Gestor cultural: formação em foco
* Por Lorena Caliman
A formação de gestores culturais, o desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura e a necessidade de que a formação seja um meio, e não um fim em si, para a atuação do gestor cultural foram alguns dos temas discutidos nesta segunda-feira, 22, na mesa sobre a formação de gestores culturais e o Sistema Nacional de Cultura. O debate foi o último da noite, e reuniu o secretário substituto de Articulação Institucional do MinC, Bernardo Machado, e o professor da UEMG e da PUC-Minas José Márcio Barros, que também é coordenador do Observatório da Diversidade Cultural. A mediação da mesa ficou com o pró-reitor de extensão da UFPA, Fernando Arthur de Freitas Neves.
Em foco, a formação de gestores culturais e a necessidade de se expandir a atuação dessa figura nos estados e municípios brasileiros. “O Plano Nacional de Cultura inclui como um de seus objetivos qualificar a gestão da cultura nos âmbitos público e privado. É necessário profissionalizar e especializar os gestores”, pontuou Bernardo Machado. A meta decenal do plano, segundo lembra o secretário, é cobrir todos os estados da federação e 30% dos municípios com gestores culturais capacitados. Além da formação, o secretário citou o artigo 215 da Constituição Federal, que diz que o Estado deve garantir a todos os direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Temos um marco regulatório bastante denso. Já que a função do Estado é dessa ordem, é necessário criar uma estrutura capaz de sustentar isso”, refletiu.
Machado, que também é produtor cultural e ator e diretor do teatro, fez sugestões sobre quais seriam as competências necessárias para a formação de um gestor cultural, diante do fato de que ainda não há um consenso sobre a formação nessa área. Dentre as competências necessárias ele citou, por exemplo, a formação em ciência política, comunicação, direito, filosofia, estética, entre outros. Por outro lado, há a necessidade também de se definir quais seriam os chamados direitos culturais. “Há uma indefinição ainda, até internacional, sobre quais são esses direitos”, disse.
O professor José Márcio Barros problematizou o assunto, gerando questionamentos sobre os direitos culturais, a formação de gestores e as relações entre a Educação e a Cultura no Brasil, que para ele deveriam ser mais estreitas. “Quando se comemoraram os 25 anos do Ministério da Cultura, a minha vontade era a fusão dos dois ministérios. Nas áreas de Educação e Cultura é impossível pensar só em parcerias. É preciso ser mais radical”, defendeu. José Márcio também ressaltou que a formação de gestores não é uma alternativa, mas uma necessidade imediata para se pensar a cultura no Brasil de uma forma mais permanente. “Eu penso que, a partir desses encontros institucionais, a gente deve propor alguma coisa com mais permanência”, ressaltou.
O professor também cobrou energia para se pensar em políticas culturais voltadas para o assunto, afirmando que “não nos cabe mais discutir metodologias”, mas tratar de políticas com consequências concretas.
Formação – Em entrevista, o professor José Márcio Barros explicou um pouco mais sobre a função do gestor cultural e sua importância para as cidades e estados do Brasil. Confira a conversa.
Agenda Arte e Cultura UFBA – Qual a função de um gestor cultural? Quais prerrogativas sua formação deve seguir?
José Márcio – A formação do gestor cultural é a gente aliar o instrumental da gestão à dimensão conceitual, política, filosófica da cultura, por sua importância. O bom gestor entende que ele deve ter boas ferramentas exatamente pra que possa contribuir para a vitalidade da cultura. Quando o gestor só entende das ferramentas e não sabe o por quê delas, ele trata a cultura como qualquer outro bem, como se a cultura pudesse ser qualquer outro bem ou mercadoria a serviço da sociedade. Então ele precisa aliar essa relação entre os meios e os fins no campo da cultura.
Agenda – Como criar uma formação satisfatória para o gestor cultural? Como fazer isso na universidade?
José Márcio – Eu acho que primeiro as universidades têm que introduzir, nas diversas graduações, o conteúdo da cultura. Hoje o conteúdo da cultura está restrito ao chamado campo das ciências humanas, ou das ciências sociais aplicadas. E a questão da cultura deve estar presente na formação da graduação em todas as áreas, sejam elas quais forem, de saúde, exatas, etc. Feito isso, que já seria um grande avanço, aí nós podemos pensar em como qualificar especificamente, com cursos de extensão, com cursos de aperfeiçoamento, pós-graduação lato ou stricto sensu… O gestor cultural vai estar à frente das políticas de cultura. O que nós precisamos primeiro é fazer com que todos os advogados tenham uma formação mínima na área de cultura, todos os engenheiros, todos os arquitetos, os médicos…
Agenda – De que forma o gestor se diferencia no campo da cultura?
José Márcio – O campo da cultura demanda várias especialidades. O gestor cultural é um dos especialistas. Tão importante quanto o produtor cultural, o curador; existem várias e complementares importâncias. O gestor cultural, no meu entendimento, é aquela pessoa que sabe identificar uma realidade, planejar como alterar essa realidade e participar da execução e avaliação de tudo o que é feito para alterá-la. O produtor cultural é alguém que deve dar conta da operacionalização das coisas. Ele é um gestor, mas um gestor da parte executiva. Um gestor cultural, mais amplo, atua na definição do que precisa ser feito; o produtor atua na questão de como é que eu devo fazer, então são níveis complementares e de complexidades diferentes.
O produtor tem que atuar nessa área do planejamento das políticas públicas. Nesse sentido é que eu acho que a formação dos gestores culturais tem essa demanda, uma capacidade forte de diagnosticar a realidade onde você está, de prognosticar onde tem que chegar e pensar o que você tem que fazer pra sair daqui e chegar no futuro desejado.
Agenda – O gestor pode atuar somente na administração pública ou ele também atua, por exemplo, numa entidade privada?
José Márcio – Ele pode atuar em qualquer dimensão. O gestor público de cultura está nas entidades públicas, mas também não-governamentais. Quer dizer, o público é aquele que promove o bem público, não necessariamente que pertence a um setor governamental.
Agenda – Como foi a experiência do curso de gestores culturais feito na Bahia?
José Márcio – Vou apresentar amanhã (23/04) no grupo de trabalho a avaliação com os egressos desse curso. Esse curso piloto aqui (da Secult-BA com o Ministério da Cultura) serviu para pensar modelos de cursos de gestão, que depois um deles foi reaplicado pra sete estados no Nordeste, além de um outro no Rio Grande do Sul que está pra começar.
Agenda – Você pode adiantar alguma coisa sobre a avaliação?
José Márcio – O curso é muito bem avaliado, mas não é suficiente pra formar o gestor. Se o gestor não tem concurso, não tem estabilidade, não tem permanência na instituição, ele se forma, e daí a pouco o mercado altera a presença dele. Então por exemplo, aqui na Bahia eu tenho o Reda, que é a estabilidade de dois anos renováveis por mais dois anos, mas depois acaba. Claro, todo investimento em educação é muito bom, mas essas medidas de formação têm que estar acompanhadas também por medidas de ampliação de quadros, de estabilidade de quadros, porque senão você forma e perde a pessoa.