“Literatura não se ensina, o que se ensina são os estudos em literatura”, defende pesquisador
Em entrevista, Igor expõe seu ponto de vista sobre o que é ser um escritor e defende que não dá pra ensinar a ser artista
Por Kelven Figueiredo e Lucas Arraz
Igor Rossoni possui graduação em Arquitetura e Urbanismo , Mestrado em Letras, com área de concentração em Teoria da Literatura. Seu Doutorado e Pós-Doc também são em Letras, o primeiro com área de concentração em Literatura Brasileira (1998). Rossoni também é professor da UFBA, ensaísta e escritor, com experiência na área de Letras com ênfase em Literatura Brasileira, Teoria da Literatura e Literatura Comparada. Atuante nos temas de literatura brasileira, teoria da literatura, narrativa e poesia contemporâneas, criação literária, literatura e religiosidade. O pesquisador possui 14 publicações entre livros, textos literários e textos sobre literatura e, atualmente, ministra a matéria Criação Literária no ILUFBA. Em entrevista à Agenda Arte e Cultura da UFBA, ele expõe seu ponto de vista sobre o que é ser um escritor e defende que não dá pra ensinar a alguém a ser artista, segundo ele isso já nasce com o indivíduo.
Agenda Arte e Cultura: Na sua opinião, o que é um escritor?
Igor Rossoni: É importante deixar claro que escrita criativa é uma coisa e criação literária é outra completamente distinta. Criativo todos nós somos, inclusive é isso que nos diferencia do nosso irmão mais próximo: o macaco. Se o problema fosse apenas ser criativo, todos nós seríamos artistas, seja lá em qual modalidade ou código fosse. No entanto apenas uma parcela de humanos tem o dom da escrita literária. Eu creio que ninguém pode ser tornar um artista, porque o artista é como um estado de vitalidade e essencialidade e isso não se ensina, já nasce com ele.
AAC: Como alguém descobre se tem em estado de vitalidade para a escrita literária?
IR: Escrevendo. O que vai dizer se o seu texto é ou não literário é a qualidade estética do seu texto. A construção da totalidade na unidade como se fosse o que é, muito mais do que o que tem. A natureza vital do texto literário é a expressão materializada de um conhecimento possível do ser humano e nós só temos quatro conhecimentos possíveis: o religioso, filosófico, científico e o artístico.
O artista é como um estado de vitalidade e essencialidade e isso não se ensina
AAC: Como você se descobriu escritor?
IR: Foram anos de muita batalha, até porque eu não venho das letras. Eu fiz arquitetura e em um belo dia me deu “uma coisa”. Se você me perguntar hoje, eu sei o que foi aquela coisa, mas no momento eu não saberia dizer o que era. De coisa em coisa eu juntei tudo em um livrinho e publiquei. Naquele momento, eu tinha feito algo, mas não tinha consciência do que estava fazendo. Alguns anos depois eu publiquei outros dois livrinhos com consistência formal. E então a vida me levou até o mestrado onde fiz um curso sobre a evolução do gênero lírico. Durante os seis meses do curso, eu comecei a ouvir todas as palpitações que tive, mas nunca conseguia verbalizar. Depois eu fiquei 5 anos sem escrever uma linha, para então depois vir uma enxurrada de informações. E só depois desse recesso veio um tempo de muita escritura porque eu finalizei o mestrado, no qual escrevi 6.000 páginas e depois o doutorado.
IR: A coisa não tem nome, você pode chamar do que você quiser. Paul (Zumthor) chamava de efeito poético, Otávio Paes chama de imagem, mas é essa coisa que acontece e torna um texto esteticamente elaborado. Ele precisa ser puro e significante, precisa ser e não ser e ter vários significados. E a única forma de ele ser puro e significante é sendo construído com ambiguidade.
Escreve melhor quem lê com qualidade e preocupado na leitura de textos literários
AAC: Você concorda que “escreve melhor quem lê mais”?
IR: Não, isso é uma meia verdade. Eu acredito que escreve melhor quem lê com qualidade e preocupado na leitura de textos literários não com a “historinha” apresentada. Mas em olhar e observar como aquele narrador resolveu os problemas de retórica, quais jogos de linguagem são usados e é isso que traz diferencial ao texto. Afinal, não existe nenhuma história que não tenha sido contada ainda, o diferencial está em como essa história é contada. Você tem sempre que estar indignado consigo mesmo e com o texto que você promove, eu costumo dizer que o texto começa a ficar meia-boca após a trigésima reescritura dele. Escrever é um trabalho contínuo.
AAC: Qual o erro mais comum cometido por escritores iniciantes?
IR: Eu não diria bem erro, mas isso faz parte do processo. No entanto, o erro mais comum é não conseguir uma identidade digital própria. Isto é: Machado de Assis escreve como Machado de Assis e entre outros fantásticos escritores que conseguiram atingir a impressão digital. Impressão essa que vai muito além do estilo, não me refiro a estilo, mas àquele sujeito que gosta muito de Manoel de Barros e seus primeiros escritos lembram muito Manoel de Barros.
Na Bahia tem muita gente produzindo e produzindo com qualidade
AAC: O que é um bom personagem e como criá-lo?
IR: Um bom personagem é um personagem consistente que se relaciona muito bem com o contexto em que está inserido. Outro fator importante é ter cuidado com o percurso do personagem e por fim ter cuidado ao escolher o nome. Este deve dizer mais que o próprio nome porque possui um papel fundamental no processo narrativo.
AAC: Como você enxerga o cenário atual de criação literária baiana?
IR: Na Bahia, felizmente, tem muita gente produzindo e produzindo com qualidade. Mesmo aos trancos e barrancos, nós temos o privilégio dos editais e isso ajuda muito, tanto no incentivo quanto na veiculação do material.
O que diz se o texto é ou não literário é a qualidade estética
AAC: Boas ideias vem do sentimento ou da racionalidade?
IR: Depende do indivíduo, porque o ato criador é sempre individual, por isso depende do processo de individualização que esse ser se impõe. Seja por intuição ou por construção.
AAC: Como fazer para publicar um livro?
IR: São três caminhos. O primeiro é fazer cópias e mandar para todas as grandes editoras, sabendo que as editoras recebem cerca de 1.000 ou 2.000 exemplares desses por dia, então a chance de sucesso desse método é mínima. O segundo caminho é arcar com a própria publicação e o terceiro seriam os editais.
Grande Igor! Saudade. Na Bahia tem gente produzindo e muito; e desde muito tempo. Não estou falando dos imortais não. Existem escritores notáveis nas gerações seguintes; os da geração 80, os da geração 90, da qual faço parte, e por aí vai, e por aí vem. Além disso tudo que você disse, vale lembrar que os escritores da Bahia estão sendo vistos por editoras de fora do estado. O cenário não para, nunca parou. Acho que a defasagem é do leitor baiano.
Abraço, Igor!
Verdade não se ensina um estilo literário,mas,podemos nos apropriar de um estilo,para isso é necessário ler milhares de livros e repetir a leitura de alguns deles de forma incansável…quando então deve-se escrever,escrever,escrever e escrever…..
Perfeita sua colocação. Grande Ildásio Tavares, de saudosa memória, no final dos anos 90, ao ser indagado numa entrevista sobre qual conselho ele daria aos novos escritores, ele respondeu que deve-se ler mais que escrever, escrever mais que publicar. A proporção é esta, a meu ver.