Mesa na UFBA debateu a produção de conhecimentos dissidentes no Brasil
Os convidados discutiram o espaço dos estudos de gênero e sexualidade no campo da ciência moderna
Por Ícaro Lima
“Fazer da universidade um lugar de refúgio”. Foi esse um dos temas principais presente nas discussões realizadas na última quinta-feira (16) em uma mesa redonda que fez parte do III Encontro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades (EnCuS), no auditório do PAF V da UFBA, em Ondina.
A primeira mesa do dia teve como tema “Desafios da produção de conhecimentos dissidentes no Brasil da atualidade”, e contou com a participação de três pesquisadores do NuCuS, sendo, dessa vez, cada uma de uma linha diferente de pesquisa, para fazer com que mais visões se entrelaçassem durante a discussão. A mediação ficou por conta de mais duas pesquisadoras do núcleo: a doutorando em letras Mariana Rocha Soares e a estudante de direito Yuna Vitória.
Quem abriu as discussões foi o jornalista e pesquisador da linha “Artes, gênero e sexualdiade”, Marcelo de Troi, que tendo como base o tema “Da ciência moderna aos saberes dissidentes: a ciência como refúgio em tempos de autoritarismo”, discutiu qual o papel da ciência no campo dos estudos de gênero e sexualidade.
Ele comentou também sobre o nascimento da ciência moderna e quais os percalços entre as conexões entre ela e os estudos de gênero e sexualidade, e como o reforço dessa ciência é feita através da credibilidade dadas por fortes instituições (imprensa, governos etc). de Troi continuou falando sobre a necessidade de haver “saberes dissidentes” nessa discussão, como os presentes em alguns estudos feitos pelo psicanalista Sigmund Freud, o filósofo Franz Fanon e o sociólogo Michel Foucault.
Além disso, de Troi discutiu a ideia de uma “universidade como lugar de refúgio”, principalmente nos dias atuais, em que a legitimidade de algumas informações é colocada em dúvida através do descrédito dado à algumas instituições.
Já a próxima palestrante começou a sua fala de um modo não tão comum: citou nomes de diversos cientistas, filósofos, pesquisadores etc, dos gêneros masculino e feminino, e questionou quais deles as pessoas presentes conheciam. Resultado: a maioria do público era mais familiar aos homens do que as mulheres citadas.
E foi com esse teste que a mestranda do grupo Pós-cultura, Naiade Bianchi, começou a falar sobre “Conhecimento lésbico: um olhar decolonial sobre a visibilidade na ciência”. Ela discutiu sobre a atuação e visibilidade feminina no campo dos estudos científicos, principalmente quando se diz respeito aos estudos de gênero e sexualidade, e continuou debatendo sobre como as mulheres, mesmo produzindo grandes pesquisas, não eram tão reconhecidas quanto os homens.
Naiade usou relatos pessoais da sua trajetória de descoberta como lésbica e feminista, citando exemplos das dificuldades que os debates sobre lesbianidades ainda enfrentam no Brasil, e finalizou destacando a importância de eventos como o EnCuS convidarem lésbicas para expor suas ideias: “é nos colocarmos, mas também dar voz aos nossos”, destacou.
O último a se apresentar foi Júlio César Sanches, que abordando o “Conservadorismo e mídia no Brasil da atualidade”, provocou reflexões sobre o campo midiático atualmente no Brasil e o seu comportamento, principalmente, desde as eleições presidenciais de 2018. Usando como base o escritor Muniz Sodré, ele defendeu o “campo midiático como construtor de subjetividades”, ou seja, como a atuação da imprensa e dos meios de comunicação podem disseminar pensamentos e provocar discussões, traçando um paralelo com práticas do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
Ao final das apresentações, o público pôde fazer perguntas aos pesquisadores, e questionamentos como “em que nível vale a pena grupos como o CuS disputarem o espaço da ciência?” fizeram continuar o debate.
Abertura
Para o professor do IHAC (Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos) e coordenador do NuCuS (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidade), Leandro Colling, o objetivo deste III EnCuS é “discutir esse ataque aos estudos de diversidade sexual e de gênero, no Brasil, nos últimos anos, discutir essa conjuntura e novas formas de enfrentamento a esses retrocessos que a gente tem recebido, e também para apresentar resultados parciais de algumas pesquisas realizadas no interior do grupo, em geral pesquisas feitas em nível de mestrado e doutorado”.
O NuCuS, grupo que promoveu o encontro, existe desde 2018 e busca fomentar e executar atividades de pesquisa e extensão que tratam sobre as relações entre as culturas, os gêneros e as sexualidades, e é oriundo do Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade, o CuS, criado em 2007.
Na abertura, Colling explicou um pouco o funcionamento do núcleo, dividido em cinco linhas de pesquisa: “Arte, gênero e sexualidade”, “Estudos trans, travestis e intersexo”, “Lesbianidades, interseccionalidades e feminismos”, “Gênero e sexualidade na educação” e “Processos de subjetivação, raça, gêneros e sexualidades”.
Além disso, ele detalhou algumas feitos recentes do núcleo, como a realização de pesquisas (já foram 25 dissertações de mestrado e 5 teses de doutorado publicados pelos integrantes até hoje), um blog chamado Cultura e Sexualidade, hospedado no portal iBahia e, em breve, haverá o lançamento do NuCuSPOD, o podcast do CuS. Ou seja, atividades tanto voltadas para comunidade UFBA quanto para o público externo.
Já para Lea Santana, também pesquisadora do NuCuS da linha “Lesbianidades, interseccionalidades e feminismos”, a importância de um evento como esse é também servir de política de combate à homofobia, e salientou como os temas abordados, apesar de serem poucos usuais, devem atravessar as barreiras da universidade.
“É uma forma também da gente socializar os nossos temas e abordagens de pesquisa. O grande ganho desse encontro é tanto fazer uma coesão interna entre nós, para que nós possamos nos conhecer, e conhecer os diversos atravessamentos que as nossas pesquisas têm como fazer essa divulgação para um público que é externo ao núcleo, para disseminar essas ideia, expandir as possibilidade de observação do mundo, apresentando aos outros estudantes outras pessoas pesquisadoras o trabalho que o NuCuS faz”, completou.
Mais informações sobre o núcleo e a programação do encontro, pode se acessado clicando aqui. http://www.encus.ufba.br/