Conheça projeto de extensão que promove a inclusão sociodigital em Salvador
O programa realiza ações ligadas ao uso das tecnologias da informação e comunicação com o objetivo de promover a inclusão digital de pessoas que não tem acesso
Por Luana Gama
Se nos tempos atuais parece algo surreal muitas pessoas ainda não terem acesso à internet, em 2004, ano em que o Programa Onda Digital UFBA foi criado, o debate sobre a inclusão digital era raso. E o projeto permanente de extensão para auxiliar a população sobre o uso das novas tecnologias. Pertence ao Departamento de Ciência da Computação (DCC) do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente é coordenado pela professora Débora Abdalla.
Em 1996, a internet comercial começou a decolar no país, anos se passaram desde então e mais da metade dos domicílios no país contam com este serviço. Por outro lado, muitos lugares do Brasil permanecem desconectados, cerca de 39,4 milhões de pessoas com 10 anos ou mais de idade não utilizaram a internet em 2016, ano em que os dados foram coletados pelo IBGE. Entre os motivos para a não utilização da internet, a falta de habilidade e o custos com o serviço estão entre o principais problemas.
Por isso, o Onda Digital tem como objetivo principal do programa difundir a inclusão sociodigital através do software livre, envolvendo toda a comunidade acadêmica e principalmente os estudantes de computação, em ações de democratização do uso da internet para pessoas que não possuem este conhecimento, em prol da inclusão sociodigital. Débora considera importante esse tipo de iniciativa, já que atualmente vivemos na era da tecnologia e da informação, e que no país, está não é a realidade de todos.
Débora Abdalla conta que, na época, a internet estava se popularizando e surgiu a necessidade de capacitar uma parte da população que não tinha acesso a este serviço. A universidade, até então, não oferecia nenhuma ação de inclusão sociodigital. Até que um grupo de alunos do curso de computação realizou um projeto de informática básica destinado aos jovens de baixa renda de alguns bairros de Salvador.
Ela relata que houve um desejo por parte dos membros em dar continuidade às ações. “Os que participaram quiserem resgatar essa preocupação com o social, de uma forma que pudéssemos contribuir um pouco do nosso conhecimento, dividindo para quem não tem acesso”, relembra. Em 2014, com o apoio dos professores do DCC, o programa ganhou um grupo de pesquisa: Grupo de Pesquisa e Extensão em Informática, Educação e Sociedade (Onda Digital – UFBA).
São oferecidos pelo programa cursos e oficinas de informática, iniciação à programação, manutenção de microcomputadores, games, software, robótica entre outros na área de informática e tecnologia. Os cursos são oferecidos dentro da universidade ou em outras unidades através de parcerias com ONGs, hospitais, escolas e outros espaços.
O programa tem ainda capacitação para professores da educação básica e estudantes de Licenciatura e conta com a disciplina de ACCS (Ação Curricular em Comunidade e Em Sociedade), MATC53: Onda Solidária de Inclusão Digital – Tecnologia a serviço da cidadania. Durante a disciplina, os estudantes desenvolvem ações de educação com atividades que envolvem tecnologia e internet junto à comunidade.
Fácil acesso
Além dos cursos, são promovidos eventos e palestras para debater temas ligados às áreas de atuação do programa, como internet, fake news, ciberativismo, tecnologia livre e outros. Neste mês de Setembro, o programa lançou o projeto Café Digital com o intuito de ser um fórum de discussão sobre ciência, tecnologia, cidadania e contará com participação de especialistas nesses assuntos. O Café Digital terá ao todo cinco edições ao decorrer do ano e será realizado no Mezanino Digital.
Todo conteúdo ofertado nas ações do programa é ministrado para uma fácil compreensão de quem não entende nada sobre tecnologia possa absorver as informações sem dificuldade. Os instrutores dos cursos são os próprios estudantes de informática do departamento, o que facilita na disseminação da tecnologia por possuírem um conhecimento aprimorado na área.
Débora destaca o aspecto dinâmico e multidisciplinar em que os cursos são ministrados, contribuindo para uma melhor formação de quem participa. “A linguagem usada na sala de aula é muito próxima do público jovem, mais descontraída, não tem aquela tendência academicista que nós professores temos. Fica até mais fácil propor essa pedagogia mais descontraída”, aponta.
Software Livre
Desde o início das atividades, o programa se baseia nas filosofias do software livre para o desenvolvimento das ações. Software livre é qualquer programa de computador que pode ser executado, copiado, modificado conforme as necessidades do usuário e distribuído gratuitamente e que não visa a obtenção do lucro, já que a maioria dos softwares não precisam do pagamento de licenças para o uso. Todo o processo é feito de forma legal.
A professora acredita que esse princípio é essencial na difusão da tecnologia na sociedade. “Democratização do uso da tecnologia com tecnologia proprietária não combina”, salienta. Outro ponto destacado é a autonomia de escolha por parte do usuário, em que pode optar por programas de uma empresa de preferência e não de uma predefinida pelo sistema operacional.
Ela comenta também que uma parte da população desconhece esse tipo de iniciativa, o que favorece na utilização ilegal de programas, o conhecido “Cracker”. Um do motivos para a falta desse conhecimento, se dá ao fato de existir uma “guerra” por partes das grande empresas de tecnologia em que sua maioria, não apoiam projetos de divulgação da tecnologia livre. “As empresas querem o monopólio para lucrar. Existe uma guerra política e econômica”.
Débora está no programa desde o início e conta que no passado, havia uma maior política de incentivo em projetos de software livre e democratização digital. Ela comenta que atualmente, poucas são as verbas do governo federal destinadas ao programa. “Com essa reviravolta política, os programas despencaram. Foi uma coisa assustadora. Hoje, eu diria que o governo não investe nesses projetos”, lamenta.
Interdisciplinaridade acadêmica e responsabilidade social
Um dos benefícios para os membros dos projetos é a possibilidade de pôr em prática o que aprendem em sala de aula, em contato com pessoas da comunidade. O estudante do 4° semestre do curso de Licenciatura em Ciências da Computação João Pedro Santana participa das atividades do programa como bolsista há cerca de 6 meses. João Pedro conta que conheceu o programa pelos comentários de alguns amigos que participam das ações.
Ele coordena o projeto Computação Desplugada Interdisciplinar, que tem como objetivo levar os conhecimentos da computação através de atividades que mesclam os conteúdos que são ensinados nas escolas do ensino fundamental e médio, com fundamentos da computação sem utilizar o computador. Antes de ser bolsista, ele foi monitor voluntário de um curso de informática no bairro de Pau da Lima, o que o motivou em querer participar ativamente do programa
Para ele, faltava algo que complementasse a sua vida acadêmica e passou a buscar dentro da universidade algo despertasse o seu interesse para além do conteúdo acadêmico.
“Eu precisava de algo a mais na minha formação do que apenas entrar e sair da sala de aula, e comecei a procurar algo que me fizesse viver a universidade de uma forma diferente”, esclarece João.
Outro motivo que o fez se interessar pelo programa foi a possibilidade de contribuir para a sociedade, ajudando outras pessoas que não têm acesso à internet. Mais do que o conhecimento do curso que ele aplica, o Onda Digital o fez desenvolver um lado mais humano, como ele mesmo conta. “O onda me ensinou a pensar diferente, principalmente pensar no próximo e dar um retorno a sociedade. Estamos em uma universidade pública, parte disso é pago pela sociedade. Temos que entrar, aprender e dar esse retorno de alguma forma”, diz.
Alana de Souza, estudante do 8° semestre do curso de Ciências da Computação, soube do programa quando estava cursando Pedagogia, curso que não terminou. Na época, A ACCS do Onda estava oferecendo curso de informática para pacientes atendidos pelo GRAACC (Grupo de Apoio à Criança Com Câncer) e decidiu se tornar monitora voluntária do projeto. Assim como João Pedro, Alana se interessou pelo programa por conta da possibilidade em desempenhar um trabalho voluntário. “Essa experiência foi bem proveitosa, foi mais engrandecedor para mim do que para eles. Era algo que eu queria muito fazer”, conta Alana.
Alana atualmente é coordenadora do laboratório de informática Mezanino Digital, localizado na biblioteca central no campus de Ondina. O local surgiu por conta da necessidade do programa em realizar as ações dentro da universidade e ser um espaço em que os estudantes tenham acesso à Internet de forma gratuita. No Mezanino acontecem cursos, oficinas, palestras, onde serão realizadas também as edições do Café Digital.
O Mezanino Digital possui computadores com acesso a internet e um espaço para estudos. Todos os equipamentos utilizam software livre. O espaço é aberto ao público interno e externo, das 08h às 12h de Segunda à Sexta, com a presença de um monitor ou da coordenadora. Alana diz que os próprios estudantes da universidade desconhecem a existência do espaço.
Elas na tecnologia
Dentre os projetos desenvolvido pelo programa está o Meninas Digitais – Regional Bahia que faz parte do Programa Meninas Digitais. O programa possui diversos polos de atuação pelo país, na Bahia, conta com o apoio do Onda Digital dentro da universidade. O objetivo deste projeto é fomentar o ingresso, inclusão e participação de mulheres nas áreas ligadas à tecnologia.
O grupo também apoia outros projetos dentro do Estado que trabalham com a mesma temática. Dentro da UFBA, o programa oferece um curso de iniciação à programação de computadores, com turmas e monitoras compostas por mulheres. Até o momento, cerca de 60 mulheres foram capacitadas ao longo de sete turmas.
Juliana Oliveira é estudante de Sistemas da Informação na UFBA, coordenadora do projeto e conta que durante às aulas do curso, às participantes se sentem mais confortáveis por estarem em um ambiente feminino já que a área ainda é predominantemente masculina e algumas mulheres temem sofrer discriminação. “A gente vivencia isso dentro da sala de aula na faculdade. Muitas vezes, algumas alunas do instituto relatam que sentem vergonha de perguntar algo porque na maioria das vezes, é só ela de mulher. Percebo que durante as aulas do cursos, as mulheres se sentem mais confortáveis, sem medo de errar e ser julgada”, comenta Juliana.
Para mais informações sobre todos os projetos e ações que o Programa Onda Digital oferece, podem ser encontradas através do site www.ondadigital.ufba.br e na página facebook.com/ProgramaOndaDigital.