‘Muitas vezes as mulheres são penalizadas pela maternidade’, diz professora de psicologia
Por Noédson Santos
É preciso “aprender a viver com a diversidade do feminino. Com filho, sem filho, aprender a viver com a diferença. Precisamos deixar os meninos a brincar de boneca, pois eles precisam aprender a ser pais. Pra não parecer que é tarefa natural e inerente à mulher”. A frase é da professora do Instituto de Psicologia da UFBA Juliana Prates. Psicóloga, ela coordena o projeto Crianças na UFBA e leciona Psicologia do Desenvolvimento da Criança (PDC). A Agenda Arte e Cultura conversou com a professora sobre a relação maternidade e universidade.
Agenda Arte e Cultura: Como foi o desafio de conciliar a maternidade e a carreira acadêmica?
Juliana Prates: Há alguns privilégios por ser professora dedicação exclusiva, pois tem flexibilidade de horário. Então, comparado com outras mulheres em outras condições, acho que a gente tem mais liberdade, na medida em que eu posso organizar o meu tempo para conciliar as minhas atividades. Tive a minha primeira filha, Luiza, no último ano do doutorado. E é um desafio: por um lado foi ótimo, pois estava trabalhando em casa e tinha mais tempo de ficar com ela, mas, você está nessa divisão de atenção, que envolve um certo equilíbrio difícil.
Muitas vezes as mulheres são penalizadas pela maternidade, por exemplo, o tempo de estágio probatório é suspenso quando você entra em licença maternidade. Ou seja, esse tempo de licença é descontado da progressão. Isso denota uma estrutura que penaliza as mulheres. Além de termos uma estrutura extremamente machista, que estabelece que os cuidados com a criança são exclusivos da mulher. Isso é evidente na divisão doméstica do trabalho.
Há um trabalho de planejar e pensar que é desconsiderado. O pai que ‘ajuda’, não é o pai que partilha. A própria pergunta sobre ter que se conciliar maternidade e trabalho, só é feita para a maternidade. Não se pergunta ao pai como que ele faz para conciliar a paternidade e o trabalho. Porque, obviamente, compreende-se que isso não tem um impacto direto na vida profissional dele. E não ter esse impacto é uma prova explícita de machismo.
Elisabeth Badinter: fala sobre o mito do amor materno em uma de suas obras. Recentemente, fala num novo livro chamado ‘O conflito: a mulher e a mãe’, sobre a perversidade e crueldade que a contemporaneidade coloca sobre as mulheres, porque, teoricamente, a gente teria escolha de ser mãe ou não. O que antes a gente não tinha [a opção], hoje a gente tem. Então é colocado para a mulher que se escolhe ser mãe, que foi ela que escolheu, logo, tem que arcar com o ônus, e por isso, se ignora ainda mais aquilo que é ter que conciliar maternidade e trabalho.
ACC: Pinta-se uma imagem caricata de uma equilibrista tentando dar conta de todas essas demandas.
JP: Nesse equilíbrio, quem paga o ônus é a pessoa, é a equilibrista. Ou seja, quando tenta dar conta das cobranças do ambiente acadêmico, muitas vezes a mulher vai tentar passar por cima da ideia de sexo frágil, de que é a que produz menos, que está de TPM e por isso se cobra a fazer muito mais. E por outro lado, ela é cobrada fora, pra dar conta dessa maternidade perfeita, que vai dar conta de tudo, que vai conciliar tudo. Abrindo-se uma discussão sobre terceirização de filhos, ou seja, se você não tá com o menino você está terceirizando.
ACC: Sobre a rede de solidariedade entre as mulheres: ela é política, pois existe uma política dos corpos em movimento, mas ela não acessa ao debate público, não é?
JP: Sim. Parece um problema que é individual. Mas não é. Na verdade é um problema que é estrutural. O machismo é um problema estrutural. A divisão social de tarefas é um problema social. A ideia de que não se pensa nisso na Universidade, por que o lugar de conhecimento é do homem. A coisa do poder, por exemplo, revela que temos muito menos mulheres nos espaço de decisão. Apesar disso estar mudando com muito esforço. Mas isso não é simples.Uma mulher que vai apresentar um trabalho acadêmico no exterior, por exemplo, precisou fazer muito mais do que um homem para apresentar esse trabalho e isso precisa ser visibilizado e reconhecido.
ACC: A Universidade é antiquíssima, porém, a maternidade é muito mais. Então, por que não há uma autocrítica da Universidade para pensar sobre a condição das mulheres, mães e pesquisadoras? Parece ser um grande paradoxo, uma vez que os estudos recentes apontam que as mulheres assinam 72% dos artigos publicados no Brasil.
JP: É um paradoxo, que na verdade, é estrutural. É uma negação dessa contribuição feminina de dupla jornada. O que se faz é negar que isso existe. Ignoram tudo isso. Quando Badinter fala sobre conflito, não se está provocando o debate a partir do sujeito, mas sim, sobre a estrutura. O que se coloca em relação a isso é que todas nós temos o direito de ter filhos e viver o sonho da maternidade em paralelo com o sonho de ter trabalho. Isso não deveria ser concorrente, contraditório ou paradoxal.
ACC: O que se pode ser feito em termos de políticas públicas, sociais e no debate público para chamar atenção a essa questão?
JP: Primeiro lugar, deixar de pensar que o cuidado de crianças precisa ser exclusivo da mãe. Tem que existir licença paternidade adequada. Possibilidade de licença familiar, em que o pai ou a mãe escolham quem vai fazer. Isso não pode ser compulsório. A ideia de que quem vai tomar essa função por mais tempo é a mulher. Mas que pode ser compartilhado por quem é da família.
Espaços de cuidados públicos e coletivos. Quando a gente fala sobre creche, estamos falando de uma creche de qualidade, não de um depositário de crianças. Uma bolsa, como se faz em Salvador, de cinquenta reais, para substituir uma política pública de creche. Isso é boicotar a capacidade de trabalho de uma mulher.
Fazer visibilidade da maternidade no impacto da carreira, ou seja, quando a gente se assume enquanto pesquisadora/produtora a gente é mãe mesmo. Isso influi na sua vida mesmo, por que isso é dito, mas nunca está lá escrito no lattes. Dar um olhar a isso é tão importante quanto as publicações que são feitas.
Em termos de universidade, acho que temos que ter mais espaços com as crianças. Estamos vivendo um momento de separação muito grande das crianças e dos adultos. E isso é oneroso para as mães. Por que são elas que vão ter que fazer esse jogo, esse equilíbrio”