Além da necessidade: por um novo empreendedorismo negro
Estudantes criam negócios próprios e renovam o empreendedorismo no Brasil
Por Mariana Gomes
Dafne Soares, 19, e Amilton Júnior, 21, criaram neste ano a Kilombolo, marca de bolos de pote que têm dado o que falar na comunidade da UFBA. O casal nomeou cada sabor de bolo com nomes de personalidades negras brasileiras que se destacaram por suas contribuições intelectuais, seja na capoeira, dentro das universidades ou no movimento social.
Mestre Môa, Carla Akotirene e Abdias do Nascimento são alguns dos nomes, mas a Kilombolo vai além do rótulo de seus produtos. Os dois jovens estão sempre conversando com seus clientes sobre a obra e o legado de cada uma dessas referências da cultura afrobrasileira.
Iniciando seu empreendimento por necessidade de completar a renda, Dafne e Júnior sonham em concretizar alguns sonhos como continuar os estudos e se apropriar cada vez mais dos conhecimentos de seus mais velhos. Estudiosos que são, cada vez mais se aproximam do que tem sido chamado de movimento black money, hoje uma marca registrada no Brasil, mas que diz respeito a uma série de movimentações pela autonomia financeira da população da diáspora negra.
De qual empreendedorismo estamos falando?
O movimento black money tem por objetivo formar pessoas negras em gestão de negócios e educação financeira, para fazer circular dinheiro dentro da comunidade negra. Em outros países, como os Estados Unidos, já existe uma cadeia produtiva chefiada por pessoas negras, como rede de televisão, ao exemplo da BET (Black Entertainment Television), a gravadora TIDAL, do rapper Jay-Z e o Banco One United. No Brasil, aceleradoras como a baiana Vale do Dendê e a paulista Black Rocks impulsionam essa noção econômica na comunidade negra.
Mas quem pensa que pessoas negras empreendem só agora, se engana. Na época do Brasil colônia, mulheres negras, escravizadas e livres, trabalhavam nas ruas enquanto ganhadeiras. Como destaca a historiadora Jaqueline Machado, pesquisadora do trabalho de mulheres negras alforriadas na segunda metade do séc. XIV pela UFBA, a sobrevivência era palavra de ordem para essas mulheres.
“Durante todo período de escravidão urbana na Bahia e no Brasil, houve personagens significativas como as ganhadeiras, mulheres libertas ou cativas que vendiam alimentos, artesanatos subindo e descendo as ladeiras, carregando peso. Não era nada fácil. O objetivo não era meramente ascensão social. Elas juntavam dinheiro para sua alforria e de seus afetos, assim como para o pão de cada dia”, argumenta.
A professora ainda defende que é preciso ter um olhar para raça articulado com classe e gênero, sem esquecer idade e território na hora de pensar em empreendedorismo. “Precisamos ter cuidado para não reforçar falsas simetrias ao comparar, por exemplo, um jovem de classe média que abre uma hamburgueria gourmet com uma manicure em Sussuarana ou vendedor de picolé na praia. Pensar que essas pessoas empreendem porque querem, é mascarar as desigualdades que temos no Brasil, uma realidade de desemprego”, explica em entrevista.
Segundo o SEBRAE, 51% dos empreendedores brasileiros são negros, mas a maioria não emprega ninguém. Eles também ganham menos que os não brancos, R$ 1.370 contra R$ 2.745. Fatores como pouco capital de investimento e dificuldade de liberação de crédito nos banco representam os obstáculos rumo à autonomia financeira da população negra brasileira. Felizmente, é possível identificar iniciativas que transformam a tradição de empreender dentro da população negra.
Esse é o caso da Dendezeiro, criado pelos estudantes e sócios de Pedro Batalha e Hisan Silva. Há um ano e meio os entrevistamos como criadores do brechó NooStilo, mas hoje estão à frente de novos projetos, como nos conta Batalha. “A NooStilo era um empreendimento de dois jovens que estavam tentando sobreviver em meio a adversidades. Dendezeiro é um empreendimento de duas pessoas que querem achar um lugar de existência para além de resistência. É nossa expressão de personalidade, de nosso olhar artístico e fashion”, explica.
A marca já vestiu artistas como Majur, Luedji Luna e Hiran e há uma semana lançou o podcast Palosydade, com entrevistas com atores da economia criativa baiana. Atualmente são também acelerados pelo Vale do Dendê e escrevem uma nova história com outros empreendedores negros. “Queremos não mais ser empreendedores, mas empresários”, afirma Pedro Batalha.