Festivais online ganham força e devem virar tendência no futuro

Eventos remotos perdem em conexão corpo a corpo, mas permitem diversificação de público

Everton Ruan e Maysa Polcri

Sem a realização de aulas, festivais e apresentações por causa da pandemia da covid-19, atores e dançarinos tiveram que enfrentar desafios e adaptaram o que antes era feito com calor humano para a realidade virtual. Se festivais online não eram exatamente uma novidade no mundo da arte, eles passaram a ser necessários para que trocas entre artistas continuassem, mesmo com as regras de distanciamento social.

Depois de 8 anos desde a última edição do Festival de Teatro do Subúrbio, o Coletivo de Produtores, que realiza o evento, se deparou com uma nova realidade: produzir entretenimento de forma remota. Em 12 anos de existência, essa foi a primeira vez que o projeto aconteceu inteiramente online. A princípio, a ideia era realizar a 5ª edição do Festival em formato híbrido, o que não foi possível acontecer pelo crescente número de pessoas infectadas pela covid no país. Para ser realizado, o projeto foi contemplado com apoio financeiro pelo Prêmio Anselmo Serrat de Linguagens Artísticas, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura Municipal de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.

Apesar do formato virtual assustar os produtores culturais, bons resultados têm saído desse modelo.  Para Marcio Bacelar, coordenador administrativo e curador artístico do Festival de Teatro do Subúrbio, as transmissões online quebram as barreiras geográficas. “A vantagem de ter feito o Festival de modo virtual é que a gente pôde selecionar grupos de teatro de qualquer lugar do Brasil. Isso foi muito bacana porque tivemos mais de 80 inscrições de várias regiões do país”, explica. 

Festival do Subúrbio se adaptou ao formato digital (Foto: Divulgação)
Espetáculo Dois Nós na Noite foi apresentado no Festival de Teatro do Subúrbio digital (Foto: Divulgação)

A mostra dos espetáculos foi realizada de 23 a 28 de março, no canal do YouTube do Festival, com  grandes atrações nacionais que foram convidadas e peças  de teatro selecionadas pela curadoria. No formato virtual, a equipe teve que se dedicar em dobro. “A equipe foi mais enxuta, mas teve uma garra muito boa. Foi uma das melhores equipes que tivemos, em termos de prática no processo, sobretudo, pelo desafio de fazer isso de modo virtual e alcançar um público que, talvez, nunca tivéssemos alcançado”, afirma Bacelar.  

Com as portas de teatros trancadas, a adesão ao online como o principal canal de transmissão desse evento cultural foi a solução. O Bando de Teatro Olodum comemorou os seus 30 anos sem o calor humano, contato com os palcos e aplausos calorosos do público aglomerado. O grupo realizou, entre os dias 6 e 10 de abril, a 11ª edição do Festival de Arte Negra A Cena Tá Preta, em formato totalmente online e gratuito, para comemorar mais um ano de resistência do projeto. 

Carol Alves, produtora executiva da  Mil Produções, empresa responsável por produzir o Festival de forma remota, conta que a mudança de espaço de produção resulta em um evento novo e até os artistas precisam se adequar. “As pessoas estavam acostumadas com os artistas do Bando na posição de atores, mas com a nova realidade, a gente viu eles assumindo funções de diretores e dramaturgos. Tudo isso pensado para se encaixar no cenário atual e ter menos pessoas circulando na produção”.

Espetáculo Sarauzinho do Calu foi apresentado no Festival A Cena Tá Preta (Foto: Alonso Natureza/Divulgação)
Espetáculo Sarauzinho do Calu foi apresentado no Festival A Cena Tá Preta (Foto: Alonso Natureza/Divulgação)

As reinvenções foram muitas para que os espetáculos chegassem ao público, que, apesar de não poder prestigiar o evento de maneira física, se fizeram presente e ovacionaram os artistas de um modo diferente do acostumado no presencial.  “Ficamos muito felizes com a participação do público, tivemos uma boa interação no chat. A internet nos possibilitou um crescimento contínuo de visualizações, compartilhamentos e curtidas, então foi muito bom”, explica Alves.  

Dança
Os festivais online de dança também ganham cada vez mais força e pelo menos dois deles conseguiram apoio financeiro do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura via Lei Aldir Blanc. O Conexões Festival de Dança é um desses, sob a diretoria da dançarina Ana Talita, o evento foi realizado em março e contou com oficinas de práticas corporais e apresentações artísticas – tudo por meio de links e salas virtuais. Vinte artistas baianos também foram selecionados pelo festival para participarem de uma residência artística com o coreógrafo Dejalmir Melo. Durante duas semanas, os artistas imergiram em um processo online de criação de uma obra que foi apresentada ao público na noite de estreia do festival.

Guego Anunciação, coreógrafo e fundador da Reforma Cia de Dança, é o curador artístico do Conexões Festival e acredita que, como aprendizado da pandemia, os festivais de dança que acontecerem presencialmente vão ser cada vez mais transmitidos online.

“É difícil abrir mão do encontro com o outro, mas acho que surge uma brilhante opção de acesso, de manter as atividades presenciais no pós-pandemia e transmiti-las para o maior número de pessoas”, afirma.

Já o Online Festival de Dança Itacaré misturou o presencial e o virtual. Entre os dias 15 e 28 de fevereiro, seis dançarinos baianos e dois coletivos de dança foram selecionados e produziram vídeos nas praias paradisíacas do sul da Bahia. A direção do evento afirma que todos os protocolos de segurança contra a covid-19 foram cumpridos. As produções foram exibidas em março no evento online, que contou também com salas virtuais de palestras e oficinas.

Para o professor de dança Eduardo Quintino, ao mesmo tempo em que a modalidade remota não contempla a conexão cara a cara (e corpo a corpo) dos dançarinos, a possibilidade de realizar um intercâmbio com artistas de outras localidades é enriquecedora. “Acredito que os eventos online vão virar uma tendência no futuro, apesar de hoje estarem acontecendo de forma obrigatória. Quando isso vier com um caráter de opção, poderemos ter eventos em que aconteçam edições presenciais e online, vamos aproveitar a parte boa e complicada de cada um dos formatos”, afirma o coreógrafo.

Não é só aqui
A paulista Priscila Magalhães, 36, é diretora artística do Embate Experimento, competição que reúne dança, música, poesia e artes visuais em experimentação. No início de 2020, o Embate foi contemplado por um edital da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo para realizar quatro edições, todas em caráter presencial. Justamente em março daquele ano, quando iria acontecer a última edição do evento, a pandemia estourou e foi decretado lockdown em São Paulo. “Ficamos chocados, do nada estávamos no meio da quarentena, até então não tínhamos entendido o que realmente estava acontecendo. Pensamos em cancelar ou adiar, mas o edital não permitia, tínhamos que entregar a prestação de contas e já estávamos atrasados com os prazos”, conta Priscila, que, junto com a equipe, teve que viabilizar o Embate de maneira remota.

O resultado surpreendeu a todos e não poderia ter sido melhor, o Embate Experimento – Edição Online foi um sucesso e outras duas edições foram realizadas, sendo a última delas em fevereiro deste ano. Com cada dançarino dentro de sua casa, vídeos de até um minuto foram a forma que a equipe do evento escolheu para que cada artista pudesse mostrar seu trabalho. Em cada etapa da competição, os dançarinos receberam uma palavra norteadora e uma música produzida especialmente para ocasião, eles se inspiram e gravam os vídeos, tendo total liberdade para experimentar linguagens artísticas. As gravações são então publicadas no Instagram do Embate para que o público entre em cena e decida, em cada batalha, quem avança na competição.

Para o carioca Thiago Nunes, 27, que venceu a última edição do Embate com a palavra norteadora “casulo”, o maior ganho dos eventos virtuais é a facilidade de unir pessoas de diversos lugares sem precisar sair de casa. Thiago acredita que os eventos online perdem um pouco da essência da dança devido à falta de contato real entre os artistas, mas diz que eles são eficientes e devem continuar acontecendo, mesmo que percam força após a pandemia. “As práticas remotas funcionam bem, a internet aproxima as pessoas, as vezes é a única forma de contato com alguém que você admira ou de participar de um evento que você queira muito”, afirma o dançarino que chegou a dar aulas para pessoas que estavam no Japão durante a pandemia, tudo dentro do seu “casulo” no RJ.

Na perspectiva de quem organiza os eventos, o calor humano faz falta, mas para Priscila Magalhães, entusiasta das possibilidades que o online propicia, o evento em formato remoto e sua capacidade de furar bolhas devem se concretizar como tendência mesmo com o fim da pandemia. “Nós vamos continuar fazendo a edição online, intercalando com a presencial. Para nós virou uma possibilidade de estreitar laços e trocar com pessoas de lugares diferentes”, garante a diretora artística do Embate Experimento.

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