Mestra do Saber do Samba de Roda de Acupe protagoniza experiências com alunos da UFBA

*Por Vanice da Mata

No próximo 20 de novembro, dia da Consciência Negra, Joanice Fernandes da Silva Santos, coordenadora geral do Grupo de Samba de Roda Raízes do Acupe , e seus demais membros estarão em Salvador para nova exibição do documentário Acupe Terra Quente. O filme é resultado da Atividade Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS) Memória Social: audiovisual e identidades, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e será seguida de debate junto à comunidade da Faculdade de Comunicação (Facom) e demais interessados. A sessão acontece às 11h, no auditório da Faculdade.

A ACCS Memória Social vem promovendo a aproximação de seus alunos com agentes culturais da localidade onde a atividade se desenvolve: Acupe, distrito de Santo Amaro, situado no Recôncavo Baiano. Na última sexta-feira, dia 8 de novembro, o professor José Roberto Severino, docente responsável pela disciplina, guiou a turma de aproximadamente 20 estudantes até aquela cidade a fim de entrevistar atores locais, a exemplo de Joanice.  O professor Severino já havia transferido a ela a condução da sala de aula na sexta-feira anterior, no dia 1o. “Desde 2011 estamos neste processo de troca de saberes em oficinas e atividades de formação junto aos grupos parceiros. Trazê-la até a Facom para uma palestra foi o inicio de ações que propiciem este contato com os mestres de saberes também no espaço universitário”, explicou o professor.

ACCS visita a cidade de Acupe, no Recôncavo Baiano, para interagir e trocar saberes com seus agentes culturais. Foto: Vanice da Mata
ACCS visita a cidade de Acupe, no Recôncavo Baiano, para interagir e trocar saberes com seus agentes culturais.
Foto: Vanice da Mata

Para quem desde 2008 passou a integrar aquele grupo de Samba de Roda, estar à frente de uma sala de aula parece ter sido tarefa fácil. Além de sambadeira, como legitimamente se reconhece, Joanice atuou como professora no ensino fundamental durante boa parte de sua vida. Paralelamente ao suporte que desde muito jovem deu a sua família nas atividades manuais que até hoje predominam no local, Joanice conquistou outras formas de se entender no mundo. Formou-se em magistério e, posteriormente, tornou-se pedagoga. Entrou ‘no samba’ como coordenadora de eventos. “Minha ligação com o samba é a partir deste lugar, onde ele é muito forte. Fui aprendendo, organizando, e me botaram para coordenar e nisso estou até hoje. Antes eu não tinha muito contato porque meu pai não deixava. Sou filha única por parte de mãe e até hoje sou muito dengada”, reconhece a agente cultural que vem dando novas nuances à atividade na região. Foi ela quem formou o primeiro grupo mirim daquela manifestação cultural na comunidade. “No grupo tem meninos de 5 a 15 anos, e as crianças não tocam com os adultos. Elas já viajaram para vários lugares, e quando vão tocar vou sempre acompanhando, junto com o mestre do samba que é seu Antonio, além de mais duas senhoras que vão para me ajudar a tomar conta delas”, explica. Já na formação adulta do Raízes, por exemplo,  há integrantes que ultrapassam os 90 anos de vida.

Joanice é exemplo. Aos 60 anos de idade, demonstra disposição em interagir com as novas tecnologias, navega nas redes sociais com propriedade, além de mostrar-se organizada e ser dona de uma dedicação cativante. “Se não fosse o samba eu não estaria aqui agora. Há muita gente que vai à minha casa me procurar. Para mim é muito gratificante estar envolvida na cultura”, assume.

Joanice assumiu a sala de aula na Facom no início do mês de novembro. Foto: Vanice da Mata
Joanice assumiu a sala de aula na Facom no início do mês de novembro.
Foto: Vanice da Mata

Segundo o professor José Roberto Severino, dialogar com a diversidade a partir de atores locais é matéria central para a ACCS Memória Social: audiovisual e identidades. Para tanto, “agendamos uma série de encontros ao longo do semestre, com exibição de filmes e música, sempre de forma participativa”, esclarece o docente. Dona Joanice deve voltar a Salvador outra vez neste mesmo semestre, para falar para uma plateia ainda maior. Quando perguntada sobre como se sente com esta perspectiva, dispara de pronto: “nossa vida é uma troca. Eu passo experiência e também recebo. Que continue assim – a gente sempre aprendendo”. Ainda que essa mestra do saber seja uma espécie de guardiã de parte de um modo de vida do povo de Acupe – que por sua vez é uma parte da memória cultural do povo brasileiro -, ela reconhece: “o novo é importante!”.

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O Samba de Roda do Recôncavo Baiano é Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 25.12.2005; é Patrimônio Cultural do Brasil, constando no Livro das Formas de Expressão do IPHAN como Bem Cultural de Natureza Imaterial da Cultura Nacional, referendado por parecer da conselheira Maria Cecília Londres Fonseca, com base no processo 01450.010146/2004-60, emitido em 28 de setembro do mesmo ano.

 

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