Nath Ferreira fala sobre o projeto “Grafite Delas” e a força feminina na arte urbana
“Que a gente possa usar o grafite como forma de expressão e ferramenta de transformação social”
Por Madu Motta
É nesse contexto que surge o projeto “Grafite Delas”, idealizado por Nath Ferreira, artista urbana, moradora de Santo Antônio de Jesus. Enxergando o potencial do grafite não apenas como forma de expressão pessoal, mas como um instrumento de inclusão e transformação, Nath criou essa iniciativa com o objetivo de ampliar a presença feminina no mundo das artes urbanas. O projeto visa unir e apoiar mulheres que desejam explorar a arte nas ruas, rompendo barreiras e construindo um espaço de visibilidade e voz para elas. Em entrevista a Agenda de Arte e Cultura, a artista fala sobre sua trajetória, as motivações por trás do “Grafite Delas” e os desafios e conquistas no mundo do grafite e do movimento de mulheres grafiteiras no cenário urbano atual.
Fonte: Arquivo pessoal- Nath Ferreira
Como você começou a fazer grafite? O que te inspirou?
Eu comecei a fazer grafite a partir da cultura hip-hop, com as vivências e histórias, como eu já fazia desenhos, eu encontrei no grafite o meio de expandir a minha arte, fazer algo em grande proporção e de atingir mais pessoas. Meus primeiros traços na parede foram fazendo mandalas. Participei de alguns eventos de grafite, tanto nacionais como internacionais e regionais e com o tempo. Com a vivência, veio a inspiração. O fato de ser mulher foi o ponto principal para a minha inspiração. Minha vivência nesse ambiente que é muito masculino me fez querer fazer personagens femininos, trazer um pouco dessa representatividade para esse meio. Então, a grande inspiração foi o “ser” mulher, trazer um pouco dessa força feminina, essa questão social, porque eu sei que a arte urbana tem uma conexão forte com o espaço público. E foi essa dinâmica que me fez estar dentro do grafite, que fez eu estar pintando, que fez eu estar inspirando outras mulheres.
Como a sua experiência pessoal moldou o que você expressa nas suas obras?
Minha experiência dentro do hip-hop, dentro do grafite, já influencia diretamente a minha arte. Hoje, sendo mulher dentro do grafite, que é um lugar extremamente dominado por homens, eu vi a necessidade de passar um pouco dessa mensagem de representação da mulher dentro do grafite. Por isso, a maioria dos meus trabalhos, das minhas personagens são sempre femininas, eu gosto muito de destacar essa representatividade dentro desse meio, tanto em questão de luta, quanto em questão da resiliência das mulheres, e também busco trazer um pouco da perspectiva de coletivos artísticos e o impacto da arte como instrumento de transformação social.
Fonte: Arquivo pessoal- Nath Ferreira
Como surgiu a ideia de fundar o Grafite Delas? Quais foram os principais desafios no início?
A ideia de fundar o grafite delas veio da necessidade que vi das mulheres terem um espaço dentro da arte urbana, principalmente aqui no interior, aqui no recôncavo baiano, dentro da cidade de Santo Antônio de Jesus. No início, eu era a única mulher a fazer grafite e eu precisava aumentar esse cenário, aumentar a quantidade de mulheres dentro do grafite aqui no interior. Também foi importante que eu criasse um ambiente totalmente acolhedor e seguro para que as mulheres, as meninas, pudessem ter a oportunidade de se expressar através do grafite, suas ideias, suas lutas. Foi mais essa questão de unificar, para ter mais mulheres dentro da cena do grafite, para que aos poucos a gente fosse mudando esse cenário. Outra dificuldade foi conseguir apoio nas oficinas, apoio em questão de estrutura, e financeiro. Porque o grafite hoje é uma arte cara, então, para financiar um projeto totalmente social de forma gratuita é um pouco difícil.
Há algum projeto específico ou mural que tenha marcado a história do coletivo? Você poderia contar um pouco sobre ele?
Um mural que marcou bastante em uma das nossas oficinas foi uma pintura que fizemos aqui em Santo Antônio de Jesus, um mural feito somente por mulheres, em um espaço voltado para um projeto para as mulheres. Foi uma pintura coletiva que tinha desde criancinhas, a pessoas adultas, adolescentes, todo mundo ali reunido, pintando um rosto que representava a luta das mulheres contra o câncer de mama. Então foi um momento muito marcante, todo mundo ali deixou um pouco da sua marca, tinha gente que estava iniciando, tinha gente que tinha um pouco de tempo no grafite, foi uma interação incrível.
Quais você considera as principais diferenças entre grafite e picho, tanto em termos de técnica e estética quanto de intenção e mensagem política? Como essas diferenças influenciam a forma como cada um é percebido pela sociedade
Com relação ao picho e o grafite não tem como separar os dois, eles estão ali lado a lado. O grafite surgiu do picho, a diferença é a questão estética. O picho, muitas vezes, é um grito de revolta, é também uma simbologia de ocupação de espaço. Já o Grafite, por sua vez, também tem essa questão política, mas tende a dialogar mais com a questão estética e visual. Dentro da sociedade, nós sabemos que o picho ainda tem a questão de ser marginalizado, visto muitas vezes com vandalismo. O grafite tem uma estética mais aceitável. Mas a mensagem de ambos é a demarcação de lugar, e a luta é a sua mensagem.
Para finalizar, quais artistas você indica para podermos conhecer a arte urbana e o que você espera para o futuro da arte urbana na sua cidade?
O que eu espero da arte dentro de Santo Antônio de Jesus, mas não só aqui, também no Recôncavo Baiano, com ênfase no grafite, é que ele cresça, se fortaleça. Que muito mais mulheres, e jovens possam ocupar os espaços públicos que são nossos por direito, que a gente possa usar a arte, o grafite, como forma de expressão e ferramenta de transformação social. Eu espero que o grafite seja mais valorizado pelas instituições públicas, com muito mais apoio, com mais implementações de projetos culturais que visem não só a inclusão, mas também o desenvolvimento, principalmente dentro das comunidades carentes aqui da cidade e da região.