A produção do subjetividades em Linhas Escritas, Corpos Sujeitos

Em entrevista à Agenda Arte e Cultura, o pesquisador Sandro Ornellas aborda o processo de tornar-se sujeito e produzir subjetividades.

Por Yananda Lima

Sandro Ornellas é professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia e entre seus trabalhos de pesquisa – no qual utiliza-se das literaturas de língua portuguesa como objeto de estudo – está presente o processo de subjetivação. Autor de quatro livros, em Linhas Escritas, Corpos Sujeitos, Ornellas aborda justamente esse processo de tornar-se sujeito e produzir subjetividades.

Resultado de tese defendida em 2006, o livro foi concluído em 2010 e publicado no final do ano passado pela editora LiberArs. “Considero importante publicá-lo, mas posso afirmar que hoje já me distanciei deste ponto de partida e espero trazer um dia novos encaminhamentos.” afirmou o autor em entrevista à Agenda Arte e Cultura. O lançamento acontecerá amanhã (05/03) das 11h às 17h na livraria Boto-cor-de-rosa, na Barra. Confira a entrevista completa.

Agenda – Subjetivação e performatividade são noções fundamentais para o percurso crítico desenvolvido no livro. Como você os caracterizaria e qual a relação entre eles?

Sandro Ornellas: Ambas são noções ligadas aos traços da discursividade presente no corpo, que me esforço em abordar na sua ação produtora de sentidos, ou seja, o corpo enquanto agente de atos enunciativos. É o ato que constitui o sujeito da enunciação, logo o sujeito é efeito de um processo cuja performance é por excelência manipulação retórica (sem qualquer valor pejorativo para a expressão). Além disso, apesar de não abordar textos orais, parto do pressuposto de que não há diferença efetiva entre discursos escritos e orais, pois ambos resultam de gestos (escrever e falar) do corpo.

Agenda – Os processos de subjetivação produzem personagens conceituais diferentes, abordados no primeiro capítulo do livro através do cortesão, do dândi e do nômade. Como se deu a escolha deles três e porquê eles caracterizam tão bem os processos de subjetivação ao longo da história?

S.O.: Sem dúvida não são os únicos personagens conceituais, mas foram os que mais me ajudaram a compreender em uma dimensão histórico-literária esses processos. Em todos eles, eu estava em busca de figuras que concentrassem algumas das contradições de cada época e, ao mesmo tempo, me ajudassem a entender as transformações histórico-discursivas. Na verdade, os séculos XVI, XVII e XIX entram nisso como pontos de contraste que me ajudam a olhar para a atualidade. Toda a segunda parte do livro é composta por autores posteriores aos anos 1960.

Agenda – Durante o processo de pesquisa e escrita dos ensaios houve alguma descoberta ou surpresa?

S.O.: Sem dúvida a dimensão histórica que liga o nomadismo das subjetividades contemporâneas à figura do cortesão que circulava pelas sociedades do Antigo Regime. Em termos que não estão no livro, mas que hoje para mim são importantes, me impressiona o quanto as sociedades de controle contemporâneas, de matriz político-econômica, parecem repetir muitos dos elementos presentes nas sociedades de soberania, de matriz teológico-política. Sociedades para as quais assumidamente importam as relações de força entre artifício e natureza, a política de sangue (entendida como uma política dos amigos) e o medo como forma de controle social, embora eu no livro esteja mais interessado no destemor.

Agenda – De acordo com a sua tese, como se dá o processo de subjetivação e performatividade na sociedade contemporânea?

S.O.: Necessariamente passando pelo corpo como campo de batalha biopolítico, presente sob a forma do controle tecnológico dos corpos conectados, da (in)visibilização dos corpos “queer”, do trânsito (ou bloqueio) dos corpos migrantes, da patologização dos corpos improdutivos, da nossa relação com os corpos dos animais, do direito ao próprio corpo pelas mulheres, etc. Tudo isso, para mim, tem implicações radicais na forma como podemos conceber o corpo político de uma dada sociedade.

Agenda – Existe um personagem específico que caracterize a sociedade contemporânea? Seria o nômade?

S.O.: Não quis reduzir toda a sociedade contemporânea, com sua multiplicidade de discursos e sujeitos, ao nômade, mas para mim ele se estabelece como o Outro do processo civilizatório como conhecemos, baseado em figurações transcendentes e institucionalizadas de Estado, Família, Religião, Escola, Natureza, etc. O nômade é o sujeito da imanência, em ligação com a terra sobre a qual se desloca, revivendo o percurso dos seus ancestrais que ali também passaram, se  alimentaram e foram enterrados. A lógica do nômade sempre foi a do ser vivo que não acredita em salvação, mas em sobrevivência na interação com o outro e com o mundo. Ele não caracteriza com exclusividade a sociedade contemporânea, mas para mim é sua figura inescapável.

Agenda – Existe alguma discussão que você quer provocar ao leitor?

S.O.: Não escrevi pensando em uma reação específica do leitor, mas em compreender algumas coisas. No entanto, se eu pudesse escolher algo, seria o desejo de mudar nossa relação com a escrita, com o gesto de escrever e, por fim, o modo pelo qual se ensina a escrever na escola. A escrita criativa traria potencialidades libertárias que ainda não foram verdadeiramente postas em prática. E acho que jamais serão.

Agenda – Em linhas gerais, por quê ou de que forma os processos de subjetivação e performatividade chamam a sua atenção?

S.O.: Nossa contemporaneidade perdeu a fé em qualquer objetividade. A crescente consciência da discursivização do mundo trouxe uma proliferação de subjetividades. Acho que esse livro foi uma tentativa bastante pessoal de entender alguns caminhos pelos quais a literatura pode se mover nesse mundo.

Agenda – Qual a ideia central relacionada a composição do título do livro?

S.O.: De um lado, eu queria frisar que o sujeito discursivo que me interessa é aquele produzido em processos ligados à escrita. De outro lado, queria apontar para a ambivalência – de resto já bastante usada hoje – presente no termo “sujeito”, que é ao mesmo tempo agente e paciente, ativo e passivo, produtor e produzido, enfim, sujeito e assujeitado. E o quanto ele se realiza em intimidade com o corpo.

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