O cinema gratuito que a UFBA oferece – e o público perde
Por que, mesmo com sessões gratuitas, a comunidade não vai às salas?
*Por Gustavo Salgado
As universidades têm, por vocação, apresentar à sociedade em primeira mão produções e inovações em ciência, cultura e arte. Foi essa característica que levou Victor Nascimento a realizar a pré-estreia do seu documentário Âncora do Marujo na edição da Mostra Audiovisual CineFacom, no dia 29 de novembro. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) tem sido espaço de exibição de muitas produções cinematográficas e debates com profissionais da área (diretores, roteiristas, críticos, professores ou estudantes) em sessões gratuitas destinadas não apenas aos universitários, mas abertas ao público em geral. De curtas-metragens produzidos pelos próprios estudantes a longas-metragens de renomados diretores baianos, do cinema nacional ao internacional, há uma extensa oferta de programação pouco aproveitada pelo público.
Cinemas em Rede De acordo com informações da Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT), “pela primeira vez no Brasil salas de cinema não comerciais exibem filmes por meio da internet de alta capacidade”. O projeto, chamado Cinemas em Rede, é coordenado pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), ligada aos Ministérios da Cultura (MinC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e acontece atualmente em seis salas de cinema, em quatro capitais brasileiras: Salvador, São Paulo, Recife e Porto Alegre. Uma das possibilidades é compartilhar conteúdos, mostras e ciclos de cinema em tempo real entre todos os pontos participantes. Atualmente, exibições simultâneas acontecem de quinze em quinze dias, apresentando filmes produzidos nos diferentes pólos e cidades que compõem o programa.
Minimizar as barreiras que segregam as pessoas é um dos objetivos do Cinemas em Rede. Menos que Nada, filme exibido no dia 12 de novembro na Saladearte – Cinema da UFBA, é produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com direção de Carlos Gerbase, e conta com áudio descrição. Esse recurso auxilia na construção imagética das cenas do filme para portadores de deficiência visual. De acordo com Ednilson Sacramento, estudante de Jornalismo da UFBA, quando há um relato de uma cena do filme pela áudio descrição, a pessoa tem noção do decorrer dos acontecimentos, mas cabe a ela criar o cenário mentalmente – como ao se ler um livro. Sacramento diz que após desenvolver sua deficiência visual, já adulto, parou de assistir a filmes porque “é como se estivesse vendo algo e as cenas fossem cortadas, puladas. Apenas com o áudio [das produções sem áudio descrição], não dá para entender o filme completamente, falta algo”. Ele aponta também que a áudio descrição de Menos que nada é diferente de outros longas a que assistiu por ser já parte do próprio filme original – enquanto outras são acessadas através de um dispositivo similar a um walkie-talkie apenas pelos interessados.
Outra forma de o Cinemas em Rede aproximar as pessoas é através do contato entre quem produz cinema e o público. No dia 10 de dezembro, após a sessão do documentário Filhos de João, o admirável mundo novo baiano, foi realizado um debate entre o diretor Henrique Dantas, o professor da Faculdade de Educação (FACED) da UFBA Nelson Pretto, e o público presente. Esse tipo de atividade é recorrente dentro do projeto. Mesmo com todas as ações, porém, as sessões até hoje não foram capazes de encher a plateia da SaladeArte.
Da Facom para o mundo O CineFacom, Mostra Audiovisual dos Estudantes da UFBA, acontece quinzenalmente, nas quartas-feiras, às 19h no auditório da faculdade de Comunicação. O projeto do Centro Acadêmico Vladimir Herzog (gestão Outras Palavras) foi idealizado pela estudante Camila Brito com o objetivo de mostrar o audiovisual produzido pela UFBA.
Criado em fevereiro de 2013, atualmente o CineFacom é realizado com apoio da Universidade através do Edital PROEXT/Eventos 2013. Para Valdíria Souza, estudante de Produção Cultural e membro do C.A, “havia uma falta de local ao se pensar em vitrine de audiovisual”, e o CineFacom veio para suprir essa carência. “A universidade oferece ferramentas, cabe ao aluno correr atrás”, complementa. Quanto ao público, pouca gente tem “corrido atrás” – mesmo com o incentivo da faculdade em fornecer um certificado de extensão para quem comparecer às sessões quinzenalmente. Ainda de acordo com Valdíria, “quem faz o público são os realizadores. Se a curadoria escolher realizadores que trazem gente, há público, ainda que oscilante. Mas há caras conhecidas, gente que está sempre aqui”, pondera. O CineFacom já chegou a experimentar alterar o seu horário para ver se atraía um maior público. No entanto, ele nunca alcançou 100 pessoas.
CineCittà, a mostra italiana da UFBA No Labimagem, em Letras, luz apagada e filme já passando. A reportagem chegou atrasada, tentando reconhecer, quase que literalmente às cegas, algum rosto conhecido… Todos estranhos, uma dúzia deles, apenas. O que mais chama a atenção ali é a pronúncia da língua italiana no filme e o fato de, após o fim da sessão, todos os presentes se sentarem em uma espécie de semicírculo, como se repetissem um comportamento já habitual.
Com sotaque estranho e uma acentuação diferente, a mulher que organiza o grupo – a professora Tatiana Fantinatti – pede às pessoas que conversem em português, ao notar a presença da reportagem. Foi aí que ficou claro quem era o verdadeiro estrangeiro ali. A cena tinha tudo para virar uma ópera: duas pessoas debatendo política, elevando a voz, calorosamente quase cantando em italiano. Mudaram de assunto, os ânimos se acalmaram e continuou-se a se debater arte e cultura. De Fellini a Berlusconi, um mundo novo foi apresentado em apenas um debate sobre cinema. A UFBA já tem por natureza um caráter cultural múltiplo em seu território federal, mas aquele ambiente transporta o visitante para um contexto totalmente diferente. Pessoas falando em italiano, pensando em italiano, sobre arte italiana.
O Cinecittá é um cineclube de idealização da professora de italiano Tatiana Fantinatti, mas é um projeto do setor de italiano do Instituto de Letras. Acontece sempre no Laboratório de Imagem (Labimagem) desse Institudo, toda terça-feira às 9h, horário que será modificado em janeiro para as 17h, para se adequar aos horários dos estudantes. A temática do ano de 2013 se concentrou em duas fases – o neorrealismo italiano do pós-guerra, e a mostra Fellini. Os prováveis diretores abordados no início do próximo ano serão Benigni e Pasolini.
Tatiana sempre gostou de cinema, e durante o processo de seleção para ocupar o cargo de professora, uma das suas propostas era a realização de um cineclube italiano para trazer aos alunos o contato com a língua de uma maneira mais intensa. O cinema como veículo de inserção cultural que engloba outras artes – além da própria língua – é o que defende a professora, que conta com a colaboração de alunos voluntários na produção das sessões de cinema: cada um tem o seu papel, do caderno de presença e pipoca à busca pelos filmes e legendas, além do compromisso de realizarem comentários sobre o filme exibido caso faltem professores para o debate. “Todos os professores de italiano estão plenamente envolvidos, fazem comentários e participam das rodas de discussão após os filmes”, garante Tatiana. Ela ressalta também que o Cinecittá, assim como todo cineclube, tem regras. E uma delas é a democracia, o que inclui o fato de ser sem fins lucrativos, permitindo a todos igualdade de participação nos debates através de comentários. Para a professora, um dos maiores saldos positivos do cineclube é fazer amigos, e convida toda a comunidade acadêmica e o público em geral para participarem das sessões – também gratuitas, como o Cinemas em Rede e o CineFacom – de cinema.
A dúvida A UFBA oferece uma grande agenda de cinema gratuito. E não só se limita a sediar a exibição das produções, a exemplo da parceria entre SaladeArte e o projeto Cinemas em Rede, como objetiva proporcionar um real contato entre quem produz cinema e o público em geral e busca desenvolver nas pessoas um olhar mais atento e crítico sobre os filmes. Os horários de algumas sessões são alterados para se tentar obter um maior número de espectadores, outros eventos apostam na divulgação. E, ainda assim, resta a mesma dúvida do início: por que pouca gente assiste ao cinema que a UFBA oferece?