Como estão os artistas baianos na pandemia?

Sem trabalhar, pessoas do ramo cultural tiveram que procurar outras alternativas para conseguir sobreviver e pagar as contas

Por Laiz Menezes*

Com a impossibilidade de trabalhar devido à pandemia da covid-19, artistas de todo o Brasil perderam a sua principal e, em muitos casos, única fonte de renda. No dia 30 de junho, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei emergencial Aldir Blanc, que destina R$ 3 bilhões de auxílio ao setor cultural nos estados e municípios. A verba, no entanto, ainda não tem data para ser distribuída. Na Bahia, muitos trabalhadores desse ramo tiveram que procurar outras alternativas para conseguir sobreviver e pagar as contas. A Agenda conversou com alguns deles para saber um pouco mais sobre a situação. 

Estudante do B.I de Artes na Ufba, a cantora Maya afirma que estava com projetos antes da pandemia, mas que precisaram ser adaptados. “Sou cantora independente e antes da pandemia eu estava fazendo show normalmente e lançando músicas. Eu acabei de lançar uma música que seria divulgada no verão, em janeiro, mas eu tive que me adequar com esse novo cenário. Acabei soltando no inverno e tive um retorno bacana”. Ela conta que sua arte ainda não é sua fonte de renda principal. Pelo contrário, ela precisa pagar para suas composições irem pra rua. “Os artistas não são valorizados, principalmente quando você é independente na área musical. A galera acha que você está brincando. Por isso eu tenho outros trabalhos”.

Maya tem participado de algumas lives para divulgar seu trabalho (Foto: acervo pessoal)
Maya tem participado de algumas lives para divulgar seu trabalho (Foto: acervo pessoal)

Maya disse ainda que criou novos planos para o período de isolamento social. “Tenho feito e participado de muitas lives. Como eu crio a maioria das minhas coisas, materiais de divulgação, por exemplo, eu estou criando em casa, isso não me impossibilitou, pelo contrário, me deu mais tempo para criar”, explicou.

O DJ e diretor de arte Eric Mello conta que também conseguiu aproveitar o tempo da quarentena para estudar e fazer planejamentos para o momento de pandemia, além de ter tocado em lives. Ele também explicou que no dia em que Salvador adotou as medidas de restrição contra o coronavírus, o seu trabalho começava a funcionar de verdade. “Eu tinha parado de tocar e também não tinha lucro nos lugares que me apresentava, eu praticamente pagava para fazer o show. Então corri atrás de patrocínio para conseguir receber pelo meu trabalho, mas, quando estava dando certo, estourou a crise de coronavírus”, afirma.

Eric está fazendo trabalhos informais como diretor de arte (Foto: acervo pessoal)
Eric está fazendo trabalhos informais como diretor de arte (Foto: acervo pessoal)

No início da pandemia, ele foi demitido e passou a fazer trabalhos informais como diretor de arte. “Voltei a trabalhar e não estou conseguindo lucrar, muito pelo contrário, meu salário reduziu 50%. Divido apartamento com alguns amigos e todos foram demitidos. Então financeiramente não está sendo um momento lucrativo e nem feliz, mas estamos sobrevivendo”. explica. 

Alternativas
Produtor e diretor da Cia Baiana de Patifaria, o ator Lelo Filho acredita que é preciso tentar aprender e entender nesse momento – o que já está sendo feito por algumas pessoas -, como conviver com a covid-19 até que surja uma vacina. Para se adaptar ao novo cenário, foi criado o Plano de Crise para as Artes Cênicas da Bahia, que é um grupo formado por atores que se encontram virtualmente desde março. O projeto tenta dialogar com as esferas estaduais, municipais e, de certa forma, federais, por meio de deputados e senadores, para deslumbrarem de qual forma poderão retornar ao teatro quando possível.

O ator explica que esse é meio de tentar encontrar soluções e propostas de como atuar na pandemia. “Nós entendemos e percebemos que as pessoas estão vivenciando mais a arte porque estão isolados, seja em uma série, filme, jogo ou em uma live. A cultura está impregnada na nossa vida e ela tem ajudado muita gente”, afirma. 

Apesar disso, Lelo e o grupo acreditam que os gestores não percebem o quanto a arte impacta positivamente a vida das pessoas, já que eles não atendem as demandas e sugestões que os integrantes do projeto enviaram desde março. “A Lei Emergencial da Cultura foi aprovada e o prazo para que a verba seja liberada era de, no máximo, 15 dias após ser sancionada. O governo federal, no entanto, vetou esse prazo e nós não sabemos quando vamos receber”. Quando o auxílio for liberado, ele ainda terá que ser dividido em estados e municípios, entre fundações e secretarias de cultura e deve demorar até chegar aos artistas. 

Lelo Filho, diretor de teatro, fala das dificuldades durante a crise (Foto: acervo pessoal)
Lelo Filho, diretor de teatro, fala das dificuldades durante a crise (Foto: acervo pessoal)

O produtor conta ainda que a Cia. Baiana de Patifaria vai lançar a versão online do espetáculo “Fora da Ordem”, que é solo, já que não é permitido trabalhar em grupo. “Eu acho que essa peça abre uma possibilidade da companhia vir a publicar outras coisas, já que vamos ter uma estrutura montada de equipamentos. Nossa preocupação agora é com a cadeia produtiva que não pode atuar, que vai da pessoa que abre o teatro até o técnico que trabalha atrás do cenário. Nossa equipe é muito reduzida e não conseguimos atender à demanda dos restantes. Por isso que os gestores, em níveis municipal e federal, como secretarias de cultura e as fundações, precisam amparar os artistas que estão atrás dos bastidores, tanto na capital como no interior”.

Desigualdades
“Nós precisamos sobreviver, estamos tentando driblar esse momento tão triste que estamos atravessando, não só pela pandemia, mas também pelo tratamento que vem sendo dado aos artistas durante essa crise”, declarou Lelo. Com os teatros fechados não existe lucro, nem bilheteria e, segundo o diretor, a realidade da maioria dos artistas que conhece não são pessoas que têm reserva para estarem há quatro meses parados sem receber, porque essa realidade é “inexistente no meio teatral, que eu conheço há 38 anos”. “É exatamente nesses casos que eu acredito que os gestores não são sabem gerir na crise porque quando ela se instala, a gente não vê eles cuidando de quem gera arte, beleza, reflexão e alegria. Nós esperamos que alguma ação e atitude seja tomada”. 

Lelo lembra ainda que a desigualdade pesa no meio artístico para conseguir patrocínios durante a crise, pois os artistas que que já têm grande mídia estão conseguindo patrocínio para seus espetáculos virtuais. “E, mais uma vez, grupos coletivos, como o meu, e tantos outros artistas individuais continuam sem conseguir capitação de recursos para pelo menos diminuir despesas e conseguir ajudar suas equipes. Essa é uma desigualdade no meio da arte” 

Antes da pandemia, Clara Sampaio, estudante do B.I de artes, trabalhava como tatuadora iniciante, atendia no estúdio e na sua casa. No isolamento, ela não pôde continuar porque o ateliê fechou e ela mora com seus avós, que são grupo de risco, então ela não tem mais a possibilidade de levar clientes para sua residência. 

Clara teve que mudar sua rotina como tatuadora e investir em outras formas de arte (Foto: acervo pessoal)
Clara teve que mudar sua rotina como tatuadora e investir em outras formas de arte (Foto: acervo pessoal)

A tatuadora afirmou que precisou se reinventar para tentar entender as demandas das pessoas na pandemia e o que ela tem de opção para continuar trabalhar nesse momento. “Eu continuo trabalhando e conseguindo lucrar, mas de outras formas, como a arte no papel e virtual”, afirma.

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