“O Pagodão, o Trap e a Bossa-nova é afro”: Cantora Juliana Ribeiro traz raiz da música brasileira a partir de ritmos afro diaspóricos
Por Madu Motta
O samba está em todos os lugares, nas ruas, nas manifestações religiosas e principalmente em outros ritmos musicais. Esse ritmo se consolidou como princípio musical onde pessoas pretas puderam utilizá-lo para protestar, dar visibilidade a quem não tinha espaço, além de se tornar uma das maiores manifestações culturais do país que se transforma década após década. O samba carrega histórias de resistência, celebrações e fé, trazendo as lutas e conquistas da população.
Hoje o samba ainda é um espaço onde questões sociais são debatidas e denunciadas por meio das letras que falam de amor, saudade, mas também de injustiças e esperanças. Para a cantora e compositora Juliana Ribeiro, o ritmo nasce e cresce com ela, se enveredando principalmente na sua carreira artística, mas também cientifica. A cantora, que em sua longa trajetória também é historiadora, arte educadora e mãe, atualmente está no processo de realização do seu doutorado e traz, obviamente, nas suas raízes a música e em especial o samba a partir do estudo de três cantoras: Clementina de Jesus, Elza Soares e Liniker. Três mulheres que ajudaram e permanecem ajudando, em diferentes épocas, a construir o samba que se reinventa sem perder sua origem.
A relação entre gerações é um fator essencial no samba e na vida de Juliana, que exalta sambistas que vieram muito antes dela, como Clementina de Jesus e mostra como esse ritmo tão essencialmente brasileiro é formado por uma construção coletiva. Juliana Ribeiro nos contou sobre a sua carreira, suas inspirações e sobre a arte de compor:
“arte para mim é vivencial, ela faz parte do meu dia a dia, é o meu sonho e a minha realidade, ela é tanto o que coloca o pão na minha mesa, quanto aquilo que eu preciso experienciar, que eu preciso ter no meu corpo, na minha vida, na minha voz.”
Samba feminino e o eu lírico
No processo de realização do doutorado, Juliana não se desprende das suas heranças musicais, estudando três grandes cantoras que possuem intrinsecamente a relação com o samba. Para ela, uma questão que é necessária dar seu devido valor, é a mudança gradativa dos personagens nas letras das músicas, em especial, as mulheres, que antes eram normalmente cantadas em terceira pessoa. Para a cantora, essa transformação dando protagonismo para o “eu”, enquanto personagem, é fundamental para se criar uma identificação do público com a letra:
“As compositoras do século XXI tem outra perspectiva musical que eu acho muito interessante que é o “eu lírico” nas suas composições, que são canções cantadas a partir do seu ponto de vista. Isso é extremamente empoderador, quando a gente se posiciona dentro das canções e isso é uma conquista, já que antes as mulheres eram cantadas em terceira pessoa, eu acredito que isso toca as pessoas em um lugar diferente. Eu toco a minha canção, mas quando a pessoa canta, ela também está se cantando e é nesse momento que a minha música nasce.”
O empoderamento para a cantora é algo fundamental e se relaciona com o lançamento do seu último videoclipe musical, a canção “Ella”, que traz em seu vídeo clipe a presença de várias mulheres, que como a cantora mesmo diz: É uma homenagem às mulheres insubmissas.
O papel na música no reconhecimento da ancestralidade
Juliana destacou a importância da música como uma ponte para a ancestralidade e um resgate de memórias perdidas devido ao passado escravocrata do Brasil: “A população negra, ainda infelizmente, possui essa necessidade da memória e do legado. É como se isso fosse retirado da gente e foi retirado pelo processo escravocrata”, disse Juliana. Ela refletiu sobre a dor de muitas famílias negras que, ao tentar resgatar suas raízes, encontra limitações que param na figura da avó, nem sempre chegando até a bisavó, comentou, enfatizando a importância da música em sua vida como uma forma de reencontrar essa ancestralidade roubada.
A artista também questionou as razões pelas quais essa herança musical é frequentemente omitida ou subvalorizada. “Por que a Bossa Nova caiu grande? Voou? A Bossa Nova é um samba, né?”, questionou, refletindo sobre como estilos originários da cultura negra, como o pagodão baiano e o trap, continuam a sofrer marginalização.
Juliana concluiu ressaltando que, apesar das dificuldades, a música foi sua grande salvação e uma ferramenta poderosa de empoderamento e conexão com suas raízes. Entre batuques no padeiro e breve trechos de sambas marcantes durante a entrevista, a cantora finaliza detalhando como a música preencheu uma lacuna em sua vida, trazendo consigo a conexão com sua ancestralidade e cultura:
“Veja como é, né? A minha sede, a minha necessidade, essa lacuna, essa ausência, preenchida em mim pela música, várias pessoas também se sentem preenchidas a partir desse lugar”, refletiu. Para ela, a seleção de seu repertório sempre foi pautada pelo que a emocionava e inspirava. “Foi dessa forma muito natural, fui trazendo tudo o que encontrei e tudo que me tocava acima de tudo. Eu encontrei muitas coisas que não me emocionaram, essas aí não entraram no repertório. Mas o que me emociona, eu faço questão de levar pro palco”.