Do Direito a meio século de Extensão
Serviço de Apoio Jurídico da UFBA celebra cinco décadas como a atividade de extensão mais antiga da Universidade.
*Por Edvan Lessa – Agência Ciência e Cultura
Um pensamento do periodista da ciência Manuel Calvo Hernando (1923-2012) assume uma distinta atualidade quando a Extensão Universitária está inserida na agenda de discussão pública. “A cultura científica deveria fazer parte da cultura popular”. A frase, que torna implícito o distanciamento entre a Academia e a sociedade, mas insiste no quanto ambas estão interligadas, vem sendo preservada pelo Serviço de Apoio Jurídico da Universidade Federal da Bahia (SAJU) há 50 anos.
O SAJU é um projeto de extensão em que estudantes do curso de Direito e do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, junto com advogados, oferecem consultoria, acompanhamento judicial e assessoria jurídica a movimentos sociais e comunidades tradicionais. A iniciativa é uma das mais antigas da UFBA e conta com membros de diversas universidades.
Foi em 1963 que o projeto surgiu, inspirado na entidade de mesmo nome e função existente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Assim como diversas instâncias universitárias, o SAJU foi fechado durante a ditadura militar, mas reaberto ainda nos anos 80. Na sua trajetória, foi premiado com o “Destaque em Extensão”, em 1999.
A aluna do sétimo semestre no curso de Direito da UFBA, Bruna Portella, explica que o SAJU atua de maneira horizontal, permeado por princípios descritos, por exemplo, pelo estudioso Paulo Freire. O educador, dentre outras coisas, versou sobre o “empoderamento do sujeito”, uma espécie de consciência dos direitos sociais que ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma realidade em que se encontra. “Esta é também uma parte muito importante do nosso atendimento”, explica Bruna.
Ainda segundo ela, o trabalho é divido em dois núcleos que trabalham em três frentes: Comunidades Tradicionais, Direito à Cidade e Questão Agrária.
O Núcleo de Assessoria Popular, criado há cerca de 20 anos, possui um foco “coletivo”, pois lida com os movimentos sociais. Já o Núcleo de Assistência Jurídica trabalha de maneira “mais processual”, prestando um atendimento individual à comunidade. No geral, os “sajuanos” se organizam em trios para atender a população durante sete plantões semanais. Cada plantão possui cinco trios. No total, há mais de 130 pessoas envolvidas.
História “Pelo trabalho que o SAJU desempenha há 50 anos, outros núcleos encaminham população para cá”, comenta Thiago Ribeiro, sajuano do 4º período. O trabalho do SAJU, já consolidado ante a comunidade, é reconhecido pelo atendimento gratuito e qualificado. “Quando o meu filho estava com seis anos, procurei a 3ª Vara de Amaralina e me pediram que eu procurasse um advogado gratuito. Eu vim, fiz triagem depois me intimaram para fazer o encaminhamento à vara e resolver”, segreda a senhora Hilza Maria da Silva, 55. Jairo Santos, 40, também contou que descobriu o serviço jurídico por indicação. “Uma conhecida disse que aqui atendia gratuitamente e eu vim”, comentou.
Com o sucesso do boca a boca, porém, algumas pessoas não sabem que o SAJU possui um blog e uma página no Facebook, do Núcleo de Assessoria. “A gente tenta entrar em qualquer espaço deliberante do nosso papel de assessoria para que os grupos coloquem as suas questões”, enfatiza Bruna Portella.
O processo de indenização que Hilza tentara fazer à época foi bem sucedida, e seu filho registrado pelo pai. Ela lembrou que a defensora pública que acompanha a quebra da decisão judicial do seu ex-esposo foi uma advogada e ex-sajuana, que lhe atendeu quando recorreu à justiça pela primeira vez.
Pensar e fazer a Universidade “Inventar algo a que eu possa dar o nome de universidade, que valorize a vida”. Este foi o pensamento exprimido pelo professor da Escola de Música da UFBA, membro da Academia de Letras e da Academia de Ciências da Bahia, Paulo Costa Lima, no último dia 01 de agosto, durante palestra em comemoração a cinco décadas de SAJU, realizada no auditório da Faculdade de Direito.
“Não estamos aqui para repetir o que alguém pensou que é universidade”, sentenciou. O professor tratou da importância da Extensão Universitária e lembrou do projeto UFBA em Campo, que foi uma das primeiras iniciativas a vincular a experiência acadêmica com a vivência em comunidade. Lima foi Pró-Reitor de Extensão à época em que o projeto foi implantado.
A Pró-Reitora de Extensão da UFBA, Blandina Viana, explicou “como se faz extensão na UFBA hoje”. Em sua fala, apresentou a PROEXT e destacou que os estudantes que realizam atividades de extensão, a exemplo dos sajuanos, estão comprometidos com questões sociais relevantes. “Eu acredito que a sobrevivência no século 21 se dará por meio da atuação em comunidade, por meio da extensão universitária”, sublinhou.
A pró-reitora também reconheceu as atividades do Serviço de Apoio Jurídico como uma espécie de “oxigênio” dentro da universidade e algo que se pratica com conhecimento ético. “Devemos superar a ideia de que se produz conhecimento de maneira ingênua”, continuou. Ainda de acordo com Blandina, a extensão preenche uma lacuna teórico-prática muitas vezes presente na academia.
O auditório da Faculdade de Direito foi colorido por opiniões de diversos estudantes que possuem algum contato com a extensão universitária. A exemplo de Camila Antero, que apresentou o NEPPA – Núcleo de estudos e Práticas em Políticas Agrárias. A organização política presta assessoria popular a movimentos sociais. “A gente tem um compromisso de realizar extensão popular e de resolver os problemas do povo”, enfatizou.
Uma das opiniões mais celebradas foi a de Raquel Cerqueira, bacharel em Direito e ex-integrante do SAJU. Segundo os professores à mesa, Cerqueira foi assertiva ao reconhecer a função transformadora da atividade de extensão. “A universidade só existe se ela abre espaço para a extensão, porque existem outros lugares que podem realizar ensino e pesquisa de qualidade”, reconheceu.