Literatura fantástica ganha visibilidade e agrega seguidores na Bahia
Segmento literário encontra cada vez mais adeptos no estado enquanto novos autores são publicados no Brasil.
*Por Guilherme Reis
Há poucos anos, soava estranho quando algum baiano era visto se aventurando pelo universo da literatura fantástica. Hoje em dia, o preconceito contra os best-sellers e os livros com intenções recreativas ainda resiste. No entanto, o cenário cultural baiano vem se tornando cada vez mais permeável ao gênero, fato evidenciado pelo crescente número de autores escrevendo sobre realidades imaginárias.
“Ao longo dos anos, a literatura fantástica vem conquistando leitores no mundo inteiro. Com toda a certeza, esse crescimento e a possibilidade de soltar a imaginação fará despontar outros escritores baianos”, analisa a escritora Lilia Uzêda, que no início de julho lançou o seu primeiro livro, o romance “Etéreos”.
Lilia atravessava um dos momentos mais estressantes de sua vida quando a história surgiu em sua cabeça. Às vésperas da formatura, tudo o que queria era algo para aliviar a tensão. “De uma maneira inexplicável, esse livro trouxe a força que procurava para superar as dificuldades. Toda a magia presente nesses personagens preencheu a minha vida de entusiasmo”, conta. Lilia assinou com a editora Novo Século, uma das maiores do segmento no Brasil e que abriga nomes como André Vianco, cujos livros de temática vampiresca já totalizaram mais de 1 milhão de exemplares vendidos.
Para o professor e doutor em Letras pela UFBA Carlos Ribeiro, é exatamente essa possibilidade de escapismo proporcionada pela fantasia que a torna tão atrativa: “A imaginação, nas suas múltiplas formas, é um antídoto contra o controle e o domínio das nossas mentes. E a arte é uma das formas mais eficazes de driblar a opressão e dar um colorido para a existência do ser humano”, avalia.
Da mesma safra de Lilia, embora esteticamente diferente, Victor Mascarenhas acaba de lançar o seu novo romance, “Xing-Ling made in China”. Embora não siga o cânone do gênero, vários elementos característicos do fantástico e da ficção-científica permeiam a narrativa. Ambientada em um futuro relativamente próximo, a história fala de uma empresa chinesa, que compra o Pelourinho e constrói ali um parque temático, enquanto a cidade sofre com uma desenfreada especulação imobiliária. “Na verdade, é um livro político e funciona mais como uma alegoria de realidade exacerbada em relação ao nosso presente do que uma obra de literatura fantástica”, argumenta Mascarenhas.
Uma Salvador futurista revela-se em “Xing-Ling made in China”, que se torna uma obra peculiar ao unir o cenário regional com características de um gênero que respira estrangeirismo. Até hoje, um enorme percentual dos escritores baianos ainda explora o regionalismo em suas obras, mas abre mão de qualquer influência estética internacional.
“Muita gente hoje escreve coisas mais introspectivas e pessoais. Ou então fazem uma opção por um pastiche da linguagem popular e vira tudo aquela coisa meio ‘Bahiatursa’, que é um amontoado de clichês ridículos de uma baianidade que só existe em novela”, alfineta Mascarenhas, mas ressalta que não enxerga o escritor baiano como um regionalista tradicional.
Influências
Ainda criança, Lilia tinha o hábito de ler obras de diferentes gêneros e, por isso, costuma dizer que traz consigo todas as influências possíveis. No entanto, cita Machado de Assis e Marion Zimmer Bradley, autora de “As Brumas de Avalon”, como suas principais referências. “Avalio Dom Casmurro como um dos melhores livros que já li. Gosto das possibilidades de interpretações relacionadas à conduta dos personagens. Considero atraente o despontar de questionamentos quanto aos aspectos morais, à sociedade e ao amor”, diz.
Victor Mascarenhas também não se furta a citar os autores que definiram o seu estilo. Entretanto, para além de Machado de Assis, Franz Kafka, Albert Camus e Philip Roth, ele não pode deixar de mencionar uma de suas bandas preferidas: os Rolling Stones. “Eles entram nessa lista porque representam o ritmo e a atitude que busco na minha literatura”, explica.
Se, por um lado, Lilia e Victor se lembram de falar dos escritores que os definiram esteticamente, por outro se esquecem de mencionar os responsáveis por lhes abrir as portas do mercado editorial. Há pouco mais de 10 anos, publicar um romance fantástico no Brasil era algo praticamente impossível. No início dos anos 2000, porém, esse quadro começou a mudar quando blockbusters literários e cinematográficos desembarcaram por aqui e se transformaram em fenômenos de público e de vendas. Os dois exemplos mais ilustrativos são as séries “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis”, que fizeram as editoras perceberem a mina de ouro que deixavam passar despercebida.
Para o professor Carlos Ribeiro, entretanto, as origens do gênero no Brasil remontam de muito antes. “A narrativa fantástica ganhou uma dimensão extraordinária no século XX; na literatura latino-americana, por exemplo, em autores como Gabriel Garcia Márquez, Juan Julfo, Julio Cortázar e Jorge Luis Borges”, explica.
Fãs
O estudante de jornalismo da Ufba, Heitor Oliveira, teve seu primeiro contato com a literatura fantástica aos 8 anos de idade, quando assistiu aos filmes da série “Harry Potter”. Imediatamente capturado por aquele universo, logo passou para os livros e, a partir daí, conta que o gosto se transformou em vício.
“A literatura fantástica nos apresenta um mundo de possibilidades ilimitadas. No mundo real, você sabe que crescerá, estudará, fará faculdade, trabalhará e envelhecerá. Mas nos mundos de ‘As Crônicas de Nárnia’, ‘Eragon’ ou ‘Fronteiras do Universo’, há um quê de liberdade que é impossível de não se cativar”, comenta, empolgado.
Monique Caetano, estudante de Letras da Ufba, faz uma reflexão ainda mais profunda: “O que me atrai na literatura fantástica é o potencial que uma história tem de lidar com as questões de seu tempo, deixando entrever um posicionamento político que pode promover uma reflexão sobre as relações sociais, o mundo, a vida”.
Ela destaca os clássicos ao falar do seu contato inicial com o gênero, a exemplo de “Drácula” (Bram Stoker), “Frakenstein” (Mary Shelley) e “O médico e o monstro” (Robert Loius Stevenson). Monique também menciona as HQs de Alan Moore e Neil Gaiman.
Com Victor Karl, calouro de Produção Cultural da Ufba, não foi diferente. Ele conta que as histórias fantásticas o acompanham desde a infância, quando começou a ler fábulas e contos de fadas. E, assim como os outros, também comenta o que lhe desperta tanta paixão no mundo da fantasia: “Acredito que as inúmeras possiblidades que cada estória traz em seu enredo e a rica construção de detalhes ajudam a enriquecer a capacidade de imaginação de cada um”, conclui.
Muito boa a matéria! Já tive a oportunidade de ler o livro Etéreos uma mágica história que prende desde o início.
Parabéns Guilherme, excelente matéria. Fico feliz de ver o espaço que está sendo dado a este tipo de gênero. Sou apaixonada por Harry Potter. Estou lendo Etéreos e já estou apaixonada pela história. Livro muito bem escrito que envolve o leitor desde as primeiras páginas. Parabéns a autora Lilia e parabéns a todos os autores que acreditam no gênero. Não deixem nunca essa magia adormecer.