Cultura e Diversidade Musical é tema de mesa em seminário sobre Política e Gestão da Cultura
*Por Igor Tiago
Aconteceu na noite da última terça-feira (26) mais uma mesa do Seminário de Políticas e Gestão da Cultura. Com o tema Culturas e Diversidade Musical: estudos e experiências, a mesa contou com a presença de ilustres convidados, como a cantora e pesquisadora Juliana Ribeiro, a professora e pesquisadora Marilda Santana, o músico e pesquisador Letieres Leite. A mediadora da discussão foi a professora Clelia Côrtes, que abriu o evento ressaltando a importância de se discutir a diversidade musical.
O evento recebeu a contribuição histórica vinda da cantora e pesquisadora Juliana Ribeiro, que começou sua fala contando a história do samba e como ele foi se inserindo na sociedade. Segundo a fala de Juliana, no século XVIII as rodas de samba eram uma manifestação criminalizada, já que naquele período o samba ainda não era um ritmo musical, mas uma manifestação cultural do povo negro e de santo. Da mesma forma eram vistos a capoeira e o candomblé. Juliana explicou como funcionavam as rodas de samba na casa de tia Ciata – mãe de santo, negra, soteropolitana, que deixou Salvador no século XIX por conta de perseguições policiais à sua religião e levou o samba para o Rio de Janeiro, aos 22 anos de idade. Na sala, local onde recebiam as visitas, pessoas importantes e convidados, se tocava chorinho e partido alto, sambas de alto gabarito, mais refinados, para a alta sociedade. Na cozinha era onde ficavam as pessoas de casa, onde eram feitas as comidas, com tachos, colheres de pau e fogo a lenha. Era na cozinha que o samba de roda acontecia.
Como não tinham instrumentos, as mulheres que mexiam o tacho com a colher de pau tiravam som desse movimento; outras pegavam pratos e facas e tocavam. As mulheres que usavam tamanco os tiravam e batiam uns nos outros fazendo a marcação do samba, e as outras sambavam no chão de barro batido, trazendo uma sonoridade contribuinte. Juliana lembra que todas essas sonoridades são recriadas em instrumentos, como o som dos tamancos virou a atual “talbinha”.
O terreiro era onde ficavam os homens – mulheres não podiam entrar – e onde era praticada a capoeiragem, desafio corporal em que dois homens lutam tentando derrubar o outro com rasteiras. Todas essas manifestações aconteciam no mesmo dia, sem hora para acabar. Juliana também ressaltou a importância da cultura bantu e das suas características, que fazem parte do samba atualmente. “As culturas e manifestações de matrizes africanas agregam as pessoas, você passa a constituir uma família e isso é importante”, diz.
Em entrevista para a Agenda Arte e Cultura, Juliana Ribeiro explorou mais o assunto falando sobre o cenário musical baiano: “o cenário hoje é muito diverso, a quantidade de artistas que fazem músicas de estilos diferenciados, com criatividade única é cada dia maior, e eu acho isso muito bacana. A questão é que a gente não tem visibilidade, acho que a gente perde muito com isso. Nesse sentido, a Bahia inteira perde porque não se vê, não se reconhece na sua própria TV, no seu próprio rádio”, opina. A cantora falou também sobre a importância das discussões sobre o tema na universidade. “É fundamental porque quebram-se barreiras e paradigmas. Se algum dos alunos que estiveram aqui hoje levarem essa discussão para casa e tentarem aprofundar, aí valeu a pena de verdade, aí eu cumpri meu papel”, conclui a cantora.
“Dengo” – A pesquisadora e professora Marilda Santana falou sobre suas diversas pesquisas na área musical e se deteve principalmente na figura da baiana na canção brasileira. Ela explica que começou sua pesquisa procurando intérpretes e atrizes brasileiras que utilizavam e recriavam as simbologias e características da figura da baiana. Acabou constatando que poucas brasileiras utilizavam essas características, identificando, por outro lado, muitas não brasileiras adeptas desse jeito baiano de cantar e encantar. Marilda também buscou cantores e compositores para saber o que representa a figura da baiana em seus trabalhos e suas composições. Ela ressaltou o “dengo”, que para Dorival Caymmi é a característica que toda cantora baiana deveria ter e afirmou: “as cantoras de trio perderam esse dengo”.
Marilda trouxe à mesa uma das características musicais mais famosas do baiano: “baiano é antropofágico, ele tem uma tendência a misturar” e encerrou sua participação provocando a platéia com a seguinte questão: o que vem primeiro, a voz ou o instrumento?
Para a Agenda Arte e Cultura, Marilda falou sobre a pluralidade da música baiana e a participação dos universitários nesse processo: “a pluralidade ainda é atônica, se a gente for nos nichos, nos guetos, a gente percebe uma diversidade musical enorme. Eu acho que não só a discussão como a vivência é muito importante para os universitários. Os alunos precisam frequentar mais espaços diversos, precisam ser mais instigados a promover, participar e formar. Eu sinto que ainda falta um pouco dessa motivação para que os alunos possam também ser efetivamente protagonistas desse processo”, diz a pesquisadora.
O comandante da Orquestra Rumpilezz, Letieres Leite, deu uma aula de música para o público. Falou sobre o projeto “Universo Percussivo Baiano” e logo depois afirmou: “o povo tem dificuldade em aceitar a música de matriz africana”. Em seguida, ressaltou a importância do chorinho para a sociedade do século XVIII e XIX e falou sobre a importância do compositor Xisto Bahia para o samba baiano. Letieres também discutiu a história da percussão e contou que os negros norte-americanos foram “retirados” da sua ancestralidade musical: não existia percussão nas antigas bandas norte-americanas. Passeou também pela história da partitura e da clave, falou sobre a da influência bantu, do Congo e dos sudaneses para a música baiana e ressaltou a importância samba-afro e do samba-reggae (contribuição negra) para a atual construção rítmica. “Temos grupos de pagode incríveis. A banda Psirico faz uma obra de arte rítmica”, acrescentou Leite.
Debate – Após as falas, o público participou calorosamente do debate. Questões como “letras de duplo significado”, “carnaval” e “lei anti-baixaria” foram trazidas para a mesa. Segundo Marilda Santana: “o duplo sentido nas letras da música brasileira sempre existiu, os franceses trouxeram pra Bahia”, disse. Juliana Ribeiro deu a sua opinião em relação ao assunto dizendo que “a composição da maioria dos grupos de pagode é preocupante” e falou sobre o carnaval de Salvador: “A Bahia não faz mais parte do carnaval. Cadê o encanto, as fantasias, a diversidade cultural, o zambiapunga, a burrinha, o boi-bumbá e o samba de roda? Se o princípio básico do carnaval é levar o lúdico pra rua, isso se perdeu, não existe mais. Precisamos abrir mais espaços para as manifestações culturais da Bahia”, ponderou a cantora.
Em outro argumento, Letieres Leite chamou a atenção para a aplicação da lei anti-baixaria: “a minha preocupação é que a culpa caia em cima do preto, pobre, periférico, que faz um belíssimo trabalho rítmico e depende da música para sobreviver”, refletiu ele.
O Seminário de Políticas e Gestão da Cultura encerra suas atividades na segunda-feira, 1 de abril, com a mesa Economia da Cultura e a Gestão de Organizações Afro-Baianas no Carnaval de Salvador. Recebe como convidados Alberto Pita (Cortejo Afro), João Jorge (Olodum), Edmilson Lopes (Ilê Aiyê) e Arany Santana (Carnaval Ouro Negro/SECULT). O evento começa às 19h, no auditório do Pavilhão de Aulas da Federação 3 (PAF 3).
| Serviço |
O quê: Seminário de Políticas e Gestão da Cultura
Quando: Próxima edição no dia 1 de abril, às 19h
Onde: Auditório do Pavilhão de Aulas da Federação 3 (PAF 3)