‘As palavras nos marcam’, alerta palestrante sobre saúde mental infantil
Minicurso Relações raciais e subjetividades de crianças foi apresentado por Marília Soares
Por Madson Souza
Discussões, depoimentos, apresentação de uma curta, passagens por temas importantes e opiniões impopulares foram parte do minicurso “Relações raciais e subjetividades de crianças”. A palestrante Marília Soares, mestre em estudos étnicos e africanos, ressaltou a importância da representatividade negra nas histórias, especialmente para as crianças e criticou o conceito de resiliência destinado às minorias “Serve só para mostrar como uma exceção”, adverte.
O evento que ocorreu no dia 30 de agosto, na Faculdade de filosofia e ciências humanas, no campus de São Lázaro, fez parte do III SImpósio de Saúde Mental Infantil. A conversa passou por diversos tópicos, como: cuidados a criança numa perspectiva anti racista e relações étnico raciais na infância.
Que história é essa?
“As palavras nos marcam”, fala Marília Soares. A frase vale tanto para o bem, quanto para o mal. Por isso, ela trouxe uma série de livros infantis que costuma ler para a filha. As histórias possuem protagonistas negros e buscam abordar diferentes questões sobre variadas perspectivas, para além de enunciados dessa vivência. A historieta “Amoras”, do rapper Emicida foi a que chamou mais atenção do público.
Porém, a educadora e psicóloga não passa pelo tema sem pontuar comentários. “Acho que às vezes o excesso de militância para a criança negra é um tiro no pé. Às vezes, elas só precisam se ver nas histórias, como personagens”, explicou a palestrante.
Outro assunto criticado foi o monopólio dos contos de fadas de origem européia como material infantil, por indicar uma narrativa que possui uma textualidade distante da realidade do Brasil, protagonizado por personagens brancos e europeus.
Marília Soares argumentou que “é importante que façamos outros percursos, que as crianças se vejam através das histórias, que as personagens negras se façam presente nas histórias mais simples e elementares, que tragam simplesmente uma família negra normal de todos os dias. Mas, que elas possam olhar e dizer: ‘olha como parece comigo’, enfim. Acho que isso tem que ser algo frequente e cotidiano”.
Por fim, ressaltou a importância de representatividade, especialmente na infância. “Acho que as crianças precisam se ver nas histórias infantis. Precisam se reconhecer justamente por conta desse jogo de espelhos que acontece através das personagens que mostramos para elas”, concluiu.
Resiliência
Tema polêmico também questionado pela palestrante foi o conceito de resiliência quando direcionado para minorias, especialmente para mulheres negras, “serve só para mostrar como uma exceção”, explicou.
Além da série de desafios impostos a essa parcela da população o conceito se torna uma carga extra. “É como se a gente tivesse que dar conta desse conceito que é quase físico, como se a gente tivesse que ter uma flexibilidade e dar conta de todas as problemáticas que dizem respeito a uma história e um contexto individualmente”, argumentou Marília Soares.
“Eu acho que é um conceito que deve ser descartado, que não deveríamos mais seguir utilizando, porque acho que ele não fortalece nossa luta”, completou o comentário.
Momento que se relaciona com outro tópico da conversa que foi a discussão sobre saúde mental da população negra. “A cada 10 jovens que se suicidam no Brasil, 6 são negros”, de acordo com levantamento realizado pelo Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília (UNB), divulgado em 2019.
Lápis de cor
Um dos destaques da palestra foi a apresentação do curta metragem “Lápis de cor” (2014), dirigido por Luana Santos, na época estudante de Cinema e Audiovisual da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). O conteúdo do filme aborda a representação racial no universo infantil e como o padrão de beleza vigente afeta a auto-estima de crianças negras.
O curta e a palestra foram aplaudidos pelo público. “Como mulher negra é um experiência que toca porque atravessa todas as nossas vivências e é sempre enriquecedor você ver, na prática, como é que as coisas acontecem”, disse Juliana Leal, estudante de psicologia, após a apresentação.
Ao fim foi proclamado um pedido pela palestrante Marília Soares. “A gente precisa conhecer nossa própria história, porque é de onde vem nossa maior força”. E continua: “Tá na hora da gente falar da gente coletivamente e individualmente. Tomar o controle da nossa própria narrativa!”, exclamou.