Migração na Bahia: e a UFBA com isso?
Conheça o NAMIR, Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da UFBA, que há 4 anos têm contribuído nas questões migratórias da Bahia
Por: Isabel Queiroz (parceria Agenda e COMB90*)
Moradora da capital da Bahia há 3 anos, Anastasiia Syvash, artista e design de 35 anos, decidiu sair em 2020 da Ucrânia, seu país de origem, e migrar para o Brasil, após ter passado um tempo como turista na cidade de Salvador. Anastasiia conta que, apesar dos cenários conflituosos de guerras entre Rússia e Ucrânia existirem desde 2014, foi em 24 de fevereiro de 2022, que mesmo longe da Ucrânia, o início dos ataques russos, mudou o contexto da sua vida e de seus conhecidos. “Eu não voltei depois da guerra de grande escala, eu morei lá durante a guerra, porque a guerra começou em 2014 no leste da Ucrânia, mas depois do dia 24 de fevereiro eu não voltei mais”, contou. Sem poder voltar para o seu país, decidiu trazer a mãe para morar com ela e assim refugiar-se da guerra que está causando inúmeras vítimas até os dias atuais.
Apesar de não ter planos de voltar a morar na Ucrânia, Anastasiia está presente em ações de apoio ao país e envolvida em projetos cujo o objetivo é ajudar pessoas que estão em situações vulneráveis e grupos voluntários na guerra. Uma das formas que ela escolheu para visibilizar essas ações, foi em um dos eventos culturais de intervenção social do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia em dezembro de 2022.
No evento, Anastasiia montou uma “Barraca de Apoio à Ucrânia”, onde vendeu produtos, como camisas, canecas, broches, cartões postais, todos com design exclusivo da artista ucraniana. O lucro das vendas foi revertido para apoio aos grupos vulneráveis da cidade de Kharkiv, na Ucrânia, que é também a sua cidade natal.
Além do evento, como ativista da Ucrânia, Anastasiia produziu em parceria com a amiga, Volha Yermalayeva Franco, de 34 anos, belarussa, brasileira naturalizada, e representante da embaixada popular de Belarus no Brasil, e com o artista plástico de Salvador e ambientalista André Fernandes, uma obra feita com materiais recicláveis, a representação da boneca Mótanka. Uma boneca-amuleto tradicional do seu país. A obra já esteve em vários bairros de Salvador e atualmente está no jardim do Instituto de Letras da UFBA, como um símbolo de luta e resistência.
O evento cultural que Anastasiia participou na UFBA, é um dos programas de intervenção social do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia (NAMIR/UFBA). Fundado em setembro de 2019 por Mariângela Nascimento, cientista política, professora da UFBA, Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do NAMIR, e da Rede Universitária de Pesquisas e Estudos Migratórios (RUPEM),o NAMIR é um programa de extensão registrado na Pró-reitoria de Extensão da UFBA e maior programa interdisciplinar da Universidade, que em setembro de 2023, completou 4 anos de colaboração nas causas migratórias no estado da Bahia.
Venezuela, o país com mais solicitações de refúgio
Segundo dados divulgados do último relatório do Refúgio em Números, publicação anual do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), “Somente no ano de 2022, 50.355 mil imigrantes solicitaram refúgio no Brasil, uma variação positiva de cerca de 73,0% em relação ao ano anterior”. Dentre essas solicitações 33.753 mil, correspondem a migrantes da Venezuela, nacionalidade da maioria das pessoas acolhidas pelo NAMIR.
No relatório, também é comparado o número de solicitações de refúgio no Brasil entre os anos de 2011-2022, sendo 2019, o ano em que mais ocorreu solicitações de refúgio, com o número de 82.552 mil e em segundo lugar 2018, com 79.831mil solicitações.
O Nordeste, a Bahia e migrantes registrados
Em 2019, o Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO/UNICAMP), o Observatório das Migrações no Estado do Ceará e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), lançaram na cidade de Salvador, com o apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o “Atlas Temático: Migrações Internacionais na Região Nordeste”, que é uma análise do fluxo migratório para região entre os anos 2000 e 2017.
O Nordeste ocupava o terceiro lugar entre os anos 2000 e 2017, como a região com maior concentração de fluxos migratórios no Brasil, tendo 117,9 mil migrantes registrados. Dentre os estados do Nordeste, a Bahia ocupava o primeiro lugar do ranking, com 36,2 mil migrantes e em segundo lugar o Ceará, com 26,4 mil.
Rede de Universidades Públicas da Bahia e projeto de lei migratória
O NAMIR conta também com uma Rede Interinstitucional com as Universidades públicas, estaduais e federais do estado da Bahia (RUPEM), inclusas, além da UFBA, a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia AfroBrasileira (Unilab), Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Essa rede propõe organizar e oferecer serviços de políticas sociais focadas em dialogar com os poderes públicos municipais, incentivando o aumento da efetividade das ações e promovendo suporte ao acolhimento humanitário da população migrante.
A rede tem promovido articulação institucional com Secretarias municipais e estaduais, com o setor privado e as organizações da sociedade civil e a população migrante e tem viabilizado encontros em Feira de Santana, Lauro de Freitas, Una, Itabuna, Vitória da Conquista, Santo Antônio e Luís Eduardo Magalhães, possibilitando o conhecimento da realidade local, mapeando os problemas e propondo possíveis soluções.
O núcleo está trabalhando também em um projeto de lei e tem buscado maneiras para conseguir a aprovação, foi feita uma reunião com representantes parlamentares da Bahia (ALBA) para apresentar a proposta do projeto de Lei Estadual de Migração, a criação do Comitê Estadual Intersetorial e o Plano Estadual de Políticas Migratórias. O NAMIR afirma que a reação dos representantes parlamentares foi muito positiva à proposta, cujo objetivo é promover políticas públicas e fiscalização aos bens sociais pela população migrante. Em setembro de 2023, ocorreu uma reunião com a assessoria jurídica da bancada do PT, para o encaminhamento das propostas ao Governo do Estado. Caso seja aprovada, a Bahia será o segundo estado do nordeste a ter uma Lei de Migração, depois do Rio Grande do Norte.
4 anos de 4 comissões
Para organizar essas atividades, o NAMIR é constituído por quatro comissões: Direitos Humanos, Trabalho, Educação e Saúde. A comissão de Direitos Humanos, tem como objetivo, análise e produção de registros, dados documentais sobre mobilidade humana na Bahia, promover conhecimento e sensibilização sobre o assunto, prestação de atendimento e assistência jurídica, principalmente na regularização documental aos solicitantes de refúgio e aos migrantes em situação de vulnerabilidade, orientações e encaminhamentos para validação de diplomas de graduação, atendimento a migrantes e refugiados encarcerados e aos seus familiares, além de atividades socioculturais como eventos, encontros e feiras, como a que Anastasiia teve a oportunidade de estar com a sua barraca de apoio à Ucrânia. Todos esses projetos visam a integração e inserção da população migrante na realidade da Bahia.
Danilo Miguez, músico boliviano formado pela UFBA, migrou para o Brasil movido pelo seu interesse na música brasileira, encontrou o NAMIR através da UFBA e do centro islamico, parceiro do núcleo e conta que o NAMIR o ajudou “Especialmente nessa questão de conversar e entender as questões migratórias no Brasil, as diferenças entre as diferentes nacionalidades”. Danilo também ressaltou a importância da UFBA, como universidade, estar pensando e intervindo nas políticas migratórias na Bahia.
A comissão de Trabalho e Assistência Social, contribui na integridade social e empregabilidade do migrante, consiste em articular parcerias institucionais como as Secretarias do Trabalho (SESC, SENAI, Sindicatos, Empresas) e oferecer suporte para oportunidades de empregos, desse modo contribuindo na dignidade dessas pessoas, que muitas vezes encontram no Brasil a esperança de uma vida melhor, o NAMIR também conta com a fiscalização e denúncia de migrantes em situação de escravidão, além de oferecer assistencia psicossocial.
Já a comissão de Educação, realiza tarefas orientadas para a aprendizagem da língua portuguesa, fortalecendo a inclusão social linguística e cultural. Na comissão de Saúde, o NAMIR faz mapeamentos sobre atendimentos a migrantes e refugiados em Salvador e na Bahia, nos serviços de Atenção Básica e Pronto Atendimento (UPA) dos municípios e centros de referências em saúde do trabalhador, contribuindo com campanhas de sensibilização sobre a situação dos migrantes no Brasil, a comissão também disponibiliza informativos sobre acesso aos serviços de saúde SUS, principais centros de referência, hospitais e policlínicas, em formato de cartilhas, escritas em diferentes idiomas, com ênfase no direito constitucional à saúde.
Importante destacar a importância entre os serviços de saúde; o apoio psicológico. A coordenadora Mariângela, pontua como o caminho e abordagem para chegar até esses migrantes, pode não ser fácil, “Eles chegam em situação não só de vulnerabilidade social, mas emocional também, porque eles deixaram para trás toda a sua história, toda suas referências, ficam recolhidos e a gente vai fazendo um trabalho aos poucos”, essa dificuldade pode vir de muitas questões emocionais, afinal a migração impacta além de questões geográficas.
Balcão Solidário
Em março de 2023, o NAMIR conseguiu realizar mais um de seus objetivos, o programa “Balcão Solidário”, localizado na praça Inocêncio Galvão, 42, Largo Dois de Julho (Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA), com os horários de funcionamento de segunda a sexta, das 9h às 17h. O balcão funciona para atender, dar informações e encaminhar os migrantes e refugiados aos órgãos públicos competentes para solução de problemas, além de oferecer curso de portugues e oficinas temáticas de capacitação profissional, para inserção no mercado de trabalho, também é oferecido suporte na área jurídica, social e pedagógica, para mais informações de contato, acesse no site oficial do NAMIR.
Discriminação e rede de apoio
Apesar do Brasil, e a Bahia serem repletos de diversidades culturais, étnicas e sociais, não se pode negar que ainda há necessidade de lutar contra a discriminação, o preconceito, o racismo e a xenofobia, na sociedade, no entanto, é imprescindível a atuação além das questões políticas e jurídicas da migração, e é nesse contexto que o NAMIR e UFBA vem atuando.
Quando questionado se já passou por algum caso de discriminação, Danilo, músico boliviano, afirmou que “Sim, muitas vezes, todo o tempo”, e é por isso que essas ações sociais, culturais, proteção dos direitos humanos e saúde do cidadão, promovidas pelo Núcleo, atuam de forma direta na inserção e sentimendo de pertencimentos dessas pessoas na sociedade baiana, formando uma rede de apoio entre o NAMIR e migrantes que muitas vezes, se encontram situação de vulnerabilidade, além de levar conscientização e visibilizar para as outras pessoas, as questões migratorias no estado da Bahia e no Brasil.
*Esta reportagem é uma parceria da Agenda Arte e Cultura com a disciplina COMB90 – Jornalismo Especializado (Facom/UFBA). Os textos são produções de estudantes de graduação em Jornalismo, sob supervisão da profª Drª Graciela Natansohn e da tirocinista Glenda Dantas.