Novembro Negro: professores trabalham referências negras nas escolas de arte
Professores realizam dentro na universidade atividades fundamentadas na arte negra
Por Kalú Santana
Uma universidade localizada na cidade mais negra no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, poderia apresentar uma representatividade próxima desta realidade. Porém, segundo um levantamento do coletivo Luiza Bairros, a UFBA dispõe apenas de 2% de professores negros, dentro de um quadro de três mil docentes.
No mês da consciência negra, entrevistamos nomes nas escolas de arte, como Edileuza Santos, Tamires Lima e Licko Turle, que são professoras e professores que resistem e levam a arte afro-referenciada para suas atividades acadêmicas.
Ancestralidade e Universidade
Edileuza Santos é pesquisadora, professora, bailarina e coreógrafa. Formada em Dança pela UFBA, ensinou durante dez anos no curso de graduação em dança, com ênfase na cultura de expressão negra. Lembra que, quando entrou na universidade como estudante, não se encontrou no currículo, que não contemplava a dança negra e precisou tomar um posicionamento quanto a isso.
“Fazendo um curso superior em que minha cultura não estava presente me fez refletir e me tornar resistência, de ter que, a todo momento, estar provando que eu era capaz de estar ali, que este espaço também era meu lugar”.
Foi quando adentrou o Odundê, em 1983, grupo de pesquisa que trabalhava dança contemporânea com referência na cultura negra, dirigido pela professora Conceição Castro, que se encontrou, na escola de dança, a nível de identificação cultural. Ela ainda idealizou e fundou o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), em 1997.
Segundo Edileuza, o NEAB mobilizou várias atividades, tudo isso para chamar a atenção da escola para a cultura negra e para trazer esta cultura para dentro da escola. Dentre estas atividades, ela cita o “Arrastão dançante”, que era realizado no estacionamento de dança:
“Começava com um aulão aberto, depois saíamos em cortejo até o Othon. Na volta, era armado um palco onde fazíamos algumas apresentações e um professor de dança e um percussionista, eram homenageados. Fizemos um ano para King, outro ano para Nadir e o último foi para Augusto Omolú”.
“Salvador é uma sala de aula aberta”
Nascida no bairro da Liberdade, em Salvador, Edileuza conta sobre a importância do bairro e da sua efervescência cultural em sua formação. Foi no colégio Duque de caxias que ela conheceu as linguagens artísticas e teve a oportunidade de decidir pela dança.
“É um bairro onde o tambor é presente, seja do Ilê Ayê ou das religiões afro-brasileiras. Onde as manifestações negras se construíam, onde os debates eram e são efervescentes, tudo isso, além de minha família, me deu uma base.”
Artes plásticas e brinquedos populares
Tamires Lima é formada em Computação Gráfica pela Escola de Belas Artes da UFBA e Mestre pelo programa Desenho, Cultura e Interatividade pela Universidade Estadual da Bahia (UESB). Professora do curso de design na mesma escola que se graduou, ela conta que sempre leva a arte negra para as atividades que realiza com os discentes, pauta que acredita ser prioridade em um espaço universitário.
“Proponho textos de pensadores negros, ou até que os próprios trabalhos acadêmicos sejam a partir de trabalhos de artistas negros. Acredito que o caminho seja fazê-los refletir sobre o tema, porque cada pessoa vai descobrindo sua questão de identidade a partir das experiências que lhe acontecem.”
Ela citou, como exemplo, uma atividade do semestre passado onde os alunos do curso de design precisavam diagramar uma revista. Tamires pediu que a atividade fosse em cima do cordel da escritora Jarid Arraes, o ‘Heróinas Negras em 15 cordéis.
A professora ainda falou sobre a importância de eventos que trazem, como tema, a cultura negra, além do trabalho coletivo de estudantes negros nesta iniciativa.
“O ‘Representatividade’ foi um evento sobre negritude organizado por alunas e alunos negras e negros. Foi um espaço pensado de diálogo entre artistas, designers e acadêmicos, falando sobre a produção neste cenário artístico negro baiano; das barreiras, das conquistas que vivenciam e como é ser um profissional/acadêmico negro.”
Universidade e Comunidade
Tamires também é autora do livro “Fabrincando”, que ensina crianças a construírem seus brinquedos e promove a valorização da atividade do artesão. É autora, também, do livro infantil “Toim, cadê você?”, que apresenta uma menina que reclamava com o seu cabelo, dizendo que ele era difícil de cuidar, depois que ele decide ir embora, ela passa a história toda procurando por ele.
Tamires conta que a história do livro é uma metáfora: o que a personagem busca, na verdade, é sua identidade. A narrativa teve uma boa aceitação pelo público infantil, que se sentem representadas pela personagem. “Crianças que pegam o livro e dizem: ‘olha mamãe, aqui tem uma menina igual a mim’, já recebi cartinha de crianças dizendo que já pediram desculpas para seu cabelo. É como eles se enxergam no mundo”, relata.
Teatro, o lugar de onde se vê!
Licko Turle é professor visitante no Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UFBA, período 2017-2018. Mestre e doutor em teatro pela Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) é também Pesquisador do Núcleo de Estudos da Performance AfroAmeríndia. Trabalhando com a temática do Teatro Negro na Escola de Teatro da UFBA, Licko conta que o teatro negro busca referências da cultura africana.
“O teatro branco tem como base os rituais e as divindades greco-latinas. No nosso caso, buscamos referências na mitologia africana, nos rituais, não só do candomblé, mas também da congada, porque são formas onde o corpo, a performance negra se manifesta, dando origem ao teatro negro.”
Para trabalhar a arte negra nas atividades em sala de aula, o professor cita, como exemplo, a disciplina “Teatro da Diáspora Africana”, matéria que dividiu com a diretora Onisajé (Fernanda Júlia) e segundo ele, trabalharam várias nuances da cena negra, a partir de trabalhos de artistas baianos convidados. “Toda semana cada um falava sobre sua prática no mercado cultural baiano. Entendemos que ouvir e falar com os artistas profissionais, negras e negros, seria fundamental para a aumentar a auto estima dos alunos.”
Licko ressaltou o protagonismo estudantil da graduação nesta cobrança por mudanças nos currículos, apoio que ele acredita ser fundamental. “Contemporâneos que, no seu lugar de fala, exigiram a mudança na faculdade. Uma revolução étnica, feminista, negra que está em movimento, em marcha e não tem volta, independente do novo governo de direita que se instale.”
Licko também fala sobre o papel do teatro no quesito de representatividade, principalmente em Salvador, onde se tem uma população de maioria negra que não aparece na TV ou nos palcos dos teatros. “Quando aparece, é um percentual baixo e nem sempre como protagonista. Então é fundamental o teatro cumprir o seu papel junto à sociedade para que os futuros médicos, engenheiros, psicólogos negras e negros se vejam.”
O professor faz parte da equipe da montagem do espetáculo “Pele Negra, Máscaras Brancas” de Franz Fanon, e diz como o projeto de extensão Cia de Teatro da UFBA pode atuar no maior papel do negro em cena. “Tendo o teatro como ‘a cara da universidade’ é estratégico fazer teatro negro na UFBA. É o que dá estímulo para guerrilha que traçamos dia a dia dentro das universidades. Não é a toa que vamos estrear este espetáculo em 2019, com este novo governo federal em vigor.