemos acessar medidas protetivas, podemos tirar porte de arma de agressor, tirar ele de casa… A dificuldade é fazer com que as mulheres entendam e consigam ter acesso a isso”, declarou.

A assessora técnica da ONU Mulheres na área de enfrentamento à violência, Wânia Pasinato, alertou para o que é publicado na mídia, para não se enganar com informações não confiáveis. Muitas vezes, a mulher não denuncia o caso na delegacia, mas procura outras formas de pedir ajuda e, segundo Wânia, ao pegar somente dados de unidades policiais, por exemplo, as pessoas acabam vendo somente um lado história. A antropóloga Cecília Sardenberg explicou que o país foi perdendo os aparatos do Estado que servem para prestar assistência a mulheres e ressaltou a importância de ter um orçamento para auxiliar essas vítimas. 

Ficção e fake news
A diferença entre a ficção na literatura e nas fake news foi abordada por José Miguel Wisnik, conhecido músico e professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP), nesta sexta-feira (22), na sala virtual E.  A mesa nomeada “Ficção Ou Não: Literatura, Fake News, Ativismo Identitário” foi transmitida ao vivo para cerca de 300 pessoas no Youtube e no Facebook. Mediada pelo antigo vice-reitor da UFBA Paulo Miguez, seria composta também pelo professor Albino Rubim, que por questões de saúde não pôde comparecer.

Em uma aula, como chamaram os espectadores, com muita poesia e diversas referências, Wisnik buscou equacionar a ficção na literatura, a ficção nas fake news e como o ativismo identitário pode ser um instrumento importante meio às notícias falsas. Dialogando com obras do professor Alexandre Nodari, Universidade Federal do Paraná, e da escritora Clarice Lispector, se propôs a recuperar a ideia do que é a ficção literária, como ela opera e por que é fundamentalmente oposta ao procedimento das fake news. “As fake news se aproveitam de atributos da ficção para invertê-la”, afirma.

O professor citou falas do presidente Jair Bolsonaro para se referir às notícias falsas e à cultura da violência. Para ele, os dois são indissociáveis. “A morte de Marielle [Franco] veio acompanhada de notícias falsas propagadas nas redes sociais. Essas versões completam o trabalho do assassinato na forma de disparos narrativos, que equivalem a um assassinato verbal”, diz Wisnik.  

Ao final da palestra, após discorrer sobre o ativismo digital, recebeu perguntas que misturavam temas como marxismo, literatura, cultura e identitarismo. Questionado sobre suas perspectivas para a cultura brasileira no contexto política atual, foi categórico: “Não há nada a esperar do governo a não ser esse desmonte”.

*voluntárias da Agenda Arte e Cultura

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