Documentário Acupe Terra Quente tem estreia no IX ENECULT
*Por Vanice da Mata
O documentário Acupe Terra Quente animou a primeira noite da programação cultural do IX Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – ENECULT, no dia 11 de setembro. Produzido por alunos da Atividade Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS) Memória Social: audiovisual e identidades, vinculada à Pró-reitoria de Extensão (PROEXT) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o vídeo de aproximadamente 40 minutos trouxe depoimentos de moradores de Acupe, distrito da cidade de Santo Amaro, região do recôncavo baiano.
Com uma linguagem transparente e simples, o grupo de alunos orientados pelo professor Dr. José Roberto Severino priorizou o discurso direto na fala cinematográfica sobre o local. Utilizando-se de depoimentos de moradores de Acupe e imediações, os estudantes lançaram mão de enquadramentos que aproximaram o olhar comum do espectador do “olhar da câmera”, revelando em boa medida a poesia do lugar. “O objetivo do trabalho foi fazer o registro audiovisual, a qualificação das narrativas, compreendendo-as enquanto discurso e o audiovisual como ferramenta do ‘dizer de si’, de se colocar no debate simbólico. Além disso, o aluno da UFBA precisa saber que existe um lugar de trabalho que é um lugar de transformação, ligado ao mercado de bens simbólicos que, inclusive, é bem maior que o de capitais. Com esta ACCS estamos também auxiliando a Universidade a cumprir o seu papel de promover o desenvolvimento regional, atentos a premissas dos direitos constitucionais que estabelecem que o patrimônio cultural brasileiro é um direito”, explicou o professor José Severino. Desde 2010 ele vem realizando pesquisas e aprofundando o seu conhecimento sobre a comunidade local.
De alguma forma o fazer do documentarista Eduardo Coutinho passeia pela obra. A aposta na narração das personagens locais, a presença do interlocutor nas cenas – seja através da voz ou da imagem do realizador – revela a quem assiste a sinceridade que se quer dar àquele registro. Segundo Rafael Teixeira, estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e aluno da ACCS, “há a mistura de documentário participativo, mas com discrição. A câmera muitas vezes passeia pelos lugares, mas sem se intrometer”, explica o estudante com ênfase em Cinema que, além de ter sido o responsável por boa parte da filmagem do material, foi um dos principais editores da versão do doc apresentada naquela noite.
Para Marta Melo, estudante de Psicologia e aluna da ACCS, o maior desafio do trabalho foi, diante de tantas histórias, conseguir fazer um recorte. Marta destacou também a insatisfação do povo de Acupe quanto à condição de distrito. “Eles não se sentem pertencentes a Santo Amaro. Muitas manifestações culturais que saem de Acupe são identificadas como de Santo Amaro”, reclama a jovem. Burrinhas, Caretas, Nego Fugido, Mandus, Bombachos, e mesmo vários grupos de Samba de Roda (fazer que desde 2004 é patrimônio imaterial do Brasil) são exemplos de manifestações culturais que nascem na “Terra Quente”, significado do termo tupi “Acupe”.
Mesmo com a estreia, o filme ainda não é considerado pelo coletivo como finalizado. A apresentação feita no Enecult é uma primeira versão. Até esta etapa, o filme recebeu colaborações como a do aluno de instrumento da Escola de Música da UFBA, Ronaldo Ros, com sua expertise na área de áudio, e de forma geral cada aluno da ACCS colabora com o conhecimento que o curso ajuda a desenvolver. “A gente se envolveu em todos os processos – desde o contato vivencial, as filmagens, edição, e mesmo a finalização. A comunidade se sentiu valorizada, pois a memória veio delas e aqui ela dialoga com o Acupe de hoje, refletindo sobre crescimento, problemas com saneamento, e mesmo a questão política forte que é a emancipação”, frisa Ros. O professor Roberto Severino explica o trabalho em conjunto. “Se vamos fazer uma cobertura fotográfica de alguma oficina na comunidade, os alunos com maior domínio da técnica estarão lá, como voluntários, mesmo que não estejam mais matriculados. A gente faz os documentários na comunidade e ao mesmo tempo ensinamos a fazer”, diz.
Este primeiro resultado é fruto exclusivo da reflexão dos alunos da disciplina sobre o processo, mas há muito material produzido pela própria comunidade. Segundo Severino, é necessário compartilhar qualificação na área da produção cultural com os grupos locais. “Não somos nós que estamos dizendo. Quando um grupo daqui grava um CD e tem que subir em palco, nós refletimos com eles sobre este fazer. A gente vem contribuindo neste processo de produção cultural comunitária. Que equipamento usar? Qual o melhor microfone, por que tem que ser diferente o modelo de gravação de samba de roda, por exemplo? Este mundo técnico, que não é do conhecimento deles do ponto de vista da exibição e da gravação, quando eles querem que isso aconteça , a gente contribui”, sintetiza o professor.
Recanto negro e indígena por natureza, Acupe segue com suas dificuldades de sobrevivência e particular riqueza cultural. Seus 10 mil habitantes representados na telona por gente como Dona Joanice e o “seu” Samba de Roda de Raízes do Acupe, ou seu Dodô e as Caretas, são exemplos da força imanente de cada personagem que pula, gira, reinventando a própria existência de quem é interpelado e de quem interpela pela fantasia. O filme é resultado do compromisso dos alunos da ACCS Memória Social: Audiovisual e Identidades, juntamente com o professor José Roberto Severino que estabeleceu uma parceria com o Coletivo de Audiovisual do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da UFBA – CULT e com o Programa Arte, Cultura e Ciência – de que faz parte a Agenda Arte e Cultura da UFBA -, além da Web TV.
A ACCS costuma oferecer 14 vagas semestralmente, mas o número de alunos só cresce. Curioso mesmo é tentar adivinhar o porquê. Veja o trailer do doc: http://zip.net/bnk3C9.